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FIGURA CARTOGRÁFICA DOS “LIMITES NATURAIS” DO PARAGUAI COM O BRASIL

FRONTEIRAS EM MOVIMENTO

FIGURA CARTOGRÁFICA DOS “LIMITES NATURAIS” DO PARAGUAI COM O BRASIL

Fonte: Mapa del Paraguay. Disponível: www.abc.com.py/paraguay, acesso em 09/09/2005.

Em 1927, os dois países assinaram um tratado complementar e terminaram de ser demarcados alguns pontos do rio Apa e da Bahia negra. Mas em 1963 surgiu ainda um novo problema em torno da demarcação precisa do quinto salto das Sete Quedas no rio Paraná, na divisa entre os estados brasileiros do Paraná e Mato Grosso do Sul e o Paraguai13. O conflito de

13 O problema era sobre o cume principal da serra de Mbaracayu: 20 quilômetros antes da serra atingir o Rio Paraná,

ela se divide em dois cumes. O do sul indica o quinto salto e do norte o início das Sete Quedas. Os paraguaios defendiam que a demarcação passava no cume norte e, portanto, todas as Sete Quedas ou Salto de Guairá seria do Paraguai. Já o Brasil defendia o cume sul e o Salto Grande de Sete Quedas lhe pertencia. Este conflito estourou na década de 1960 devido à descoberta do potencial energético das Sete Quedas e das propostas brasileiras de explorá- lo.

limites reacendeu sentimentos nacionalistas e serviu para questionar a política brasileira de delimitação e demarcação das fronteiras.

As fronteiras nacionais são criações humanas, delimitadas e demarcadas sucessivamente de acordo com os processos de ocupação militar, demográfica, econômica, política e cultural que ocorrem nos territórios fronteiriços. “Las fronteras nacionales como tales

no existen. Son una creación artificial. No son producto de la naturaleza sino de la cultura (...). Son entidades mentales, no físicas” (Macclancy, 1994).

Como afirma Bourdieu (1998), as fronteiras são produtos de atos jurídicos artificiais, de disputas de poder e a vontade política é capaz de construir diferenças culturais em contextos históricos semelhantes. Há uma relação recíproca entre política e cultura na definição das fronteiras territoriais dos Estados nacionais. A ação política cria, principalmente através da educação escolar, cidadania, línguas nacionais e outros sistemas de comunicação, as diferenças culturais em um determinado espaço fronteiriço onde predominam semelhanças no estilo de vida da população local. Mas as diferenças culturais produzidas muitas vezes são vistas como causa dos limites políticos. As fronteiras geográficas são preenchidas com significados políticos e culturais e funcionam com “campos de luta pela delimitação legítima” (Bourdieu, 1998, p. 115).

Os limites políticos e jurídicos das soberanias nacionais são territórios de disputas, barreiras, passagens e terras de ninguém. Eles simbolizam aparentemente a fixidez das nações alicerçadas em territórios claramente demarcados. Entretanto, as fronteiras nacionais estão em movimento, impulsionadas pelos fluxos migratórios, as estratégias geopolíticas, as influencias econômicas e culturais de determinados países sobre outros e pelas diversas formas de circulação de mercadorias nos espaços fronteiriços.

3. Fronteira perigosa ou terra de ninguém

A região de fronteiras é também representada como um lugar perigoso, espaço da ilegalidade, da contravenção e da violência. Muitas fronteiras são vistas como lugares marginais, “terra de ninguém” ou “terra sem lei”. Os Estados modernos se fundamentaram em guerras de expansão, de defesa territorial e na luta pela monopolização da força, da lei e da economia legalizada em um território claramente definido. As regiões de fronteira se tornaram em espaços territoriais e sociais bastante sensíveis e difíceis de serem controlados. A fronteira territorial é

geralmente uma zona em que as forças repressoras e fiscalizadoras do Estado têm dificuldade em exercer o monopólio das armas e das leis. Essa falta de controle dos espaços fronteiriços favorece a construção da imagem da fronteira como terra de ninguém.

No caso brasileiro, as representações consideradas negativas sobre as fronteiras são produzidas através de notícias veiculadas principalmente a partir de três contextos fronteiriços: os conflitos violentos por disputas de território na “Faixa de Gaza” entre Israel e Palestina, a imigração ilegal entre o México e os Estados Unidos e o comércio ilegal, tráfico de drogas e roubo de carros nas divisas do Brasil com os países vizinhos, especialmente entre Brasil/Colômbia e Brasil/Paraguai.

A denominada Tríplice Fronteira (Cidade do Leste (Py), Foz do Iguaçu (Br) e Puerto Iguazu (Ar) é geralmente representada pela imprensa brasileira e argentina e organismos oficiais de segurança e “inteligência” dos Estados Unidos como um lugar de tráfico de drogas e armas, de lavagem de dólares, de venda ilegal de cigarros, “paraíso de contrabandistas”, “santuário da corrupção, impunidade e delinqüência”, espaço de trânsito de sacoleiros14 e refúgio de traficantes e terroristas árabes15 (Rabossi, 2002). A Ponte da Amizade é o foco principal do comércio fronteiriço e das imagens construídas sobre essa fronteira. As notícias abordam os bloqueios nesta ponte, o aumento da fiscalização e da apreensão das mercadorias vindas do Paraguai, as cenas de violências entre policiais e sacoleiros, bem como os controles e as proibições das entradas de trabalhadores brasileiros no Paraguai. As mercadorias “pirateadas” ou sem nota fiscal compradas em Cidade do Leste e revendidas em todas as cidades brasileiras ajudam também a cristalizar preconceitos sobre a nação vizinha, tais como “país da falsificação”, “tudo que é do Paraguai não presta” etc. Para Abinzano (2004),

14 Os denominados sacoleiros ou muambeiros são principalmente pequenos comerciantes brasileiros que vão para o

Paraguai em ônibus alugados, compram vários tipos de mercadorias (brinquedos, cigarros, celulares, câmeras digitais e produtos de informática) para serem revendidas no Brasil. Eles empacotam suas mercadorias em grandes sacolas listradas ou pretas, facilitando o transporte e dificultando a fiscalização na alfândega brasileira.

15 Existe uma comunidade de cerca de 14 mil sírio-libaneses que vivem em Foz do Iguaçu e Cidade do Leste. Desde

o ataque à embaixada de Israel em Buenos Aires em 1992 e a Asociación de Mutuales Israelitas Argentinas (AMIA) em 1994 se publicam reportagens indicando “células territoristas’ na Tríplice Fronteira. Para alguns políticos e intelectuais críticos, essas reportagens são financiadas pelos Estados Unidos que têm o maior interesse em dominar a região devido à localização do Acuífero Guarani, a maior reserva de água potável do planeta. Toda essa discussão foi apresentada durante o I Foro Social de la Triple Frontera, realizado em junho de 2004 em Puerto Iguazu, Argentina. Em agosto de 2005, cerca de 400 soldados norte-americanos se instalaram em território paraguaio, próximo a Usina hidrelétrica de Itaipu. Conforme a ministra de relações exteriores do Paraguai, trata-se de um acordo binacional de treinamento militar e se vence no final de 2006. Para os setores de oposição do país, significa um primeiro passo para a instalação de uma base militar norte-americana no Paraguai.

se atribuye a Ciudad del Este toda clase de calamidades, desde el tráfico de armas al de niños, y el de drogas y el entrenamiento de células terroristas “dormidas”, el contrabando, la delincuencia, la alta tasa de violencia callejera, etc. Esta visión se extiende a Foz do Iguaçu a la que se adjudica un altísimo grado de inseguridad y criminalidad (uno de los mas altos del Brasil). (…) Los medios de comunicación masiva (radio, televisión, periódicos e internet) difundieron por el mundo la imagen mas negativa posible de la Triple Frontera sumándose a una campaña destinada a justificar posibles intervenciones en la región (Abínzano, 2004b, p. 8 e 14).

As representações da fronteira entre o Brasil e o Paraguai, relacionadas com a criminalidade, são bastante antigas. Em meados do século XX, as mensagens oficiais dos governos de Mato Grosso já abordavam a violência nas localidades que fazem fronteira com o Paraguai e atribuíam os crimes existentes aos paraguaios (Sprandel, 1992, p. 33). No final da década de 1970, o relato de um jornalista brasileiro acentuava os estigmas sobre essas localidades. Não se trata da região entre Foz do Iguaçu e Cidade do Leste, mas da denominada

fronteira seca16 entre Pedro Juan Caballero (Py) e Ponta Porã (Br). Nessas “cidades gêmeas” somente uma avenida divide os dois países e o canteiro central se denomina justamente de terra

de ninguém. O jornalista Bojunga (1978) denomina as cidades fronteiriças de “faroeste

binacional” e assim descreve o ritual de morte de um brasileiro, vítima dos grupos rivais que controlam o tráfico de drogas local:

Um tiro. E surge o morto. Um brasileiro que morava no Paraguai, a uns cem metros da fronteira. Para simplificar, os assassinos paraguaios (tudo pode ser vice-versa) arrastam o cadáver para o outro lado da linha divisória. Do lado de cá, dois camaradas observam a trapaça. Para evitar perguntas, esperam que os assassinos se afastem e levam de novo o corpo para o Paraguai. Os matadores percebem a manobra de longe. Espantam os espertos com uns tiros e jogam outra vez o defunto no Brasil. (...) O vaivém macabro cessa com a chegada do Exército. A perícia gasta uma tarde seguindo aquele estranho sangue que serpenteia entre dois países. É assim a convivência de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero: todo o trabalho é descobrir onde as pessoas morrem (Bojunga, 1978, p. 111).

O jornalista Wagner (2003), em livro publicado em 2003, denomina de país-bandido a região que começa em Pedro Juan Caballero (Amambay-Paraguai) e Ponta Porã (Mato Grosso do Sul-Brasil) e vai até Itapiranga (Santa Catarina-Brasil) e Bernardo Irigoyen (Misiones- Argentina). Para o autor, o país-bandido

16 A divisa internacional em lugares que não existem acidentes geográficos como rios, lagos e oceanos e somente

não existe oficialmente, mas sim de fato. É o 13º da América do Sul, um pedaço de terra espremido entre Brasil, Argentina e Paraguai equivalente a metade do território e da população do Rio Grande do Sul. Disputas de fronteira, conflitos armados e a ação de uma das mais longas e corruptas ditaduras militares sul-americanas, a do general Alfredo Stroessner, que reinou no Paraguai durante 35 anos, criaram o terreno para a prosperidade de organizações criminosas neste denominado país-bandido. Seu território tem cerca de 1,2 mil quilômetros de comprimento e outros 250 quilômetros de largura no ponto mais extenso (Wagner, 2003, p. 17).