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Um profissional colombiano em Brasília

Exemplo 5j: Desabafo sobre a nova le

Relato 3: Um profissional colombiano em Brasília

O Relato 3 é de certa forma distinto das primeiras dois relatos em que focalizo as experiências de bolivianos em São Paulo. Aqui são relatadas as experiências de um imigrante qualificado. Não conheço Carlos pessoalmente, correspondemos apenas pelo página da Associação Nacional de Estrangeiro do Brasil, em que noto que ele sempre se manifesta para ajudar os(as) estrangeiros(as) que têm dúvidas sobre questões burocráticas ou reclama dos entraves da burocracia ou da nova lei dos(as) estrangeiros(as).

É evidente no depoimento de Carlos que ele não é distinto dos(as) imigrantes sem documentos, também está no Brasil em busca de uma vida melhor. Com base em seu relato, é evidente que Carlos integrou bastante na sociedade brasileira, tem namorada brasileira, e gosta de vários aspectos da cultura brasileira. Mesmo assim, o relato de Carlos surge em uma época em que está tendo dificuldades com a revalidação dos seus diplomas, e em que já está ciente das dificuldades de conseguir um visto permanente sem casar-se.

Além disso, o relato de Carlos traz uma intertextualidade curiosa no sentido de que, ele detalha os processos burocráticos em que ele está envolvido, como se perceberá no final de seu relato. Esses processos e a própria frustração de Carlos ressaltam nitidamente o poder discriminatório do Estado em que é evidente que não são bem-vindos ‘professores, cientistas’ conforme o depoimento de um dos representantes do Ministério da Justiça (ver Capítulo 4). O encanto de Carlos com o país em termos afetivos e culturais e ao mesmo tempo a sua frustração com os trâmites burocráticos marca claramente a dicotomia nas experiências de imigrantes no país. De certa forma, confirma os depoimentos dos agentes policiais sobre a hospitalidade do país e ao mesmo tempo, destaca a contradição nos depoimentos dos representantes do Estado em que se constrói a noção de que mão-de-obra qualificada é bem-vinda. Nesse sentido, o relato marca o distanciamento entre o discurso do Estado e o discurso do imigrante em que o primeiro representa uma narrativa retórica e o segundo constitui uma história de encantos e frustrações em que o(a) imigrante tenta seguir a lei, e não ‘dribla-lo’, e em que tenta construir o seu espaço, mesmo não sendo ouvido(a) pelo Estado.

Carlos é um colombiano de 28 anos, cresceu em seu país. É engenheiro eletricista e professor universitário, e, também está fazendo doutorado. Ele fala, lê e escreve em português, e também lê em inglês devido aos seus estudos; de fato, comenta que se esforça cada dia para melhorar o português. Carlos veio ao Brasil por vários motivos:

Vim para o Brasil para fazer o meu mestrado e por que o meu país está atravessando por uma dura crise econômica e social. Embora estava trabalhando na Colômbia, o salário não era bom, as oportunidades eram poucas e eu não estava satisfeito. Agora que terminei o mestrado me sinto muito contente e quero me estabelecer no Brasil.

Desde que veio para o Brasil, mora em Brasília. Carlos tem tido contato com brasileiros e estrangeiros, e tem namorada brasileira. Mesmo assim os melhores amigos são colombianos, conforme ele explica: Tenho bons amigos brasileiros, porém ainda os meus melhores amigos são colombianos. Namoro com brasileira e me levo muito bem com a sua família. Eles têm sido muito hospitaleiros e receptivos. De qualquer forma, ele se mostra bastante integrado na sociedade brasileira pelos gostos e interesses que apresenta: Eu gosto de viajar, comer comidas típicas, assistir filmes e dançar. Eu gosto de Forró, MPB, salsa (da colombiana) e rock. Conheço várias cidades brasileiras e me gosta a comida mineira.

Carlos tem um visto de trabalho temporário, mas espera poder permanecer no Brasil como se nota em seus planos: Quero terminar o doutorado, ser aprovado em um concurso público em algum órgão do governo, exercer a profissão de engenheiro ou como professor numa Universidade federal. Mesmo assim, está consciente das dificuldades para conseguir o visto permanente e, diferente de muitos estrangeiros que hesitam em criticar a lei publicamente ou que apenas fazem comentários positivos ou diplomáticos sobre o país, Carlos é bastante crítico da lei. Ele termina desabafando sobre as suas experiências com a burocracia, até expressando a sua vontade de desistir de tudo:

Conseguir o visto permanente é um sonho, pois é muito difícil. Embora estou muito apaixonado pela minha namorada, acho que ainda é cedo para pensar em casar e desejo terminar o Doutorado antes de tomar essa decisão. A lei brasileira dificulta a possibilidade de conseguir um outro trabalho legal o que leva a ilegalidade. Ainda, o governo brasileiro quer modificar a atual lei do estrangeiro, sendo que novo anteprojeto de lei dificulta ainda mais a obtenção do visto permanente. De ser aprovada a nova lei, nem casando poderia obter-se o visto permanente.

Teve alguma experiência muito marcante no Brasil? O que mais me tem marcado no Brasil é a imensa burocracia. Nunca na minha vida havia passado por tanta papelada como aqui no Brasil. A revalidação do meu diploma de graduação demorou 6 meses e me exigiram muitos documentos que além do mais deveram ser traduzidos por tradutor juramentado NO BRASIL! A carteira de motorista foi um triunfo. Cada renovação do visto temporário é mais uma papelada e detalhe, o Registro Nacional de Estrangeiro demora até 6 meses em ficar pronto e quando finalmente me é entregue, está quase para vencer.

Atualmente estou aguardando o resultado de 4 processos:

1. Entrega do Diploma de aprovação do Exame de Português CELPE-BRAS. Apresentei e a provei o exame em abril.

CREA/DF. Para poder exercer a profissão dentro da lei. (Entrada no processo em junho/05).

3. Processo de pedido de permanência desde março/05

4. processo de renovação do visto temporário desde outubro/05. Às vezes dá uma vontade de desistir.

A história de Carlos mostra claramente que os estereótipos construídos pelos policiais e pelos outros representantes do Estado não se aplicam sempre no sentido de que se generaliza a idéia de que é muito fácil para os(as) imigrantes altamente qualificados a conseguir o visto permanente, ou que os(as) imigrantes normalmente casam para conseguir um visto. O relato de Carlos serve para indicar que não são todos(as) estrangeiros(as) que resolvem casar-se para permanecer no país.