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CAPÍTULO II DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA

2.4 Fundamentos da Previdência Social

2.4.1 Exercício do trabalho como função social

Desde sempre o trabalho tem sido para o homem o seu grande meio de sustento, de projeção pessoal, de manutenção da sua posição social e de poder, perante os seus pares.

O trabalho traz segurança para o grupo familiar, eleva o padrão de dignidade e estabilidade do homem, no meio em que se insere, permitindo-lhe, além da manutenção, formar uma poupança para dias difíceis, quando a manutenção se torna escassa ou sem possibilidade de se realizar. Essa reserva também lhe será necessária, quando lhe faltarem forças para exercer atividade laborativa remunerada, para garantir o seu sustento e a manutenção de sua família.

Nos tempos atuais, é comum medir a capacidade das pessoas pelo que elas representam no ambiente social; são normalmente valoradas pelo que produzem nos aspectos econômico, financeiro, socioeducativo e cultural, como forma de contribuir para que o seu meio social evolua e seja benéfico a todos aqueles que dele participam.

Certo é, entretanto, que a situação referida e comentada como ideal nem sempre é a que se apresenta no dia-a-dia, em qualquer parte onde o homem se faça presente. Essas desigualdades, com origens e constatações as mais diversas, encontram-se notadamente dentre aquelas de que os sistemas de proteção social mais cuidam, tanto no aspecto de busca da dignidade da pessoa humana e do equilíbrio social quanto no do equilíbrio orçamentário e financeiro.

Para Wagner Balera, o trabalho “enquanto valor foi recebido pela norma jurídica e,

por isso mesmo, constituído como primado da ordem social e como condição para a

realização da Justiça Social [...]”93.

O exercício do trabalho é o meio pelo qual o homem se mantém, possibilitando-lhe a formação de reservas públicas ou privadas, com o fim de realizar o seu sustento, após a cessação de sua fase produtiva e ativa, isto é, quando na inatividade. Deve contar, nessa

93 BALERA, Wagner. Introdução à Seguridade Social. In: MONTEIRO, Meire Lúcia Gomes (Coord.).

última fase, com a cobertura que lhe garantirá um ente público e/ou privado para o qual tenha vertido contribuições.

O exercício do trabalho está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, visto que a sua falta levará a falta de manutenção e esta a um estado de miserabilidade e de indignidade que, sempre que ocorrer, o humilhará perante os seus pares.

A Profª. Heloisa Hernandez Derzi assevera que “o trabalho remunerado, exercido pelo

homem sadio, é o passaporte para uma vida livre e digna.”94. Visão semelhante é

compartilhada por vários estudiosos, já que o trabalho é importante tanto para o desenvolvimento da atividade econômica quanto para o crescimento do homem, ao que Rui

Barbosa acrescenta “[...] oração e trabalho são os recursos mais poderosos na criação moral

do homem [...] desde que o mundo é mundo, se vem dizendo que o homem nasce para o

trabalho: Homo nascitur ad laborem.”95.

Sobre a importância do trabalho na vida de cada pessoa, Daniel Pulino observa que:

[...] o art. 170 da Lei Maior, que trata os fundamentos da própria “ordem econômica e financeira”, que também tem por base “a valorização do trabalho humano” (além da livre iniciativa, que aqui aparece senão de modo mais expressivo, ao menos mais evidente), estabelece como fim da ordem econômica assegurar a todos existência digna (eis o bem-estar social, sob outra vestimenta, conforme os ditames da justiça social, observados, entre outros, os seguintes princípios: redução das desigualdades regionais e sociais (inciso VII) e “busca do pleno emprego” (VIII)96.

Ao longo da vida, podemos ver pessoas que trabalharam e contribuíram compulsoriamente com o fim de obter um meio de manutenção futuro, por parte do sistema previdenciário, capaz de sustentá-las, total ou parcialmente, inclusive os chamados segurados facultativos (anteriormente denominados contribuintes em dobro), que verteram as contribuições para o sistema oficial, mediante ato de vontade própria, mesmo não exercendo qualquer atividade, que implicasse filiação obrigatória e contribuição compulsória.

Essas pessoas, ao assim procederem, vislumbraram, naturalmente, aliado ao cumprimento de uma disposição legal, garantir uma poupança, um meio capaz de mantê-las, no tempo em que se encontrarem em situação de inatividade temporária por doença, ou definitiva, por invalidez, ou, ainda, por idade avançada, quando esse meio se tornasse

94 DERZI, Heloisa Hernandez. Os beneficiários da pensão por morte. São Paulo: Lex, 2004, p. 125. 95 BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Campinas: Russel, 2004, p. 33 e 37.

96 PULINO, Daniel. Regime de previdência complementar: natureza jurídico-constitucional e seu

desenvolvimento pelas entidades fechadas. 2007. P. 15, Tese (Doutorado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.

indispensável para a preservação dos padrões de humanidade e dignidade da pessoa humana. São os destinatários da Previdência Social.

