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CAPÍTULO II DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA

2.4 Fundamentos da Previdência Social

2.4.3 O pacto de gerações

O chamado pacto de gerações não é um princípio constitucional nem é um princípio legal. Apesar disso, impõe-se vislumbrá-lo para entender, ainda que filosoficamente, a sua importância, principalmente, quanto à garantia de sobrevivência e liquidez do sistema previdenciário para pessoas que dele dependem na atualidade ou dele dependerão no futuro.

No mundo do trabalho podemos verificar a movimentação estrutural das grandes

massas populacionais em todos os campos da ciência. No progresso das nações, nas grandes descobertas, no encontro da satisfação das necessidades e realizações humanas e pessoais, o homem se insere de forma marcante, quando faz parte dessa cadeia evolutiva e produtiva, razão maior de sua existência. Extrai dessa cadeia a sua manutenção e, igualmente, a das pessoas que dele dependem economicamente.

No entanto o homem sabe que chegará o tempo em que não mais terá como participar dessa cadeia, porque irá faltar-lhe a necessária capacidade física ou intelectual, às vezes as duas condições para nela continuar ligado. Por isso, somente com a realização de uma

reserva, uma poupança, terá meios de prover o próprio sustento, quando não mais puder trabalhar e realizar, por si só, essa sua manutenção.

O Estado, por sua vez, tutor natural dos cidadãos, entende ser fundamental criar e manter um sistema de cobertura mediante contribuições compulsórias, determinando a todos os que trabalham o pagamento de um percentual de seus salários ou rendimentos, com o fim de ver garantido, no futuro, o direito de substituir a renda do trabalho pela percepção de um benefício vitalício, imprescindível e fundamental à sobrevivência do acobertado.

Com o incremento dessa medida, procura-se evitar o caos social, facilmente constatável e presumível, se as pessoas não tiverem uma renda mínima, sujeitando-se, como consequência, à miséria, indigência, humilhação e perda da dignidade, entre outros e questões sociais, que conturbariam sensivelmente o modus vivendi de uma minoria diferenciada, mais precisamente, a classe dominante.

Vislumbrava-se, inicialmente, que, a partir do momento em que cada pessoa criasse a sua própria poupança, veria garantida a sua manutenção, pelo menos, enquanto vivesse, independentemente de outros fatores ou de outras contribuições, que pudessem surgir de forma solidária.

A poupança social (seguro social), que se realiza com o pagamento de contribuições mensais ou periódicas para um fundo de previdência público obrigatório, torna-se necessária porque cria uma obrigação legal entre aquele que paga e aquele que recebe, no caso o ente público, no sentido de devolver esse pagamento, em forma de benefício previdenciário, de caráter vitalício.

Aquele que paga contribuição na atualidade tem sempre a sensação de que os valores recolhidos serão acumulados e restituídos aos legítimos responsáveis pelo pagamento, mas não é exatamente o que ocorre.

Como o regime de pagamento da Previdência Social brasileira é o de repartição simples, tudo o que se arrecada em um mês é praticamente gasto no mesmo mês, com o pagamento de benefícios previdenciários a pessoas que recebem aposentadorias e pensões.

Essas pessoas, que hoje recebem benefícios, contribuíram, em sua maioria, para o sistema previdenciário por mais de três décadas, de tal sorte que é facilmente constatável que os destinatários das contribuições que alguém paga na atualidade seja, concretamente, aqueles que se encontram já aposentados (aposentadorias diversas) como, também, os que recebem benefício de pensão, dependentes econômicos de segurados ativos ou aposentados que faleceram, deixando para esse grupo o benefício, em forma de pensão por morte.

Assim, o que se pode chamar de pacto de gerações nada mais é que a obrigação legal e compulsória que os segurados ativos têm de contribuir, na atualidade, para manter os atuais aposentados e pensionistas. Essa migração da condição de ativo para a condição de inativo, associada aos novos trabalhadores contribuintes, cria um elo importantíssimo que não pode se romper, sob pena de desestabilizar todo o sistema previdenciário nacional, hoje responsável pelo pagamento direto, mensal, a aproximadamente 30 milhões de pessoas, entre aposentadas e pensionistas, que dependem desse benefício para sobreviver, com decência e dignidade.

Podemos dizer, como decorrência, que a existência de um pacto entre gerações, ainda que não constitucional e nem legal, é algo que jamais poderá ser desfeito, sob pena de se instalar no país o caos social, pela falta de manutenção dessas pessoas.

A consistência legal e a legitimidade que levam a esse pacto de gerações ocorrem mediante dois procedimentos, prescritos na legislação previdenciária: a) a filiação obrigatória e b) a compulsoriedade no recolhimento das contribuições. No caso de descumprimento desses condicionantes o sistema fatalmente sucumbirá.

