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Exigência de garantia para pagamento dos serviços médicos hospitalares

4.7 Responsabilidade pelo fornecimento de hospedagem

4.7.7 Responsabilidade pela recusa no atendimento

4.7.7.1 Exigência de garantia para pagamento dos serviços médicos hospitalares

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através da Promotoria Especializada na Defesa do Consumidor, propôs ação civil pública com pedido de tutela antecipada contra diversos hospitais mineiros, para que se abstenham da prática de exigir depósito prévio ou garantia, quando da contratação de serviços médico-hospitalares, bem como da cobrança de valores suplementares aos conveniados, em razão do horário de atendimento.

Aduz o Parquet a existência de irregularidades nos serviços prestados pelos hospitais da cidade de Uberlândia aos consumidores. Refere haver condicionalidade da prestação de serviço médico a depósito prévio a título de caução, quando da contratação de serviços médicos e hospitalares, e que tal fato coloca em perigo a vida de pacientes que se encontram em situação de extremo risco, necessitando de atendimento urgente. Alega que alguns hospitais cobram valor suplementar dos pacientes conveniados aos planos de saúde, nos atendimentos efetuados fora do horário comercial. Sustenta a prática de enriquecimento ilícito por parte do hospital, que recebe 30% sobre os valores dos serviços prestados fora do horário comercial.

A sentença prolatada pela 9ª Vara Cível da Comarca de Uberlândia acolheu as diversas preliminares sustentadas nas defesas e julgou parcialmente procedentes os pedidos lançados na inicial, para: a) determinar que os hospitais requeridos se abstenham da prática de exigir depósito prévio de natureza de caução, ou garantia de forma geral quando da contratação de serviço médico-hospitalar; b) que dois dos hospitais se abstenham da cobrança de qualquer acréscimo dos pacientes conveniados aos planos de saúde, independentemente do horário que sejam atendidos; c) que um deles, em especial, abstenha-se da cobrança de 30% a maior sobre o atendimento fora do horário comercial. Também julgou improcedentes os pedidos de indenização por danos patrimoniais e morais, sem prejuízo de serem postulados em sede própria pelo consumidor que, em tese, tenha sofrido lesão; consignou que a inobservância ao comando judicial da sentença, contado da data do trânsito em julgado, acarreta multa diária correspondente a R$ 50.000,00, individualmente, na forma do artigo 461, parágrafos 3º e 4º do Código de Processo Civil

(multa convertida ao fundo a que se refere o artigo 13 da Lei n. 7.347/85; condenou a parte requerida, de forma solidária, a pagar 60% das custas e despesas processuais, bem como honorários, fixados em R$ 10.000,00, a serem recolhidos ao erário público; e isentou no restante das custas, por estar excluído o Ministério Público do rol previsto no artigo 17 da Lei n. 5.869/73.

Contra essa sentença houve recurso de apelação dos hospitais diretamente atingidos, bem como do Ministério Público. A 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, por unanimidade, rejeitou as preliminares e deu provimento às apelações, com a seguinte ementa:

“Ação civil pública. Prestação de serviços médicos. Hospital. Iniciativa privada. A iniciativa privada não pode ser rotulada genericamente como vilã de todas as mazelas existentes, mormente dentro da economia sufocante que está imperando em nossos dias, quando a atividade econômica submete os seus agentes a insuportáveis riscos.”368

O relator, fundamentado no artigo 129, III da Constituição Federal, entendeu pela legitimidade do Ministério Público para promover a ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos, sendo certo que o artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor assegura a defesa coletiva dos interesses ou direitos individuais homogêneos.

Quanto ao mérito, destacamos parte do voto do relator, cuja fundamentação é concorde com o nosso entendimento:

“Os hospitais demandados são particulares e não estão na condição de conveniados pelo SUS.

Não vejo, portanto, qualquer irresponsabilidade ou ilegalidade por parte dos nosocômios na exigência de depósito prévio ou garantia de forma geral quando da contratação de serviço médico-hospitalar ou na estipulação dos honorários cobrados pelos médicos que laboram fora do horário comercial.

O Estado não é gestor dos recursos privados, e não pode intervir indevidamente em relações de natureza particular, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da livre iniciativa da atividade econômica (art. 170, parágrafo único c.c. o art. 199, caput da CF).

Ademais, não restou demonstrada qualquer prática abusiva, ou nulidade de cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de serviços pelos hospitais, que tenham colocado os consumidores em desvantagem

368 TJMG − Apelação Cível n. 1.0702.01.008357-5/001, Proc. n. 1.0702.01.008357-5/001, 9ª Câmara Cível,

exagerada, incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (art. 6º e art. 51, IV do CDC − Lei n. 8.078/90).

Não se deve olvidar que as cláusulas abusivas, segundo o Código de Defesa do Consumidor, são aquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual e, considerar a exigência de caução em casos urgentes, quando da contratação de serviço médico-hospitalar da rede particular, como abusiva, seria desarrazoado, haja vista o prejuízo à iniciativa privada e à própria coletividade, já que os hospitais − que têm exercido função suplementar de assistência à saúde ao cidadão diante da incapacidade do Estado em fazê-lo − acabariam incapacitados de continuar funcionando.

A iniciativa privada não pode ser rotulada genericamente como vilã de todas as mazelas existentes, mormente dentro da economia sufocante que está imperando em nossos dias, quando a atividade econômica submete os seus agentes a insuportáveis riscos.”

Finalizou o relator dando provimento aos apelos, para reformar a sentença prolatada em primeiro grau de jurisdição, e julgar improcedentes os pedidos formulados pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais na peça de ingresso.

