• Nenhum resultado encontrado

Responsabilidade pelo fato do serviço

2.3 Responsabilidade civil do prestador de serviços no

2.3.2 Responsabilidade pelo fato do serviço

O Código de Defesa do Consumidor tratou de duas espécies de responsabilidade civil, a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço e a responsabilidade por vício do produto ou serviço, ambas, como vimos, objetivas, salvo o parágrafo 4º do artigo 14 (profissional liberal).

A primeira, explica Carlos Roberto Gonçalves, “é derivada de danos causados do produto ou serviço, também chamados de acidente de consumo (extrínseca). A segunda, relativa ao vício do produto ou serviço (intrínseca), tem sistema assemelhado ao dos vícios redibitórios, ou seja, quando o defeito torna a coisa imprópria ou inadequada para o uso a que se destina, há o dever de indenizar”.166

Nossa análise está limitada à responsabilidade pelo fato do serviço. Consideramos a responsabilidade pelo fato do produto e a responsabilidade pelo vício do produto ou serviço de suma importância, mas renunciamos a tratá-las, porque nos distanciaríamos do objeto do nosso estudo, que envolve a prestação de serviços médico-hospitalares.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, caput, dispõe que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

A definição de serviço é dada pelo artigo 2º como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Nota-se que o Código estabeleceu um leque muito amplo, que acaba por abranger quase todo tipo de prestação de serviço, desde que mediante remuneração, excetuando apenas a de natureza trabalhista. Mas é importante para o consumidor que seja assim, para

que ele se sinta acolhido pelo Código quando da utilização de serviços posto no mercado de consumo.

A idéia do legislador em detalhar algumas atividades (bancária, financeira, de crédito e securitária) na configuração de serviço é digna de aplausos, pois assim espanca qualquer discussão desnecessária. Aliás, espanca mas não impede reivindicações contrárias, como a proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro167, visando sua exclusão do rol, embora nítida a boa intenção do legislador.

Resta-nos agora buscar o que vêm a ser “defeitos relativos à prestação de serviços”. Encontramos a resposta no próprio artigo 14, em seu parágrafo 1º: “O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando- se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi fornecido.”

Expressando em outras palavras, “tem-se como defeituoso o serviço mal apresentado ao consumidor, quando o proveito traz riscos acima da média tolerada, e no caso de não revelar envelhecimento ou desgaste em face da época de sua realização”.168

De modo didático definiu Rizzato Nunes, a quem pedimos emprestados os seus conhecimentos, que “defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto, que causa um dano maior que simplesmente o mal funcionamento, o não funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago, já que o produto ou serviço não cumprem o fim ao qual se destinam. O defeito causa, além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio material ou moral do consumidor”.169

No nosso sentir, o defeito é o vício agravado por algo que atinge não só o produto ou serviço, mas os consumidores ou terceiros. Ou seja, se atingir apenas o produto, é vício,

167 STF − ADI n. 2.591. Em revanche, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o assunto, com a edição da

Sumula n. 297: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”

168 RIZZARDO, Arnaldo, Responsabilidade civil: Lei n. 10.406, de 10.01.2002, cit., p. 414. 169 NUNES, Luiz Antonio Rizzato, Curso de direito do consumidor, cit., p. 286.

se também o consumidor, é defeito. Vê-se que esse é mais grave, pois reflete na pessoa do consumidor, enquanto aquele somente no produto.

No que tange aos defeitos relativos à informação, ao fornecedor incumbe informar exaustivamente o consumidor sobre a utilização do serviço, bem como de seus eventuais riscos. Não se deve economizar palavras, a informação tem que chegar ao consumidor de forma mais clara e completa possível, a ponto de não permitir interpretações distorcidas e duvidosas.

