4.7 Responsabilidade pelo fornecimento de hospedagem
4.7.3 Responsabilidade pelo material utilizado na prestação de serviços médicos
Em matéria de responsabilidade por fato da coisa, segundo o escólio de Aguiar Dias, “a questão não é de aceitação de risco, mas apenas da guarda e utilização do instrumento. Assim, se o instrumento causou danos porque estava defeituoso ou impróprio
351 STJ − RESP n. 116372/MG, 4ª Turma, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 11.11.1998, publ.
02.02.1998.
ao uso e foi impossível ao médico ou membro de uma equipe proceder a essa verificação, a responsabilidade é do hospital ou instituição outra a quem pertencia. Se os danos foram provocados pelo mau emprego do instrumento e/ou equipamento, responde aquele que tinha a sua guarda no momento do dano”.
Acrescenta, dizendo que “hoje em dia, com a definição de que os hospitais e instituições assemelhadas respondem objetivamente pelos danos sofridos pelos pacientes que se encontrem em suas instalações, a preocupação de saber quem responde ficou superada: responde o hospital pelo vício do serviço; apurado, eventualmente, que o dano não decorreu de defeito do instrumento ou equipamento posto à disposição do médico pelo hospital, mas sim de sua incorreta utilização, tem o hospital direito de regresso contra o verdadeiro causador do dano”.353
Já nos expressamos no sentido de considerar a responsabilidade do hospital subjetiva, quando sua prestação envolve exclusivamente ato médico. Entendemos que o instrumento/equipamento utilizado pelo médico é necessário para a realização do ato médico, estando nele inserido, logo, a responsabilidade do hospital, nesse caso, somente pode ser auferida mediante a comprovação da culpa do médico pelo ato danoso causado pelo mau uso do instrumento/equipamento.
Num caso de pedido indenizatório formulado por paciente que teve interrompida cirurgia corretiva de catarata (facectomia), alegando quebra de aparelho cirúrgico utilizado, o Tribunal de Justiça do Paraná354 negou provimento ao recurso por entender que o
353 DIAS, José de Aguiar, Da responsabilidade civil, cit., p. 360-361.
354 “Apelação cível. Responsabilidade civil. Ação de indenização fundada em erro médico. Responsabilidade
objetiva do hospital não configurada. Inversão do ônus da prova. Impossibilidade. Quebra do aparelho cirúrgico durante a intervenção médica. Falta de comprovação. Culpa do preposto do nosocômio não demonstrada. Conseqüente afastamento da responsabilidade hospitalar. Apelo desprovido. 1. A instituição somente será responsável por eventuais danos ocorridos ao paciente quando comprovado que houve culpa de quaisquer de seus prepostos. 2. Considerando que o momento processual para o juiz decidir sobre a inversão do ônus da prova é na fase instrutória e que esta fase já havia se encerrado quando do pedido do apelante, impossível agora, em sede de apelação, seja ele atendido, do contrário se estaria a surpreender o réu sem permitir a plena produção de provas, em franca ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa. 3. Não logrou o apelante demonstrar convincentemente, como lhe competia a teor do artigo. 333, I, do Código de Processo Civil, a quebra, ou mesmo a utilização de aparelho cirúrgico no procedimento de facectomia realizado. 4. Na presente situação não se vislumbra qualquer modalidade de culpa por parte do profissional que leve a pretendida indenização, pois não restou demonstrada sua negligência, imprudência ou imperícia. 5. Não demonstrada a culpa do médico, afasta-se, também, a responsabilidade do nosocômio, já que ausente o nexo causal entre a conduta de seu preposto e o dano experimentado pelo apelante. 6. Apelo desprovido.” (TJPR − Apelação Cível n. 0392222-7, Proc. n. 0392222-7, 8ª Câmara, rel. Macedo Pacheco, j. 14.06.2007).
hospital só seria responsável por eventuais danos quando comprovado que houve culpa de quaisquer de seus prepostos. Não provada a culpa do médico, afasta-se também a responsabilidade do nosocômio, já que ausente o nexo causal entre a conduta de seu preposto e o dano experimentado pelo apelante.
