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Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

2.2 Responsabilidade civil prevista no Código Civil

2.2.3 Responsabilidade civil subjetiva e objetiva

O Código Civil adotou dois sistemas de responsabilidade, a responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva. Essa última corresponde à regra geral do sistema, a outra constitui exceção.89

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, quando explicam os fundamentos da responsabilidade civil, asseveram que “a responsabilidade civil se assenta na conduta do agente (responsabilidade subjetiva) ou no fato da coisa ou risco da atividade (responsabilidade objetiva). Na responsabilidade objetiva o sistema fixa o dever de indenizar independentemente da culpa ou dolo do agente. Na responsabilidade subjetiva há o dever de indenizar quando se demonstra o dolo ou a culpa do agente, pelo fato causador do dano.”90

87 SEBASTIÃO, Jurandir. Responsabilidade médica: civil, criminal e ética. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey,

2003. p. 61-62.

88 Ibidem, p. 62.

89 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery dizem ser impertinente falar-se em regra e exceção,

pois ambas têm a mesma importância no sistema do Código Civil, não havendo predominância de uma sobre a outra, são aplicadas conforme o caso (Código Civil anotado e legislação extravagante, cit., p. 488).

Na responsabilidade subjetiva, o agente necessariamente deve ter agido com culpa em sentido lato (imprudência, negligência, imperícia ou dolo). É no artigo 186 do Código Civil de 2002 (art. 159 do CC/1916) que se encontra a base da responsabilidade subjetiva. Segundo esse artigo “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

O caput do artigo 927, igualmente baseado na culpa, impõe o dever de indenizar aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem. Em se tratando de responsabilidade subjetiva, para que haja o dever de indenizar, devem estar presentes os seguintes pressupostos: ação ou omissão + dano + nexo de causalidade + culpa.

Mas nem sempre é assim. Em algumas situações, a lei diz que basta que o agente tenha causado o dano para que nasça a obrigação de indenizar, mesmo sem ter agido com culpa, ou porque a culpa é presumida (objetiva indireta ou impura), ou porque a responsabilidade se funda no risco (objetiva propriamente dita ou pura).

O Código Civil atual tratou da responsabilidade objetiva em diversos artigos91, sendo a base o parágrafo único do precitado artigo 927, que possui a seguinte redação: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

Ao contrário do Código Civil de 1916, vê-se no Código Civil de 2002 a presença da chamada responsabilidade objetiva pura, fundada na teoria do risco, segundo a qual aquele que exerce uma atividade considerada potencialmente perigosa e dela aufere lucro, está assumindo um risco e por essa razão também assume a obrigação de indenizar, ainda

91 Outros artigos não nos interessam, por fugir do tema em questão, tais como “o artigo 936, quanto aos

donos dos animais; o artigo 937, relativamente ao titular do edifício ou construção; o artigo 938, no pertinente ao que habita prédio ou parte dele, fazem recair a responsabilidade pelos danos provocados pelos animais e outros bens, e que ocorrem na ruína, na falta de reparos, na queda de objetos, dentre outros eventos. Tais dispositivos correspondem aos artigos 1.527, 1.528 e 1.529 do Código anterior. Está-se diante da culpa presumida, ficando afastada a obrigação somente se ficar demonstrada a interferência da causa” (RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil: Lei n. 10.406, de 10.01.2002. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 35).

que não tenha agido com culpa. Essa é a tendência, como se verifica no Código Civil italiano92 e no Código Civil português.93

De nossa parte, entendemos que essa inovação é bastante significativa e representa importante avanço na legislação nacional em matéria de responsabilidade civil, opinião compartilhada por outros autores, como Carlos Roberto Gonçalves.94

Não de tamanha relevância, mas não menos importante no campo da responsabilidade objetiva, é a introdução do artigo 187, que foi inspirado no Código Civil português95 para o Código Civil de 2002. Prevê o referido dispositivo que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

O magistério de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, quando comentam o artigo 927, explica que o ato ilícito previsto no artigo 186 segue o regime da responsabilidade subjetiva, e o ato ilícito descrito no artigo 187 o regime da responsabilidade objetiva, esse último independentemente da demonstração de culpa.96

A principal diferença entre as duas (subjetiva ou subjetiva) está no ônus da prova. Na responsabilidade subjetiva, para que haja o dever de indenizar, o autor deve provar, além dos demais pressupostos comuns, que o agente agiu com culpa (a culpa é pressuposto da responsabilidade). Já na responsabilidade objetiva, esse ônus é invertido: a) na culpa presumida basta que o autor prove a ação ou omissão do causador do dano + dano. Para eximir-se, o réu deve valer-se de alguma excludente (caso fortuito, força maior ou culpa

92 “Art. 2050. Responsabilità per l’esercizio di attività pericolose - Chiunque cagiona danno ad altri nello

svolgimento di um’attività pericolosa, per sua natura o per la natura dei mezzi adoperati, è tenuto al risarcimento [2056 ss.], se non prova di avere adottato tutte le misure idonee a evitarei l danno [2054].”

