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Exemplo 3j: Texto com critérios explícitos do Ministério do Trabalho e Emprego

O Exemplo 3j retrata nitidamente as contradições no discurso de imigração brasileira, assim como mostra que o conhecimento é detido por determinados grupos. O trecho provém de uma página de advocacia na Internet, que apresenta os critérios que são inexplícitos nas leis de imigração. Os critérios são baseados em informações fornecidas pela Divisão de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego. Aqui são divulgados alguns dos aspectos subjacentes às nominalizações das leis de imigração; esses aspectos são revelados aos advogados, pois fazem parte do status quo. Eles podem ter acesso a informações explícitas – os(as) estrangeiros(as), mesmo sendo ‘a parte interessada’, não são atendidos(as) no Ministério do Trabalho, apenas os advogados. Pode-se observar um processo de exclusão, nítido no início do trecho, em que se pressupõe que os profissionais oriundos dos países nórdicos são ‘altamente qualificados’: o discurso legitima somente alguns estrangeiros.

A outra parte do trecho mostra essencialmente a rigidez e o caráter excludente da Divisão de Imigração na concessão de vistos de trabalho e de permanência, servindo assim para demonstrar o que não é explícito nas leis de imigração e o que

76 Texto de Maria Carolina Morales, encontrado na página de advocacia: http://www.csalaw.com.br

A maioria da mão-de-obra estrangeira utilizada pelo Brasil é originária dos USA, Inglaterra e da Alemanha, um profissional altamente qualificado.

Diante da grande demanda de Vistos para Trabalho – obrigatório para o exercício de atividade remunerada em território nacional, no decorrer dos últimos anos, a postura do governo brasileiro vem se tornando mais rígida em relação à imigração, em todos os seus aspectos.

Visto Temporário de Trabalho – Item V: permanência por dois anos (concedido mediante rigorosa avaliação de cumprimento dos atuais critérios) Prorrogação de Prazo Temporário – 02 anos – concedido em caráter excepcional, desde que o requerimento esteja amplamente sustentado. Transformação para Permanente: concedida em casos excepcionalíssimos (restritos a casos especiais).

Por sermos bons anfitriões, o grande problema que enfrentamos é que após a concessão do visto de trabalho por um período de um ou dois anos, 90% dos estrangeiros requerem sua transformação em permanente, não querem ir embora do País, então para se evitar a imigração desenfreada há a necessidade de limitações, de forma a garantir emprego e oportunidade aos trabalhadores nacionais.

* Fonte: Coordenador Geral de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego em 2002, Sadi Assis Ribeiro Filho.

acontece na prática. Ocorre um processo de recontextualização77 em que a perspectiva

do Ministério do Traballho se torna explícita para um determinado grupo (os(as) advogados(as): ‘concedido em caráter excepcional’, ‘casos excepcionalíssimos (restritos a casos especiais)’. Mesmo assim, o exagero de ‘excepcionalíssimos’ não é totalmente explicitado, os ‘casos especiais’ não são explicitados.

Tudo isso retrata, essencialmente, a contradição entre a prática social de ‘sermos bons anfitriões’ e a prática institucional, marcando assim a ambivalência de um país de imigrantes e uma postura político-institucional que não deixou de ser colonial. Aqui, como nos exemplos 3h e i, o discurso em relação ao(à) imigrante é absoluto78;

ele(a) é marcado(a) como diferente, mas a identificação dessa diferença não implica diálogo: “A linguagem sem diálogo é autoritária ou absoluta” (Holquist, apud Fairclough, 2003: 42). O discurso institucional de imigração existe em função do outro – o outro é representado – mas não se representa: “A representação tem a ver com o conhecimento e portanto com o ‘controle’ sobre a coisas” (Fairclough, 2003: 28). Esse controle está nas mãos ‘do governo brasileiro’, ‘o Ministério do Trabalho e Emprego’, ‘o País’, ‘o Brasil’. A voz da burocracia é impessoal; a própria voz do(a) funcionário de imigração é apagada: ele(a) assume a voz do Estado. Não se pode associar os critérios de imigração a nenhuma autoridade específica; o Estado como poder hegemônico é coletivo e fechado. Cabe observar aqui que quando se trata da questão de controle da imigração, as referências ao Estado são coletivas e distantes, mas, ao mesmo tempo, a agência do Estado é construída mediante o uso de ‘nós’ (“vamos retirar da lei qualquer elemento de xenofobia”; “são sentimentos que contrariam o nosso passado”). Há um apelo à boa conduta do Estado (ver Seção 4.2).

Os exemplos examinados nesta seção mostram como o discurso institucional opera em prol da hegemonia do Estado-nação. Os elementos lingüístico-textuais servem para naturalizar e fortalecer o discurso burocrático-institucional, particularmente nas nominalizações e nos pressupostos. Funcionam essencialmente como imposição da voz institucional do Estado-nação frente ao(à) estrangeiro(a) distanciado(a), mas supostamente ameaçador. O processo de interpretação não é simples ou explícito – a compreensão do discurso institucional não se baseia em uma semântica de significados ou na transmissão de informações, mas se encontra em uma leitura do discurso como um espaço de contextos históricos, sociais, políticos em que as ambivalênicas, as

77 Conceito de Bernstein, que significa que o discurso é recontextualizado para ser adequado a um novo contexto ou evento social; essa recontexualização não significa que as relações de poder mudam: as vozes dos(as) imigrantes continuam apagadas (1990, apud Fairclough, 2003: 139).

contradições e nominalizações fazem parte de argumentos para manter a hegemonia do Estado-nação.

Ao mesmo tempo, nos depoimentos dos representantes do Estado (Exemplo 3la a seguir), é evidente que existem contradições, pelo menos retóricas, no tocante à lei existente. De certa forma, dizem o que se espera: “ela ainda é uma política elitista, a lei é elitista”. Apesar da observação crítica, a elitização do processo imigratório continua, como se nota nas atividades do Conselho Nacional de Imigração. Em outro depoimento, pode-se observar que existe uma contradição em relação à eficácia da lei; talvez seja a opinião mais sincera, pois a lei continua apesar das críticas relativas a suas limitações: “né, a lei vigente, não é ruim, de maneira nenhuma tanto que ela está vigendo há 25 anos”.

No final das contas, o Conselho Nacional de Imigração consegue superar essas limitações com a elaboração de resoluções. Mesmo assim, no terceiro depoimento reconhece-se as origens da lei: “A lei em vigor é de 1980 é de um momento diferente em que o Brasil foi muito reprimido, mas dentro do contexto do regime militar, ...em que o estrangeiro era visto como novas reservas, então é uma lei bastante inopróba, bastante restritiva, o Brasil mudou, o mundo mudou....” Será, porém, que o Brasil realmente mudou ou que todos acreditam que a lei é restrita? Os agentes policiais, por exemplo, ainda acreditam que a lei não é suficientemente rígida (ver Capítulo 4).