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Responsabilidade pelos atos dos médicos sem vinculação de emprego

4.6 Responsabilidade dos hospitais

4.6.2 Responsabilidade pelos atos dos médicos sem vinculação de emprego

Como assinala Aguiar Júnior, “em relação aos médicos que integram o quadro clínico da instituição, não sendo assalariados, é preciso distinguir: se o paciente procurou o hospital e ali foi atendido por integrante do corpo clínico, ainda que não empregado, responde o hospital pelo ato culposo do médico, em solidariedade com este; se o doente procura o médico, e este o encaminha à baixa no hospital, o contrato é com o médico e o hospital não responde pela culpa deste, embora do seu quadro, mas apenas pela má prestação dos serviços hospitalares que lhe são afetos”.323

É o caso do hospital que apenas cedeu suas instalações, a fim de que o médico responsável, contratado diretamente pelo paciente em sua clínica particular, pudesse realizar a cirurgia.

O direito atribuído ao médico de utilizar-se das instalações de um hospital para realizar cirurgias em seus pacientes particulares está inserido no artigo 25 do Código de Ética Médica, que dispõe:

“É direito do médico: (...)

Artigo 25 - Internar e assistir seus pacientes em hospitais privados com ou sem caráter filantrópico, ainda que não faça parte do seu corpo

clínico, respeitadas as normas técnicas da instituição.” (grifamos).

322 NERY JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade, Código Civil anotado e legislação

extravagante, cit., p. 921.

Para melhor elucidação, expressa o Parecer n. 37.615/93 do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, da lavra da Doutora Adriana C. Turri Joubert, e que trata do “Ingresso ao hospital com finalidade de internação”:

“Ora, o único requisito apresentado pelo artigo 25 para que o médico possa livremente internar seus pacientes é o respeito às normas técnicas da instituição independentemente da categoria dos mesmos, ou seja, se particulares ou conveniados. Isso se dá, pois o artigo em análise não distingue os pacientes. Ao contrário, ele os generaliza. Trata-se, então, de um direito que é conferido ao médico, inobstante, classificação do paciente carente de internação hospitalar.

Vale lembrar também que eventual proibição dessa natureza se configura flagrante desrespeito ao artigo 5º XIII da Constituição Federal Brasileira, uma vez que é assegurado a todo cidadão o exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão.

Assim, se a entidade vedar ao médico a internação de qualquer de seus

pacientes, ela estará cerceando a liberdade do profissional, impedindo que o mesmo exerça sua profissão, já que o hospital é a ‘ferramenta de trabalho’ do médico.

Em conclusão, foi por esta razão que o artigo 25 do C.E.M. foi criado. Vale dizer, para regulamentar a situação daquele que não pertence ao corpo clínico de entidade privada com ou sem caráter filantrópico, independentemente da classificação do paciente.” (grifamos).

Como se vê, o médico, mesmo não fazendo parte do corpo clínico do hospital, tem o direito de internar seu paciente, com total independência de atuação, respeitadas apenas as normas internas da instituição. “Essa regra encontra duplo fundamento: o primeiro, no direito social constitucionalmente garantido (art. 6º da CF) de o paciente tratar de sua saúde escolhendo livremente o profissional de sua confiança; o segundo, no igualmente garantido (art. 5º, XII da CF) direito do médico de trabalhar, exercendo licitamente a profissão para a qual está habilitado”.324

No caso, não é o hospital que remunera o médico, tampouco tem qualquer participação ou exerce qualquer ingerência no procedimento por ele realizado, logo a responsabilidade do hospital é restrita às instalações, anestesia e enfermaria, e não alcança a intervenção cirúrgica ou qualquer ato exclusivo do médico.

A responsabilidade do hospital fica afastada, por não haver nexo de causalidade entre eventual erro cometido por médico sem qualquer vinculação e as obrigações assumidas pelo hospital (instalações, anestesia, enfermaria etc.).

A não responsabilização dos hospitais por atos médicos praticados por profissional que não faz parte de seu corpo clínico tem sido visto com bons olhos pela doutrina325, ora representada por Aguiar Dias326, ao dispor que é exatamente essa ausência de preposição que exclui a responsabilidade do hospital quando o médico não integra os seus quadros ou com ele não estabelece essa relação de preposição, apenas se valendo das instalações do hospital para execução de sua atividade.

Entendemos, por tais razões, que o hospital carece de legitimidade para figurar no pólo passivo de processo que envolva erro cometido exclusivamente pelo médico que apenas se utilizou suas instalações hospitalares.

