• Nenhum resultado encontrado

Princípios que regem o contrato de prestação de serviços médico-hospitalar

Falar de princípio é falar da “alma” dentro do sistema, e se há um contrato em que a “alma” deve estar presente, esse é o contrato médico-hospitalar. Falaremos somente daqueles princípios que, a nosso ver, são os principais norteadores do contrato.

Cumpre frisar, desde já, que o fundamento dos princípios da teoria contratual encontra-se disciplinado na Constituição Federal, notadamente no artigo 1º, inciso III, que dispõe sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, e também no artigo 170, caput e incisos III (função social da propriedade) e V (defesa do consumidor). Daí, conclui-se que os demais princípios decorrem da Carta Magna.

O Código de Defesa do Consumidor, também chamado de microssistema, no tocante aos princípios contratuais, serviu como célula embrionária do novo Código Civil. Veio para suprir a lacuna deixada pelo Código de 1916 e o fez de modo a servir de paradigma aos demais institutos. O novo Código Civil, na realidade, apenas ratificou os princípios já existentes no Código de Defesa do Consumidor.

É o princípio da dignidade da pessoa humana o princípio dos princípios, constitui a essência da “alma”, pois da dignidade advém a proteção da pessoa humana em todos os sentidos, inclusive contratual. A dignidade é inerente ao ser humano: “É ela, a dignidade, o

primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais”.289

Prevista na Constituição Federal (art. 1º, inc. III), a dignidade foi estampada no artigo 4º da Lei n. 8.078/90 e deve nortear toda a relação contratual. Em nome desse princípio, não pode o médico, assim como o hospital, em caso de urgência, deixar de prestar os primeiros socorros à pessoa necessitada, mesmo que ela seja desprovida de recursos.

O princípio da boa-fé encontra-se disciplinado no Código de Defesa do Consumidor, no artigo 4°, inciso III, que assim dispõe: “Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da CF), sempre com base na

boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.” (grifamos)

Claudia Lima Marques, assevera que “todo o esforço do Estado ao regular os contratos de consumo deve ser no sentido de harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da CF) sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”.290

Segundo Rizatto Nunes, “quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes”.291

289 NUNES, Luiz Antonio Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo:

Saraiva, 2002. p. 45.

290 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

contratuais, cit., p. 671.

Em outras palavras, numa relação contratual, não basta as partes não agirem de má-fé, elas têm o dever de agir com lealdade, proteção e informação. Esse último complementa o princípio da transparência, também expressamente previsto no artigo 4º,

caput do Código de Defesa do Consumidor.

É dever imposto aos médicos e por conseqüência aos hospitais prestarem informação ao paciente em sentido amplo, que significa informar ao paciente o diagnóstico, prognóstico, riscos e objetivos do tratamento, salvo restrições previstas no Código de Ética Médica292. O dever de informação é manifestado quando há

consentimento do paciente, pois “mais precavido será o médico que obtiver declaração escrita do paciente ou de seu representante”.293

A função social do contrato (art. 421 do CC) é corolário do princípio da função social da propriedade, previsto no artigo 170, III da Constituição Federal. Trazida pelo novo Código Civil, decorre de duas idéias básicas: a) da comutatividade, que é inerente à relação contratual, já que deve haver equivalência nas prestações; e, b) boa-fé objetiva.

Como conseqüência das relações sociais, “no sistema do Código de Defesa do Consumidor, leis imperativas irão proteger a confiança que o consumidor depositou no vínculo contratual, mais especificamente na prestação contratual, na sua adequação ao fim que o consumidor deposita na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado”294. Essa confiança deve estar presente não apenas quando da realização do contrato, mas também nas fases pré e pós contratual, como vimos no capítulo anterior.

Os princípios da solidariedade e cooperação, previstos nos artigos 3°, inciso I e 4°, inciso IX da Constituição Federal, respectivamente, devem ser observados na relação contratual em análise, pois determina que as partes devem sempre agir com cooperação, proteção e cuidado.

292 É vedado ao médico “deixar de informar o paciente o diagnóstico, prognóstico, os riscos e objetivos do

tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe danos, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao responsável legal” (art. 59 do Código de Ética Médica).

293 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de, Responsabilidade civil do médico, cit., p. 36.

294 MARQUES, Claudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações

O princípio da igualdade, também aplicado à teoria contratual, encontra-se fundamentado no artigo 5°, caput da Constituição Federal, sendo reconhecido pelo Código de Defesa do Consumidor no artigo 4°, inciso I, cujo objetivo é igualar as partes (fornecedor e consumidor) na relação de consumo.

No tocante ao princípio da equidade, seguindo os ensinamentos de Cláudia Lima Marques, na relação contratual deve haver o equilíbrio de direitos e deveres, para que a justiça contratual seja alcançada295. Relações jurídicas equilibradas implicam a solução do

tratamento eqüitativo296. Esse princípio encontra-se expresso no Código de Defesa do Consumidor, no artigo 51, inciso IV, bem como no parágrafo 1º do mesmo artigo.