O Superior Tribunal de Justiça, decidindo sobre cheque caução dado em garantia de serviços hospitalares, entendeu ser possível discussão da causa debendi. Segundo o relator, cheque entregue para garantir futuras despesas hospitalares deixa de ser ordem de pagamento à vista para se transformar em título de crédito substancialmente igual a nota promissória. É possível assim a investigação da causa debendi de tal cheque se o título não circulou. Não é razoável em cheque dado como caução para tratamento hospitalar ignorar sua causa, pois acarretaria desequilíbrio entre as partes. O paciente, em caso de necessidade, quedar-se-ia à mercê do hospital e compelido a emitir cheque no valor arbitrado pelo credor.369

É importante nos alongarmos um pouco mais no tema, pois há ainda uma outra situação que comumente é ventilada no caso em apreço: é o alegado estado de perigo, pelo paciente ou responsável pelas despesas hospitalares. Aduzem que no momento estavam sem condições emocionais de assinar o chamado “termo de responsabilidade” ou prestar- lhe qualquer garantia.

369 STJ − RESP n. 796739/MT, 3ª Turma, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 27.03.2007, DJU, de

Antes mesmo da vigência do novo Código Civil, a jurisprudência vinha abraçando a causa daqueles que batiam às portas do Poder Judiciário clamando por socorro, e a alegação era sempre a mesma (estado de perigo)370. Com a introdução do artigo 156, que expressamente prevê a ocorrência de estado de perigo “quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”, essa alegação ganhou ainda mais força. Isso ocorre porque, de acordo com o artigo 171 do Código Civil, o negócio jurídico é anulável por incapacidade relativa do agente e por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Chama atenção nos arestos e sequer é cogitado: a) que a maioria dos não pagadores não contesta a conta hospitalar; b) sabe tratar-se de hospital particular; c) tem plena consciência de sua própria falta de recursos; e, d) sobretudo da inexistência de convênio que lhe garanta cobertura. Nessas condições, fica evidente que eles entraram no hospital com a intenção de não pagar (reserva mental).

Dispõe o Código Civil que a” manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento” (art. 110). A reserva mental “ocorre quando o declarante faz ressalva de não querer o negócio objeto da declaração. Na reserva mental, o declarante emite conscientemente declaração discordante de sua vontade real, com a intenção de enganar o próprio declaratório”.371

370 “Ação de cobrança. Prestação de serviços médicos e hospitalares. Contrato firmado. Estado de perigo.

Caracterização. O contrato assinado pelo responsável do paciente, sob forte emoção, em momento dramático, visando ao atendimento de emergência em hospital, em momento em que a vida do parente se encontrava em perigo, não pode ser tido como legítimo para cobrança, por lhe faltar os elementos volitivos e subjetivos necessários a validade da obrigação.” (TJMG − Apelação Cível n. 1.0702.05.255999-5/001, 11ª Câmara Cível, rel. Duarte de Paula, j. 18.04.2007, publ. 12.05.2007). “Cobrança. Despesas de internação hospitalar e unidade de terapia intensiva. Estado de perigo. Vício na manifestação de vontade. Não procede a cobrança de despesas hospitalares e de internação em unidade de terapia intensiva se o contrato de prestação de serviços foi firmado por pessoa abalada emocionalmente, uma vez que a manifestação de vontade ofertada por quem se encontra em estado de perigo não pode ser vinculada ao negócio jurídico.” (TJMG − Apelação Cível n. 1.0024.04.507713-8/001, 16ª Câmara Cível, rel. Otávio Portes, j. 02.05.2007, data da publicação 01.06.2007).

O artigo acima pode ser interpretado a favor dos hospitais, sob a alegação de que o responsável/paciente assinou o chamado “termo de responsabilidade” ou prestou alguma garantia, sabendo que teria os serviços, mas sem que houvesse a contraprestação de remuneração372. Ora, o hospital não conveniado ao SUS não se obriga a prestar

atendimento gratuito à população carente, repita-se, mesmo nas circunstâncias denunciadas acima.

Os elementos da reserva mental apontados por Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery373 em tese estariam preenchidos: a) uma declaração não querida em seu conteúdo; b) o propósito de enganar o declaratório (ou mesmo terceiro). Ou seja, no ato da realização do negócio, já havia uma vontade interior de não querer aquele negócio e o conseqüente propósito de lesar o hospital. Ora, quem entra em um hospital particular sem ter condições financeiras já sabe que não vai pagar, age da mesma forma de quem entra em um restaurante sem dinheiro ou qualquer meio de pagamento. Ambos podem estar em situação de desespero (fome e doença), mas esse não é um fator que os exonere do pagamento.

A vontade declarada produzirá seus regulares efeitos, eis que a destinatária não sabia das reais intenções do autor. Alguns exemplos são mencionados por Carlos Roberto Gonçalves374, entre os quais destacamos o empréstimo feito ao amigo que pretende suicidar-se, não se trata de contrato de mutuo, como parecer ser.

372 “Agravo de instrumento. Pedido de limitação dos descontos de prestações mensais de instrumento de

confissão de dívidas em conta-corrente. Parte que firma o instrumento contratual e, menos de um mês após, propõe demanda revisional. Reserva mental. Ausência de boa-fé objetiva. Limitação indeferida. Precedentes da câmara. Agravo improvido.” (TJRS − Agravo de Instrumento n. 70009432410, 20ª Câmara Cível, rel. José Aquino Flores de Camargo, j. 29.09.2004).

373 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, Código Civil anotado e legislação

extravagante, cit., p 202.

4.7.8 Responsabilidade da operadora do plano privado de