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CAPÍTULO II DA PREVIDÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA

2.4 Fundamentos da Previdência Social

2.4.2 O caráter solidário da cobertura do Seguro Social

O Sistema Previdenciário brasileiro foi elaborado dentro de princípios que elegeram a solidariedade como o seu ponto social mais elevado. Existem outros sistemas espalhados pelo mundo, que se baseiam na capitalização individual, quando as pessoas têm benefícios proporcionais ao acumulado ao longo do tempo trabalhado, como é o caso do Chile, onde a Previdência Social é administrada pela iniciativa privada, por meio das chamadas Associações

de Fundos de Pensão – AFPs, incumbindo ao Estado chileno cuidar somente das ações de

assistência social e de saúde, destinadas aos seus cidadãos.

A quase totalidade dos países proporciona aos seus nacionais uma cobertura financeira, representada por um valor proporcional ao que foi cotizado diretamente para os seus sistemas de previdência. Nesses sistemas, o Estado somente intervém quando o cidadão se encontra completamente impossibilitado de se autossustentar, por motivo de idade avançada, fixada em lei, ou doença temporária ou permanente, com qualquer idade.

Conforme já nos referimos (menção feita a Maria de los Santos Alonso Ligero in XXX

Curso e Altos Estudios em Seguridad Social, realizado em Madrid, em 1984), estudiosos e observadores afirmavam que existem países com tendência a evoluir para um sistema de cobertura, em que predominarão as ações de assistência social. Sobre as demais ações, previdência e saúde, a participação dos Estados soberanos seria reduzida gradativamente, possibilitando à iniciativa privada assumi-las até que se esgotem na esfera pública.

Nossa opinião, entretanto, é divergente, no momento em que visualizamos no Estado- mínimo do dever-ser encargos intransferíveis para a iniciativa privada, mesmo a Previdência Social proporcionando somente benefícios por incapacidade, idade avançada e morte, reduzindo o seu teto de contribuição e, consequentemente, o pagamento de benefício.

De igual forma é nosso entendimento de que nos campos da Assistência Social e da Saúde, as ações dos Estados soberanos devem se fazer ainda mais presentes, visto que a sua falta deixaria os cidadãos abandonados à própria sorte.

No Brasil, o ponto mais forte, o traço mais marcante no sistema de proteção social público, a nosso ver, é o caráter solidário, que se denota tanto no custeio dos programas de previdência quanto na abrangência das espécies e do pagamento dos seus benefícios.

O sistema de cobertura social brasileiro, seja na Assistência, seja na Previdência Social, ao eleger, naturalmente, o princípio da solidariedade, como o seu ponto mais elevado, admitiu em legislação própria, que os direitos concedidos em forma de benefícios sejam orientados pelos seus fatos geradores e seus riscos sociais, com a pertinente previsão legal.

O princípio da solidariedade se torna ainda mais forte e consistente no modelo brasileiro, quando permite o pagamento de benefícios com dispensa de carência a segurados e aos seus dependentes em casos de morte, doenças de segregação compulsória relacionadas no

art. 151 da Lei nº. 8.213/1991101 e acidentes decorrentes de qualquer natureza ou causa.

Assim, é de se ver que a legislação previdenciária permite o pagamento do benefício àqueles que verteram contribuição, ainda que mínima, para o sistema, quando forem acometidos das situações já referidas, (morte = pensão, doença ou acidentes = auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), com o fim de assistir, recuperar ou amparar o contribuinte ou o seu dependente econômico, em momentos contingenciais, proporcionando-lhe, em caráter transitório ou permanente, tratamento e descanso merecidos, com o benefício de prestação continuada, seja ele natureza previdenciária (INSS) seja de natureza assistencial (Loas).

Vejamos, como exemplo desta afirmação, o caso dos benefícios concedidos, sem qualquer exigência de carência, como é o caso da pensão por morte, do salário-maternidade para a segurada empregada, os benefícios por incapacidade quando decorrentes de acidentes de qualquer natureza ou causa, entre outros.

Verificamos, também, que os contornos da solidariedade tornam-se mais visíveis quando o sistema permite que determinados contribuintes recebam benefícios por anos a fio, independentemente do tempo em que cotizaram as suas contribuições. Cite-se, como exemplo, o caso da pensão por morte de segurado, que tenha recolhido somente três contribuições e venha a falecer, deixando a mulher com 25 anos e dois filhos menores. A julgar pela idade, e expectativa de sobrevida indicada pelo IBGE, o cônjuge sobrevivente receberá benefícios, ainda que de valor mínimo, por mais de 50 anos. Além desse exemplo, muitos outros poderiam ser citados, envolvendo eventos relacionados a acidentes e incapacidade laborativa, por motivo de doença.

Para o eminente jurista espanhol Manoel Alonso Olea, os processos de redistribuição

de renda “fazem da Seguridade Social um sistema poderoso e eficaz de solidariedade

social”102 e os classifica, quanto à operatividade, em três modos distintos:

101 BRASIL. Lei nº. 8213/1991. Art. 151. Até que seja elaborada a lista de doenças mencionadas no inciso II do

art. 26, independe de carência a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa; hanseníase; alienação mental; neoplasia maligna; cegueira; paralisia irreversível e incapacitante; cardiopatia grave; doença de Parkinson; espondiloartrose anquilosante; nefropatia grave; estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); síndrome da deficiência imunológica adquirida-Aids; e contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada.

a) Redistribuindo os recursos de cada um, bem como os de sua família ao largo da vida, de forma que durante sua atividade consiga prover-se para o período de inatividade futura;

b) redistribuindo os recursos entre aqueles que os têm, em um período determinado, e os que não os têm, no mesmo período, ou seja, do empregado ao desempregado, do sano ao enfermo;

c) redistribuindo os recursos (nesse caso, típico dos chamados sistema de repartição, nos quais o dinheiro que entra hoje sai hoje mesmo para atender ao financiamento dos encargos presentes) aos indivíduos das gerações presentes para atender às necessidades de gerações passadas, esperando-se que os recursos das gerações futuras atendam, quando chegar o momento, às necessidades das gerações atuais103.

Vimos, nitidamente, que o trabalho sendo a engrenagem que nunca para de rodar é o instrumento de sustentação indispensável ao cidadão e, igualmente, aos sistemas de Previdência Social, na medida em que lhe garante, enquanto trabalhador ativo, o sustento adequado e necessário e, quando na inatividade, a manutenção indispensável, ainda que mínima, pelo processo de substituição de renda do trabalho por renda do beneficio, realizada por um ente público, cuja previsão legal pode ser vista no enunciado do art. 1º da Lei nº. 8.213/91, quando trata dos meios indispensáveis de manutenção na hipótese de concretização dos riscos sociais mencionados no mesmo artigo.