Observa Sanseverino que “o dever de informação tem assumido cada vez maior importância em nossa sociedade de consumo massificada. A impessoalização das relações de consumo, que envolvem, de um lado, um fornecedor profissional e, de outro lado, um consumidor anônimo, exigem o máximo de transparência, sinceridade e lealdade entre as partes”.170

Sobre o dever de sigilo, é imperiosa a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios para compelir uma concessionária de telefonia local ao fornecimento, sem nenhum encargo, de fatura discriminada dos serviços prestados, além da devolução, em dobro, dos valores cobrados pelo detalhamento da conta telefônica. Segundo extrai-se da ementa, “não é razoável que se exclua do conceito de ‘serviço adequado’ o fornecimento de informações suficientes à satisfatória compreensão dos valores cobrados na conta telefônica. Consectário lógico da consagração do direito do consumidor à informação precisa, clara e detalhada é a impossibilidade de condicioná-lo à prestação de qualquer encargo. O fornecimento do detalhamento da fatura há de ser, portanto, gratuito”.171

Temos maior vivência da quebra do dever de informar nos serviços públicos (hospitais, por exemplo), bem como nas concessionárias de serviços públicos (telefonia e energia elétrica), que comumente se negam a prestar informações aos seus usuários.

170 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do

fornecedor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 149.

171 STJ − RESP n. 684712/DF (2004/0079186-3), 1ª Turma, rel. Min. José Delgado, j. 07.11.2006, DJU, de

Seguindo nossa análise, nos deparamos com o parágrafo 2º, que diz que “o serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas”. Aqui vale o exemplo do médico, que não pode ser responsabilizado porque nova técnica aumenta a sobrevida do paciente, o que, à época do tratamento, ainda não existia.

Na jurisprudência, podemos colacionar, a titulo de ilustração, o seguinte arresto: “Uma vez julgada investigatória de paternidade, operou-se a coisa julgada, nada obstante a existência de novas técnicas, como o exame de DNA, para definir a paternidade.”172

O parágrafo 3º apresenta as seguintes excludentes para a não responsabilização do fornecedor: “I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”

Referidas excludentes, bem como as decorrentes de caso fortuito ou força maior, em razão de sua importância e repercussão nas ações de responsabilidade civil médico- hospitalar, serão objeto de abordagem em capítulo próprio, que tratará da prova.

O parágrafo 4º, finalmente, estabelece que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.

Como visto, Código de Defesa do Consumidor filiou-se, como regra, à teoria objetiva, e por exceção acolheu a responsabilidade subjetiva (§ 4º do art. 14).

O tema também será abordado com maior profundidade quando nos referirmos ao médico como profissional liberal, por isso aqui faremos somente algumas considerações.

A responsabilidade do profissional ficou no campo da subjetividade, vale dizer que o ônus da prova incumbe ao autor da ação, que deve provar que o agente agiu com imprudência, negligência ou imperícia. O parágrafo 4º do artigo 14, na verdade, quebra a regra da responsabilidade objetiva, quando dispõe que a responsabilidade dos

profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

172 TJRS − Agravo de Instrumento n. 597185123, 8ª Câmara Cível, rel. Antônio Carlos Stangler Pereira, j.

Rizzato Nunes apresenta as características do trabalho do profissional liberal, a saber: “autonomia profissional, com decisões tomadas por conta própria, sem subordinação; prestação do serviço feita pessoalmente, pelo menos nos seus aspectos mais relevantes e principais; feitura de suas próprias regras de atendimento profissional, o que ele repassa ao cliente, tudo dentro do permitido pelas leis e em especial da legislação de sua categoria profissional”.173

De nossa parte, discordamos de Rizzato Nunes, pois entendemos que o profissional liberal conserva sua essência (autonomia técnica), mesmo mediante vínculo empregatício, estando, a nosso ver, excluídos alguns dos requisitos apontados, notadamente quanto à ausência de subordinação, que apenas técnica não pode existir, mas nada impede que o profissional liberal empregado esteja sujeito a controle de jornada e demais normas do regulamento de empresa.

Outra característica do profissional liberal é que ele, via de regra, desenvolve atividade meio, como os médicos, os advogados, contadores etc. Na obrigação de meios o profissional compromete-se a atuar com toda diligência e cuidado para alcançar o resultado pretendido, mas não pode garantir que esse resultado irá ocorrer.

A obrigação de resultado constitui exceção, como é o caso do médico que promete atingir determinado fim, como ocorre na cirurgia estética.

Feitas essas considerações, passaremos a analisar a responsabilidade civil dos médicos e, após, dos hospitais; as definições apresentadas servirão de base para o nosso entendimento.

Cumpre salientar, por fim, que o presente trabalho destina-se a tratar da responsabilidade dos hospitais, e portanto, a partir do próximo capítulo, nos pronunciaremos sempre nesse sentido. Porém, todas as observações feitas sobre os hospitais também se aplicarão às casas de saúde, clínicas e entidades semelhantes.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS