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Relação paciente e hospital

A responsabilidade civil dos hospitais em face de seus pacientes, internos ou não, é contratual277. Segundo José de Aguiar Dias, trata-se de obrigação semelhante à dos

276 FRANCISCO, Caramuru Afonso, Responsabilidade civil dos hospitais, clínicas, e prontos-socorros, cit.,

p. 195.

277 STOCO, Rui, Responsabilidade civil dos hospitais, sanatórios, clínicas, casas de saúde e similares em face

do Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 71. Para Maria Helena Diniz, “nítido é o caráter contratual da responsabilidade dos proprietários e diretores de hospitais e clínicas, até mesmo em face do tratamento gratuito” (Tratado teórico e prático dos contratos, cit., v. 2, p. 589).

hoteleiros, cuja responsabilidade, na realidade, compreende os deveres de assistência médica e de hospedagem, “cada qual na medida e proporção em que respondem, isoladamente, os respectivos agentes”.278

Hipótese aventada para atribuição da responsabilidade extracontratual é dada por Roberto Godoy, quando se refere ao não atendimento do paciente que procura o hospital em estado de urgência; nesse particular, sem adentrar na questão da responsabilidade propriamente dita, a natureza jurídica da obrigação que advém dessa omissão é extracontratual, pois não houve acordo de vontades, requisito básico de contrato.279

A discussão quanto à natureza contratual da relação paciente-hospital não mais merece discussão, pois doutrina e jurisprudência têm caminhado no mesmo sentido280, opinião que compartilhamos.

O paciente pode firmar com o hospital dois tipos de contratos, com ou sem a prestação de serviços médicos. O primeiro é chamado de “contrato médico-hospitalar”, nele estando inseridos serviços médicos e hospedagem O segundo, chamado “contrato de serviços hospitalares”, traz apenas a hospedagem e os cuidados hospitalares necessários ao tratamento médico, mas sem a obrigação de ato médico; é o caso do paciente que contrata médico particular para realizar procedimento cirúrgico no hospital.

É certo que quem se interna em um hospital não está a passeio, portanto não almeja firmar de contrato de hospedagem; a “hospedagem” é apenas acessória, pois constitui o meio para a realização do tratamento. Portanto, de forma alguma se pode dizer que se trata de contrato típico de hospedagem.

278 DIAS, José de Aguiar, Da responsabilidade civil, cit., p. 486.

279 GODOY, Roberto, A responsabilidade civil no atendimento médico e hospitalar, cit., p. 106.

280 Confira-se: AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de, Responsabilidade civil do médico, cit., p. 33; CHAVES,

Antonio, Responsabilidade civil das clínicas, hospitais e médicos, cit., p. 118; SEBASTIÃO, Jurandir, Responsabilidade médica: civil, criminal e ética, cit., p. 149; GODOY, Roberto, A responsabilidade civil no atendimento médico e hospitalar, cit., p. 87; ROCHA, Cleonice Rodrigues Casarin da, A responsabilidade civil decorrente do contrato de serviços médicos, cit., p. 191.

Há quem considere a responsabilidade dos hospitais indireta, pois existe uma relação entre paciente e hospital, mas a prestação essencial é feita pelos médicos.281

Roberto Godoy classifica o contrato médico em bilateral, oneroso, consensual e não solene. Quanto à comutatividade, diz ele, “já é pacífico, na doutrina, que se trata de um contrato de meios e não de resultados, justificando-se essa assertiva pelo fato de o médico não poder garantir a cura, que seria o único resultado”.282

O “contrato médico-hospital” ou “contrato hospitalar” pode ser classificado segundo diversos critérios. Vejamos:

a) Quanto à natureza da obrigação: contrato bilateral, oneroso, consensual comutativo e por adesão.

Bilateral é o contrato “em que cada um dos contraentes é simultânea e reciprocamente credor e devedor do outro, pois produz direito e obrigações para ambos, tendo por característica principal a sinalagma, ou seja, a pendência recíproca de obrigações”.283

O contrato entre paciente e hospital é bilateral porque a relação exige direitos e obrigações para ambos: a do hospital é de prestar os serviços e a do paciente é o pagamento, além de cumprir as exigências médicas.

Contratos onerosos, segundo Caio Mário da Silva Pereira, são “aqueles dos quais ambas as partes visam a obter vantagens ou benefícios, impondo-se encargos reciprocamente em benefício uma da outra”284. Logo, o contrato é oneroso porque estamos tratando de hospital particular não conveniado ao SUS, onde se exige do paciente o

281 ROCHA, Cleonice Rodrigues Casarin da, A responsabilidade civil decorrente do contrato de serviços

médicos, cit., p. 395. Antonio Chaves é incisivo ao afirmar que “a atividade que desenvolve, sem embargo de sua importância fundamental na organização de uma coletividade, é acessória a do médico, que é a principal, e decorre de um contrato, quando não expresso, pelo menos tácito.” (Responsabilidade civil das clínicas, hospitais e médicos, cit., p. 118).

282 GODOY, Roberto, A responsabilidade civil no atendimento médico e hospitalar, cit., p. 94.

283 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, 17. ed., cit., v. 7, p. 44. 284 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense,

pagamento pelos serviços que lhe foram prestados, enquanto o hospital cumpre sua obrigação (ato médico + hospedagem + cuidados necessários ao tratamento médico, ou hospedagem + cuidados necessários ao tratamento).

É comutativo porque ocorre de imediato a obrigação de prestação de serviços por parte do hospital, mediante a contraprestação por parte do paciente. Por adesão porque ao paciente resta aderir às condições preestabelecidas pelo hospital.

b) Quanto à forma: consensual.

É consensual por se concretizar pela simples vontade das partes, não se exigindo outro tipo de formalidade. Em regra, essa manifestação é feita por escrito, às vezes o paciente dá entrada no hospital e, pela situação de urgência, já é imediatamente atendido, ficando a manifestação de vontade aí já caracterizada, restando apenas a formalização, que é feita em seguida com o paciente, se estiver em condições para tanto, ou com seu responsável.

c) Quanto à denominação: atípico ou misto.

É atípico ou misto porque a obrigação, como visto, abrange não apenas os serviços médicos, mas também de hospedagem ao paciente internado; é uma espécie de fusão de contrato de prestação de serviços e hospedagem. Pode ainda ser apenas contrato de serviços hospitalares e, nesse caso, também não se pode concluir pela realização de contrato de hospedagem típico, mas atípico, pois a hospedagem se constitui em meio para a realização do tratamento médico.

Preleciona Maria Helena Diniz que “na internação hospitalar ter-se-á uma hospedagem especial, por abranger o depósito de coisas, a locação de quarto e imóvel, a prestação de serviços, empréstimos de aparelhos e fornecimento de alimentos”.285

d) Quanto ao objeto: contrato de prestação de serviços.

É de prestação de serviços em sentido amplo, abrangendo a prestação de cuidados médicos e demais obrigações concernentes à própria atividade hospitalar.

e) Quanto ao tempo de sua execução: de execução continuada.

É de execução continuada porque o atendimento do paciente se prorroga com o tempo, muito embora em alguns casos possa a execução ser imediata. Na verdade, o contrato permanece até a alta do paciente, fato esse na maioria das vezes imprevisível.

Para melhor elucidação, vale lembrar algumas definições que são dadas por Maria Helena Diniz: a) os contratos bilaterais são aqueles em que cada contraente é credor e devedor do outro, produzindo direitos e obrigações para ambos; b) os contratos onerosos são aqueles que trazem vantagens para ambos os contratantes, que sofrem um sacrifício patrimonial correspondente a um proveito almejado; c) os contratos comutativos são aqueles em que cada contraente, além de receber do outro prestação relativamente equivalente à sua, pode verificar, de imediato, essa equivalência; d) os contratos por adesão são aqueles em que a manifestação de vontade de uma das partes se reduz a mera anuência a uma proposta da outra; e) os contratos consensuais se perfazem pela simples anuência das partes, sem necessidade de outro ato; f) os contratos mistos, em regra, resultam da fusão de dois ou mais contratos, aos quais se acrescentam elementos particulares, imprevisíveis pelo legislador, criando-se, assim, novos negócios jurídicos contratuais; g) os contratos de execução imediata são os que esgotam se num só instante, mediante uma única prestação, já os de execução continuada ocorrem quando a prestação de um ou de ambos os contraentes se dá a termo.286

Quanto à fundamentação do contrato, trata-se de relação de consumo. O hospital, por seu turno, é considerado fornecedor, nos exatos termos do artigo 3º, caput e parágrafo 2º da Lei n. 8.078/90 (CDC), sujeitando-se às regras da responsabilidade objetiva, na hipótese de danos causados aos consumidores (art. 14 e 20, § 2º, do CDC) em decorrência

286 DINIZ, Maria Helena, Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e

da má execução dos serviços hospitalares, e a responsabilidade subjetiva (§ 4º, art. 14 do CDC) quando o ato ilícito for atribuído por serviços exclusivamente médicos. Igualmente, o paciente é consumidor, na exata definição dada pelo artigo 2º, caput do Código de Defesa do Consumidor, por ter adquirido serviços do hospital como destinatário final.

O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se favorável a esse nosso entendimento e os motivos alegados foram:

“1. A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico- profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes. Nesse sentido são as normas dos artigos 159, 1521, III, e 1545 do Código Civil de 1916 e, atualmente, as dos artigos 186 e 951 do novo Código Civil, bem com a Súmula n. 341/STF (‘É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto’).

2. Em razão disso, não se pode dar guarida à tese do acórdão de, arrimado nas provas colhidas, excluir, de modo expresso, a culpa dos médicos e, ao mesmo tempo, admitir a responsabilidade objetiva do hospital, para condená-lo a pagar indenização por morte de paciente.

3. O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia) etc. e não aos serviços técnicos-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa).”287

Há ainda aresto do Tribunal de Justiça de São Paulo pela responsabilidade subjetiva do hospital:

“Ação indenizatória. Alegação de erro médico. Existência de provas que afastam o reconhecimento da concausa e da culpa dos prepostos do nosocômio pelo ocorrido. Profissionais que têm obrigação de meio e não de resultado. Inexistência de responsabilidade objetiva do hospital. Inteligência dos artigos 186 e 951 do Código Civil e da Súmula 341 do C. STF. Recurso desprovido.”288

287 STJ − RESP n. 258389/SP, 2000/0044523-1, 4ª Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 16.06.2005,

DJU, de 22.08.2005.

Não se nega, portanto, que se trata de relação de consumo, mas isso não significa que a responsabilidade seja necessariamente objetiva. Sujeita-se às regras da responsabilidade objetiva na hipótese de danos causados aos consumidores em decorrência da má execução dos serviços hospitalares, e da responsabilidade subjetiva quando o ato ilícito for atribuído a serviços exclusivamente médicos.

Tendo sido definida a denominação e natureza do contrato, passemos à análise dos princípios que o regem.

4.4 Princípios que regem o contrato de prestação de serviços