93 O Código Civil português dedica seção especial denominada Responsabilidade pelo Risco, que vai do

artigo 499 ao 510. Trata da responsabilidade comitente (art. 500), da responsabilidade do Estado e de outras pessoas coletivas públicas (art. 501), dos danos causados por animais (art. 502) e dos acidentes causados por veículos (art. 503).

94 GONÇALVES, Carlos Roberto, Responsabilidade civil, cit., p. 25.

95 “Artigo 334º - Abuso do direito. É legítimo o exercício de um direito, quando titular exceda

manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou econômico desse direito.”

96 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, Código Civil anotado e legislação

exclusiva da vítima); b) na culpa fundada no risco, o autor deve provar o nexo de

causalidade entre o dano e a ação ou omissão do agente.

Expressando em outras palavras, na responsabilidade subjetiva, o ônus da prova da culpa incumbe à vítima, autora da ação, ao passo que na responsabilidade objetiva, a vítima é dispensada desse ônus, ou porque a culpa já é presumida, ou porque se trata de uma hipótese de responsabilidade independente de culpa (risco).

A responsabilidade civil subjetiva encontra respaldo legal na Constituição Federal, no artigo 5º, V e X, e no Código Civil, no artigo 186. Assim, uma vez caracterizada uma conduta culposa que desencadeia um dano a outrem, nasce conseqüentemente o dever de indenizar.

É importante que se fale da responsabilidade solidária por fato de terceiro, que ocorre nas hipóteses em que a lei ou contrato assim determinar97. A primeira hipótese (legal) encontra-se expressamente prevista nos artigos 932 e 942. Interessa-nos o inciso III do artigo 932, que preconiza que são também responsáveis pela reparação civil “o empregador ou comitente, por seus empregados serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão deste”.

O artigo 932 deve ser interpretado em conjunto com o artigo 933, que prevê que as pessoas indicadas nos incisos I a V responderão pelos atos dos terceiros ali referidos,

ainda que não tenham agido com culpa. Daí depreende-se que o novo Código Civil adotou a responsabilidade objetiva de determinadas pessoas, por danos causados por fato de outrem, o que vai de encontro ao Código Civil de 1916, que exigia a prova da culpa das pessoas enumeradas no artigo 1.521 (art. 1.52398).

O revogado artigo 1.523 era expresso ao afirmar que as pessoas elencadas no artigo 1.521 (atual 932) só seriam responsáveis se provado que concorreram para o dano por culpa ou negligência. Tomando como exemplo o empregador ou comitente (inc. III),

97 Deve-se lembrar que o nosso ordenamento prevê que a solidariedade decorre de lei ou de contrato, não é

presumida.

98 “Artigo 1.523 - Excetuadas as do artigo 1.521, V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no

explica Maria Helena Diniz que “a responsabilidade que se dá pela má escolha ou pela falta de vigilância ou de instruções para o cumprimento da tarefa, funda-se em culpa própria: in elegendo, in vigilando ou in instruendo”.99

O Supremo Tribunal Federal, à época, firmou entendimento segundo o qual “é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto” (Súmula n. 341), logo o ofendido não mais deveria provar a culpa concorrente do patrão, apenas demonstrar “a relação de subordinação entre o agente direto e a pessoa incumbida legalmente de exercer sobre ele a vigilância, a existência de dano e que este foi causado por culpa do preposto”.100

O novo Código Civil, como se vê, seguiu orientação já esposada pelo Supremo Tribunal Federal, ao expressar que “as pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos” (art, 933). Nesse aspecto, discordarmos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao expressarem que o entendimento do Supremo Tribunal Federal é diverso do artigo 933, que estabelece responsabilidade objetiva dos indicados no artigo 932 I a V.101

No nosso sentir, o artigo 933 manteve entendimento do Supremo Tribunal Federal, tanto que não consta em sua redação a concorrência do dano por culpa ou negligência das pessoas elencadas no artigo 932, I a V. Ou seja, a responsabilidade do empregador é objetiva, pois ele responde mesmo não agindo com culpa, porém, reiteramos o exposto acima por Maria Helena Diniz, de que o ofendido deverá demonstrar a relação de subordinação, a existência da dano e a culpa do preposto. Aliás, tais requisitos, inclusive a culpa, foram mantidos quando da atualização da obra, como se verifica dos comentários dos artigos 932 III e 933 (antigos 1.521, III e 1.523).102

99 O comentário foi feito na vigência do Código Civil de 1916 (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil

brasileiro: da responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 7, p. 440).

100 Ibidem, p. 441.

101 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, Código Civil anotado e legislação

extravagante, cit., p. 492.