Arnaldo Rizzardo, com apoio em Néri Tadeu Câmara Souza, acentua que “ao se utilizar de aparelhos e equipamentos no atendimento ao paciente, o médico corre o risco de lesar a este com o uso instrumental. A responsabilidade pelos prejuízos que o paciente sofrer é responsabilidade do médico que livremente indicou, testou e manuseou os aparelhos em procedimentos no paciente. A obrigação de manter os aparelhos que vai utilizar em perfeito estado de funcionamento é do médico. Há uma identificação entre o equipamento e o serviço médico executado, resultando que dessa unicidade de procedimento exsurge uma só responsabilidade, a do médico, pois este deve ser hábil, perito no manuseio daquele aparelho. Deve, também, o médico, antecipadamente ao uso, precaver-se de que o equipamento esteja em perfeitas condições, não podendo lesar o doente. No seu exercício profissional, a escolha errada de um equipamento ou uso inadequado deste que cause dano ao paciente, fará com que o médico arque com o ônus do ressarcimento dos prejuízos que ocorrerem”.355
Roberto Godoy, com supedâneo em Fradera, afirma haver responsabilidade civil quando o médico, utilizando sua liberdade de orientar o tratamento e, portanto, de indicar o uso de instrumento ou aparelho, fizer mau uso deles, resultando dano para o paciente. Distingue a utilização de um instrumento ou aparelho de seus possíveis defeitos e vícios. No primeiro caso, o autor reconhece a necessidade da ocorrência de ação culposa no desempenho da atividade, para haver reparação. Assim sendo, a utilização pura e simples de um aparelho de raios-X, de bisturi elétrico, ou de qualquer outro, constitui mera expressão da liberdade de selecionar técnicas. A utilização do aparelho confunde-se, então, com o próprio ato médico. Por outro lado, a falta de sucesso no tratamento não pode ser causa de responsabilização do médico, a menos que haja ação culposa. Se ocorrer, entretanto, acidente causado por vício no aparelho, haverá responsabilidade do médico, independentemente de culpa, porque, segundo o autor, esse acidente é distinto do ato
médico em si e tem origem no funcionamento anormal do aparelho utilizado, estabelecendo como contratual a natureza da obrigação. O autor termina sua justificativa afirmando que, ao fazer uso de qualquer dispositivo, o médico multiplica os riscos que pesam sobre o doente. Esse, se vier a ser lesado, não pelo ato médico em si, mas pelo objeto defeituoso, poderá obter reparação sem necessidade de provar a culpa do médico.356
Transportando as citações acima sob a ótica do hospital, temos que se o ato culposo foi originado pela má utilização do instrumento/equipamento pelo médico pertencente ao quadro clinico do hospital, este responde solidariamente com o médico. Detalhe importante deve ser reiterado: o hospital responde desde que verificada a culpa do médico pela má manipulação do instrumento/equipamento, depois tem ainda direito de regresso pelo que desembolsou.
Por outro lado, se o dano ocorreu por defeito de fabricação, o hospital somente responde na hipótese do artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor357. O hospital também deverá indenizar a vítima e exercer direito de regresso contra o fabricante.
Quando o dano for causado pela falta de manutenção do instrumento/equipamento, responde o responsável por sua manutenção, que tanto pode ser o médico, o hospital, ou ambos, solidariamente. Comumente a responsabilidade se volta contra o hospital, que é quem reúne, aparentemente, melhores condições financeiras de indenizar a vitima. Como nos outros casos, o exercício do direito de regresso é medida que se impõe.
356 GODOY, Roberto, A responsabilidade civil no atendimento médico e hospitalar, cit., p. 88.
357 “Artigo 13 - O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I - o
fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem identificação claro do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.”