Sobre esse ponto, a jurisprudência encontra-se quase estagnada, ao contrário da doutrina. É o se observa quando o hospital é acionado e alega ilegitimidade de parte; a preliminar tem sido rejeitada pelos os juízes de primeira instância, com fundamento na vantagem econômica auferida com o tratamento realizado, segundo o que advém responsabilidade solidária pelos danos eventualmente causados, em que pese não haver aparente vínculo empregatício ou contrato de preposição entre o médico por ele contratado e o hospital.327

Em agravo de instrumento interposto contra essa decisão saneadora, a Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por unanimidade, negou provimento ao recurso. Segundo o relator, no que tange à legitimidade passiva da recorrente, calcada na alegação de que o médico que realizou a cirurgia na agravada não era seu preposto e nem prestador de serviço, destaque-se que a questão, às claras, depende

325 GONÇALVES, Carlos Roberto, Responsabilidade civil, cit., p. 370; DINIZ, Maria Helena, Curso de

direito civil brasileiro: responsabilidade civil, 17. ed., cit., v. 7, p. 308; RIZZARDO, Arnaldo, Responsabilidade civil: Lei n. 10.406, de 10.01.2002, cit., p. 315; STOCO, Rui, Tratado de responsabilidade civil: responsabilidade civil e sua interpretação doutrinária e jurisprudencial, cit., p. 569.

326 DIAS, José de Aguiar, Da responsabilidade civil, cit., p. 358.

de ampla dilação probatória, não comportando o seu pronto acolhimento. Ademais, conforme destacado na decisão recorrida, a obtenção de proveito econômico derivado do ato ilícito, em princípio, pode estabelecer responsabilidade solidária do agravante.328

De fato, em alguns casos, é prematura a exclusão do hospital, mormente quando a ausência de vínculo depende de dilação probatória, porém, se não houver aparente vínculo empregatício ou contrato de preposição entre o médico e hospital, ou então tais fatos forem reconhecidos pelo autor da ação, não há porque manter o hospital na demanda, sujeitando- o inutilmente a todos os custos e despesas processuais. É prudente a exclusão, nesse caso, restando fragilizado o argumento econômico.

Em outro julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o destino não foi mesmo, pois “as provas produzidas deixaram claro que o hospital foi escolhido em razão de ser credenciado pelo convênio médico e que as reclamações da autora não têm nexo com o estabelecimento hospitalar, instalações, equipamentos ou serviços, ou seja, a ação é fundada na alegação de erro médico para o qual não há prova de culpa concorrente do hospital, assim como não há responsabilidade do hospital na escolha do médico nem na atuação deste profissional, de quem não é patrão ou comitente”.329

Em situação análoga, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu pela ilegitimidade passiva do hospital, sob fundamento por nós agasalhado, que não existindo relação de preposição entre o médico e o hospital, sendo utilizadas apenas as suas dependências, não há que se falar em responsabilidade solidária dele, por lhe ser inaplicável o artigo 1.521 do Código Civil, que preceitua a presunção de culpa do patrão, amo ou comitente, quando existente a relação de emprego (preposição).330

328 TJSP − Agravo de Instrumento n. 454.934-4/3-00, 3ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Donegá

Morandini, j. 22.08.2006, v.u.

329 TJSP − Apelação Cível n. 059752.4/2, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 10.12.1998. Em sentido contrário:

“Indenização. Responsabilidade solidária. Argüida não fundamentação em aresto. Inadmissibilidade. Julgado a trazer referência expressa da razão de semelhante imposição. Pretensão afastada. Argüida negligência médica. Condenação diversa da pleiteada. Irrelevância. Caracterizada a responsabilidade do hospital ainda que inexistente vínculo empregatício com o médico. Solidariedade imposta na forma do artigo 1518, parágrafo único do Código Civil. Recurso parcialmente provido. Dano. Afetação. Mulher lesada que, entretanto, se mantém esteticamente atraente. Redução do valor do ressarcimento. Recursos parcialmente providos.” (TJSP − Embargos Infringentes n. 15.530.4/1-02, 4ª Câmara de Direito Privado, j. 17.12.1998 − grifamos).

Assim, no nosso sentir, deve ser decretada a extinção do feito, nos termos do artigo 267, VI do Código de Processo Civil, em conseqüência da carência do direito de ação do paciente em relação ao hospital, face à ilegitimidade de parte passiva.

Deixaremos para discussão secundária a possibilidade da denunciação à lide do médico que nenhum vínculo guarda com o hospital, mas é certo que, em caso de manutenção do hospital no pólo passivo da ação e eventual condenação, a ele cabe ação regressiva contra o malfadado médico.

Para o momento, basta rechaçar a idéia de irresponsabilidade do hospital por médico não pertencente ao seu quadro clínico, limitando-a somente em caso de serviços prestados como mero hospedeiro, tema que será adiante debatido: “Admitir ao contrário, acrescentamos, seria estabelecer uma antinomia insolúvel, pois se o médico, na condição de preposto, não é responsável, a responsabilidade do hospital, que seria decorrente da responsabilidade do médico, também não pode existir. E, não sendo preposto, pior ainda, já que a ausência de preposição sequer carrearia para hospital algum tipo de responsabilidade”.331