Para Carlos Roberto Gonçalves103, “tais discussões valem, hoje, como reminiscências históricas, pois o novo Código Civil consagrou a responsabilidade objetiva, independente da idéia de culpa, dos empregadores e comitentes pelos atos de seus empregados, serviçais e prepostos (art. 933), afastando qualquer dúvida que ainda pudesse existir sobre o assunto e tornando prejudicada referida Súmula 341 do STF, que se referia ainda à ‘culpa presumida’ dos referidos responsáveis”.

No tocante à interpretação, esclarece o referido autor que “quando o artigo 933 do Código Civil enuncia que os empregadores, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos seus empregados, serviçais e prepostos, está se referindo aos atos ilícitos, aos atos culposos em sentido lato, compreendendo a culpa e o dolo do empregado. Havendo dolo ou culpa strictu sensu do empregado na causação do dano, presume-se, ipso facto e de forma irrefragável, a responsabilidade (e não a culpa, por se tratar de responsabilidade objetiva) do empregador”.

Também nessa empreitada encontramos a doutrina de Arnaldo Rizzardo104, quando preleciona que “a regra contida no artigo 933 é sintomática, mas não cabe exagerar na interpretação, ou impor a possibilidade em momentos de ausência da subordinação ou dependência”. Explicando melhor, afirma que “importa considerar a culpa do preposto ou do empregado, que está a serviço do empregador, de modo a estender-se a este a culpa daquele. Na verdade, há uma extensão do próprio empregador na pessoa de quem faz a atividade por ele. È como se ele executasse a obra, não passando o empregado de um instrumento, ou de uma longa manu do empregador. Já que é impossível a execução pessoal das múltiplas funções que impõe a atividade, faz-se substituir por terceiros, a quem remunera”.

Em abono à doutrina, temos decisão do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais que, interpretando o artigo em análise, assevera que o intuito do legislador de 2002, no artigo 933 do Código Civil, foi o de dar maior rigor à responsabilidade do empregador em face dos atos de seus empregados, serviçais ou prepostos porque o empregador cria um risco de que o empregado cause dano a outrem. É justo, portanto, que responda por esse

103 GONÇALVES, Carlos Roberto, Responsabilidade civil, cit., p. 148.

risco se o empregado, agindo culposamente, causar dano a terceiro, mesmo que para tal prejuízo não haja o preponente concorrido com culpa.105

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou improcedente ação indenizatória, por não ter sido provada a culpa do preposto da empresa. Segundo o relator, “a responsabilidade objetiva da empresa ré por ato de seu preposto deve decorrer da comprovação de culpa do funcionário, pois objetiva é a responsabilidade do patrão, não a do empregado”.106

Por derradeiro, preconiza o artigo 934 que aquele que ressarcir dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.

Vale dizer que empregador que é condenado ao pagamento de reparação de danos, em face de culpa do seu preposto, tem direito de buscar o valor despendido, nos termos do artigo 934 do Código Civil (art. 1.524 do CC de 1916).107

Em resumo, diz José de Aguiar Dias que “o artigo 934 do Código Civil de 2002 deve ser entendido da seguinte forma: o responsável indireto que paga tem direito de exigir do co-responsável ou co-responsáveis a cota que lhes caiba, como devedores solidários. Mas o que paga sem haver praticado ato ilícito tem regresso sobre o total da reparação que satisfaz por outrem. E esse caso pode ocorrer quando o devedor contratual deixe de satisfazer a obrigação por culpa de terceiro. Assim o transportador que deixa de levar o passageiro são e salvo ao lugar de destino, porque, apesar de trafegar regularmente, obedecendo todas as prescrições regulamentares, o seu veículo é abalroado por outro, dirigido por motorista imprudente. A empresa de transporte não pode deixar de indenizar o dano causado ao passageiro, porque faltou à sua obrigação de levá-lo incólume ao lugar de destino. Mas, como não foi culpa pelo inadimplemento, cujo motivo não interessa ao

105 TAMG − Apelação Cível n. 425.704-7, 1ª Câmara Civil, Processo n. 2.0000.00.425704-7/000(1), rel.

Tarcisio Martins Costa, j. 20.04.2004, publ. 22.05.2004.

106 TJRS − Apelação Cível n. 70019263995, 12ª Câmara Cível, rel. Orlando Heemann Júnior, j. 06.09.2007. 107 “Ação ordinária. Ação regressiva. Empregador que é condenado ao pagamento de reparação de danos, em

face de culpa do seu preposto em acidente de trânsito tem direito de buscar o valor despendido. Artigo 1524, Código Civil de 1916. Apelação provida.” (TJRS − Apelação Cível n. 70005860242, 11ª Câmara Cível, rel. Bayard Ney de Freitas Barcellos, j. 17.12.2003).

passageiro – e é por isso que ela indeniza – voltar-se-á, se quiser, contra o causador do dano, para exigir-lhe o total da indenização paga”.108