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O problema da saúde pública

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é definida como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não consistindo somente da ausência de uma doença ou enfermidade”.69

No Brasil, o direito à saúde está disciplinado na Constituição Federal no artigo 6º, como um direito social e, no artigo 196, como um direito de todos e um dever do Estado. Preconiza o referido dispositivo: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos a ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Segundo Germano Schwartz, “o Estado é entendido como todos os Estados- membros da Federação, ou seja, a saúde é dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tratando-se de competência comum, sendo tarefa de todos os entes federados”.70

No que tange ao acesso universal e igualitário às ações e serviços, desde a Constituição Federal de 1988 (art. 198), todo cidadão passou a ter direito a atendimento médico pelo SUS, que detém controle organizacional da saúde pública brasileira. O legislador constituinte estabeleceu tratamento igualitário a todos (princípio da igualdade), vale dizer que qualquer pessoa, independentemente da classe social, pode receber atendimento pelo SUS.

O legislador infraconstitucional também se mostrou atuante na questão, a exemplo o Código de Defesa do Consumidor (art. 6º)71 e o Estatuto do Idoso (art. 15).72

69 “La salud es un estado de completo binestar físico, mental y social, y no solamente la ausencia de

afecciones ou enfermedades.” (CONSTITUCIÓN de la Organizatión Mundial de la salud. Disponível em: <http://www.who.int/governance/eb/who_constitution_sp.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2007).

70 SHWARTZ, Germano. O tratamento jurídico do risco no direito à saúde. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2004, p. 103.

71 Código de Defesa do Consumidor: “Artigo 6º - São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida,

saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;”

72 Estatuto do Idoso: “Artigo 15 - É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do

Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.”

No entanto, na prática, a situação é outra! O que se observa é que, para o SUS, as pessoas viraram números, e as mortes simples estatísticas. Para Gomes, Drumond e França:

“A primeira coisa que chama nossa atenção no exercício da medicina é a distorção e desorganização do sistema de saúde pública. A chamada socialização da medicina com a expansão dos serviços de saúde e a criação das instituições prestadoras da assistência médica colocou entre o médico e o paciente certos conflitos, os quais quase sempre têm complexas implicações de ordem ética e legal. Por outro lado, as políticas sociais e de saúde não se efetivaram como instrumento de redistribuição de renda e de atenuação das desigualdades sociais. Não se atende ao princípio da universalização e da equidade e passam ao largo da discussão e da participação democrática dos setores organizados da sociedade. O modelo de desenvolvimento econômico e social imposto durante as quatro décadas mostrou-se excessivamente concentrador, propiciando níveis de vida e de saúde que não correspondem às necessidades da população. Isto teve um reflexo muito negativo na organização e na estruturação dos serviços prestadores de assistência médica. E é neste ambiente de penúria e precariedades que o médico exerce suas atividades.”73

Matéria jornalística apresenta um diagnóstico da saúde pública, informando que “em todo o país atendimento médico agoniza no caos e o descaso dos governantes empurra os doentes para o abismo da indigência”74. Seja qual for a região, é difícil encontrar hospitais públicos ou conveniados ao SUS que façam valer o direito ao tratamento médico de qualidade.

O problema não tem fronteira, na Região Norte, por exemplo, o caos parece ainda maior, pois segundo a reportagem, não faltam apenas hospitais, mas também profissionais de saúde. Ali, a carência de material humano é a maior do país: a média é de 1.100 habitantes para cada médico.

Com tudo isso, o resultado não poderia ser outro: os pacientes correm para os hospitais particulares não conveniados ao SUS e esperam ser atendidos gratuitamente, já que na maioria das vezes não possuem recursos financeiros para custear o tratamento. Os

73 GOMES, Júlio Cezar Meirelles; DRUMOND, José Geraldo de Freitas; FRANÇA, Genival Veloso de. Erro

médico, cit., p. 132.

74 ALVES FILHO, Francisco; NAGAMINE, Hélcio. Saúde pública: estado terminal. Disponível em:

<http://www.terra.com.br/istoe/1885/brasil/1885_saude_publica_estado_terminal.htm>. Acesso em: 28.10.2007.

hospitais, por sua vez, não podem negar atendimento emergencial ou de urgência, e ficam diligenciando vagas no hospital público; como as vagas demoram a surgir, são obrigados a manter o paciente internado até a transferência, mesmo sabendo que não haverá contraprestação alguma.

Se não bastasse a questão financeira, que será oportunamente debatida, o fato é que tais hospitais particulares também não estão estruturados para receber tamanho contingente, o que vem comprometendo o desempenho profissional dos que ali atuam, em especial a classe médica, que precisa trabalhar com energia de herói. Não sobra tempo, ainda que queiram, para pesquisa e atualização médica.

Concluímos, nas palavras de Caramuru Afonso Francisco, que “está o nosso povo cada vez mais doente, já que a política econômica notabilizou-se pela sua ineficiência na condução dos negócios de Estado, e, uma vez adoentado, está o cidadão comum cada vez mais condenado a sofrer erros irreparáveis”.75

75 FRANCISCO, Caramuru Afonso. Responsabilidade civil dos hospitais, clínicas, e prontos-socorros. In:

BITTAR, Carlos Alberto (Coord.). Responsabilidade civil médica, odontológica e hospitalar. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 201.

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