Veem-se, também, outras pessoas que, ao contrário, passaram pela vida sem ter tido a oportunidade de construir qualquer tipo de poupança ou de reserva, capaz de promover a sua manutenção em futuro incerto, seja por falta de condições materiais próprias, seja pelo exercício do trabalho em atividade informal, sem qualquer garantia dos sistemas de proteção

social – Previdência Social – existentes no país, nas suas várias esferas de proteção –

municípios, estados, distrito federal e União. São esses os destinatários da Assistência Social. Essas pessoas, infelizmente, quando perdem a capacidade para exercer qualquer tipo de trabalho que lhes garanta a subsistência são alijadas do ambiente social e passam a viver como verdadeiros párias, provocando, na maioria das vezes, graves problemas sociais. Quase

sempre, vivem da caridade de pessoas, parentes ou não, ou de mecanismos públicos – Lei

Orgânica da Assistência Social (Loas)97– ou, ainda, em instituições externas privadas, (asilos,

ONGs etc.), um gesto, que não enobrece quem pratica, pelo caráter da doação, e pode humilhar profundamente quem recebe, pela situação degradante em que se encontra.

As idades oficiais de início e término da atividade laboral – 16 anos (início da vida

laboral), 55, 60 e 65 (idades com direito previdenciário) e 70 anos (compulsória, II, 40

CF/1988) anos – são reguladas pelo texto constitucional (Constituição Federal de 1988 e EC

20/1998)98. É necessário ter em mente que a plena capacidade para o trabalho deve ser sempre

vista como uma dádiva, independente da idade que possa ter a pessoa.

Por tal razão, o trabalho continua sendo, e será sempre, o melhor instrumento de realização colocado à disposição das pessoas, por ser capaz de permitir uma trajetória de vida sustentada, ao viabilizar os meios de manutenção reciprocamente conquistados (pelo exercício do trabalho e pelo recolhimento de contribuições), imprescindíveis para os períodos de inatividade. Isto para todos aqueles que procurarem formar a sua poupança, via cotizações para os sistemas de proteção social oficiais e, também, por investimento próprio, que possa complementar os valores proporcionados pelos diversos regimes de cobertura governamentais, nos sistemas por eles disponibilizados, compulsoriamente ou não.

O exercício do trabalho, que permite ao homem manter-se e à sua família de forma condigna, deve acompanhá-lo e ser por ele realizado durante todo o tempo em que perdurar a sua capacidade produtiva, significando dizer que o homem deve trabalhar, desempenhando

97 BRASIL. Lei nº 8.742 de 07 de dezembro de 1993. Trata da organização da assistência social (Loas).

98 BRASIL. Emenda Constitucional nº 20/1998. Modifica o sistema de Previdência Social, estabelece normas de

um papel de utilidade no ambiente onde vive, tornando-o cada vez mais desenvolvido e saudável, enquanto tiver capacidade laborativa para tal.

No sistema de proteção social brasileiro, os valores recebidos decorrentes do trabalho remunerado constitui o fato gerador da contribuição previdenciária oficial (ou sua hipótese de incidência) para o Regime Geral de Previdência Social, consoante o disposto no art.12 da Lei

nº. 8.212/9199 e legislação posterior.

Assim, podemos afirmar que o exercício do trabalho é a base dos sistemas de proteção que operam no mundo inteiro, criando o necessário sustentáculo para a operacionalização, manutenção e equilíbrio financeiro e atuarial desses sistemas.

Embora referindo-nos, vez por outra, a alguns aspectos de outros sistemas oficiais de previdência existentes no Brasil (União, estados, municípios, militares, magistrados, servidores públicos, etc.), o objeto deste trabalho está concentrado nos aspectos que envolvem o Regime Geral de Previdência Social, administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, responsável pela cobertura das prestações previdenciárias a quase totalidade da massa trabalhadora brasileira.

No dizer de Fides Angélica Ommati, “A Previdência Social nasceu vinculada à pessoa

do trabalhador, como uma forma de proteção, principalmente para os riscos de invalidez e

velhice.”100. A melhor referência, entretanto, sobre a importância do trabalho nas ações

sociais, principalmente nas ações de Previdência Social, vem do art. 193 da Constituição

Federal de 1988, quando diz: “Art.193 - A ordem social tem como base o primado do

trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”.

Temos que a manutenção resultante do trabalho remunerado é fundamental para a sobrevivência de qualquer pessoa. Há uma fase de nossas vidas em que somos mantidos pelos pais, ou por nossos responsáveis; há outra fase em que a manutenção é realizada pelo fruto do nosso trabalho, desenvolvido por nós mesmos (enquanto segurados) e há uma última fase, a derradeira, que, por questões contingenciais, a manutenção será feita pelas reservas que o trabalho nos possibilitou acumular, em forma de poupança ou outro meio a ser transformado em renda para nos manter ou, ainda, cumulativa ou alternativamente, pelos sistemas públicos e privados de previdência social, a cargo da União, estados, Distrito Federal e municípios e, inclusive, por meio dos fundos abertos ou fechados de previdência privada.

99 BRASIL. Lei nº. 8.212/91. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui o Plano de Custeio e dá

outras providências.

100 OMMATI, Fides Angélica. Manual elementar de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.