Como forma de exigir o cumprimento desses requisitos, a filiação torna-se automática

para determinadas categorias (empregados em geral – a maior categoria) e, no caso do não

cumprimento das obrigações quanto ao recolhimento das contribuições, o Estado, via Secretaria da Receita Federal e seus agentes, realiza o lançamento, como forma de garantir a sobrevivência do pacto entre gerações.

É importante ressaltar que existem categorias de contribuintes individuais, como os autônomos, empregadores rurais, facultativos, segurados especiais, cuja filiação ao sistema se dá por ato de inscrição pessoal, desconsiderada por muitos.

Essas pessoas jamais serão fiscalizadas e só serão reconhecidas se um dia procurarem pelo benefício; caso contrário, não. Não há mecanismo fiscal, administrativo ou burocrático que obrigue essas categorias a se inscreverem no sistema de proteção social, como contribuintes, mas são potenciais candidatas aos benefícios da Assistência Social, hipótese, nesse caso, de se conquistar o benefício assistencial, sem o devido recolhimento de contribuições previdenciárias.

Ainda relativamente ao pacto de gerações, pode-se dizer que envolvidos nessa condição, o sadio trabalha para o doente (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez), o jovem trabalha para o velho (aposentadoria por idade), o ativo para o inativo, numa verdadeira simbiose, que se oficializa e ganha espaço pela proteção, garantida por um seguro social público e obrigatório.

Wladimir Novaes Martinez, especialista em matéria previdenciária, chama o pacto de

gerações de solidariedade forçada das pessoas, “Significa a participação de maioria contemporânea (contribuindo), a favor de minoria hodierna (inativos) e de futura

(aposentados).” Acrescenta que “a solidariedade não é espontânea. A adesão a sistemas

optativos ou facultativos não afasta do segurado a compulsoriedade, uma vez ingressado no

sistema”104, de tal sorte que o pacto de gerações, em que pese a realidade, apoia-se sobre um

ordenamento imprescindível, de natureza fundamental para a sobrevivência dos sistemas.

Sobre o pacto de gerações há o artigo de João Donadon105, Coordenador Geral de

Legislação e Normas do Ministério da Previdência Social, publicado nas Conclusões do Seminário Internacional, envolvendo a Previdência Social e as Cooperativas de Trabalho, ocorrido em Brasília em 1994, cujo tema central explorou As relações de trabalho e as

cooperativas de trabalho garantia de direitos e de arrecadação.” Vejamos:

O sistema previdenciário adotado no Brasil é o de repartição simples, que consiste em um modelo onde os recursos recolhidos dos contribuintes atuais são destinados a cobrir os gastos com os aposentados de hoje. Estabelece-se um pacto entre gerações onde os segurados ativos financiam os inativos. Nesse sistema não existe acumulação das contribuições para garantir o pagamento da aposentadoria do próprio segurado contribuinte, como ocorre no sistema de capitalização.

São várias as citações e conceituações sobre o pacto de gerações, como a de João Guilherme Vargas-Netto, assessor sindical do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo – Seesp, ao defender o aproveitamento da conjuntura favorável de apoio parlamentar e

de massas ao Governo, “deve-se também compreender com clareza que a Previdência é um

pacto entre gerações e que as eventuais soluções dos graves problemas têm que ser boas no

presente e ótimas no futuro, resguardando os legítimos direitos do passado.”106.

O Sindicato dos Docentes do Paraná enviou carta aberta aos parlamentares sobre essas alterações, envolvendo o pacto de gerações e uma provável reforma da Previdência, alertando

que a proposta do Poder Executivo “trará perdas irreparáveis a todas as classes de

trabalhadores do país, uma vez que, dentre outras proposições, pretende substituir o atual

104 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. São Paulo: LTr, 1998, p. 101-102, t. II. 105 DONADON, João. Coordenador Geral de Legislação e Normas do Ministério da Previdência Social.

Conclusões do Seminário Internacional sobre As relações de trabalho e as cooperativas de trabalho, garantia de direitos e de arrecadação. MPAS – 1994.

106 VARGAS NETTO, João Guilherme. Reforma da Previdência: discutir às claras. Disponível em:

regime previdenciário, baseado na ‘Repartição Solidária e Pacto de gerações’, por um

regime de capitalização individual.”107.

Concluímos, diante de todo o visto, que os aspectos mencionados, quais sejam o exercício do trabalho, como função social que cria o liame necessário e fundamental para que o contribuinte possa se vincular ao sistema de proteção, o caráter solidário do seguro social, por meio do qual se aplicam essas mesmas regras de proteção, conferindo concessão a quem tenha necessidade do benefício, independentemente de ter contribuído mais ou menos tempo, sobre maior ou menor base de cotização e, finalmente, o pacto de gerações que garante o pagamento do benefício a quantas gerações de trabalhadores se sucedam, em face da obrigatoriedade da filiação e da compulsoriedade das contribuições, traduzem-se em garantia de que se terá, no futuro ou em qualquer época, quando não mais se puder trabalhar, o mínimo indispensável para uma sobrevivência digna.