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Outros conflitos envolvendo “campesinos” e “brasiguaios”

CONFLITOS NA ZONA DE FRONTEIRAS

DISTRIBUIÇÃO DA TERRA NO PARAGUA

2. Outros conflitos envolvendo “campesinos” e “brasiguaios”

O problema do meio ambiente e a intoxicação de camponeses nessas áreas de plantio de soja também têm gerado muitos conflitos com os camponeses. O aumento extensivo do território utilizado para o plantio mecanizado da soja gera uma ampliação intensiva do uso de agrotóxicos, aceleração do desmatamento e da poluição de leitos de rios e riachos. As pulverizações terminam atingindo as comunidades camponesas. Os pequenos produtores e os sem-terra paraguaios lutam principalmente com os grandes proprietários estrangeiros. Muitas vezes, os camponeses param as máquinas de pulverização e enfrentam os fazendeiros brasileiros e a polícia paraguaia.

Durante o ano de 2004 ocorreram vários casos de queima de plantações de soja de fazendeiros brasileiros e menonitas nos departamentos de Canindeyú, Caaguazu, Amambay e Guairá (Duarte, 3/3/2004). Ninguém se responsabiliza por essas queimas. As explicações mais convincentes apontam para ações espontâneas de camponeses locais que vêem as novas plantações de soja e os processos de pulverização próximos a suas residências como uma ameaça a suas vidas. O cultivo de soja passa a ser visto pelos camponeses como uma “maldição” ao país. Quase todos os casos de intoxicação, de doenças de pele e de respiração são atribuídos aos novos plantios de soja em áreas bastante povoadas.

A disputa pela terra e as reações aos novos plantios de soja transgênica (geneticamente modificada) são os cenários privilegiados dos conflitos e de variadas formas de resistência, mas a ascensão política de alguns imigrantes ou descendentes ao cargo de prefeito de algumas cidades também tem ocasionado algumas reações conflituosas com grupos de camponeses paraguaios. No período da campanha política, todos os quatro prefeitos

46 Cada derechera corresponde a uma área de 7 a 10 hectares de terras, custa ao redor de 1 milhão de guaranis (500

reais) e pode ser paga em 5 anos ao IBR. Os brasileiros compram esta derechera da seguinte forma: pagam uma quantidade de dinheiro ao camponês para que este transfira o direito de propriedade, vão ao Instituto e pagam as anuidades, no final conseguem o título de propriedade. Os imigrantes podem conseguir até 100 hectares num mesmo quadrado. Mas após o término do pagamento, a escritura definitiva pode demorar até 10 anos para estar pronta. Neste período podem existir várias “invasões” (Arno Bilk, vereador, 26/11/2004).

“brasiguaios” enfrentaram adversários paraguaios e os discursos da oposição enfatizavam que se os brasileiros ganhassem só iam beneficiar os imigrantes. Alguns opositores afirmavam que aqueles candidatos, caso fossem eleitos, iriam trocar a bandeira do Paraguai pela brasileira tanto na prefeitura como nas escolas. Nos municípios de Mbaracayu, Santa Rosa e Naranjal, as disputas e troca de acusações se restringiram mais ao período eleitoral, mas no município de San

Alberto os conflitos entre camponeses e prefeitura se estendem já por duas administrações.

San Alberto foi a primeira cidade paraguaia administrada por um imigrante brasileiro, naturalizado paraguaio, no período de 1998 a 2001. Durante sua administração, o prefeito foi acusado de só beneficiar brasileiros e de não aplicar corretamente o dinheiro público. A prefeitura foi ocupada algumas vezes pelo movimento camponês da região, principalmente durante o ano de 1999. Nas eleições municipais de 2001, ele conseguiu eleger sua sobrinha como nova prefeita da cidade. Na sua administração, ela também é acusada pela imprensa de corrupção e de malversação do dinheiro público e já teve a sede da prefeitura ocupada pelo movimento camponês local.

Segundo a versão da própria prefeita, ela rompeu com o tio por que este queria muitos favores políticos, já que tinha apoiado financeiramente sua campanha. O ex-prefeito passa a articular uma oposição parlamentar e entra em contato com o próprio movimento camponês para pressioná-la a se afastar do cargo. Para a prefeita, a ocupação foi incentivada pelos vereadores de oposição que desejavam destituí-la do poder (Luciana Maia, prefeita de San Alberto, 17/01/2004). Segundo alguns moradores daquela cidade, havia um acordo entre a sobrinha e o tio no período da disputa eleitoral. Por causa dos problemas de denúncias existentes na gestão de Romildo Maia, ele não disputou a reeleição, mas apoiou sua sobrinha. No Paraguai não existe o cargo de vice-prefeito. Caso o prefeito abandone o cargo, quem assume é o presidente da Câmara. O acordo previa que o ex-prefeito seria candidato a vereador pela lista do Partido Colorado e depois concorreria à presidência da Câmara Municipal. A atual prefeita renunciaria e ele assumiria novamente a prefeitura. O acordo não se efetivou. O ex-prefeito não conseguiu a maioria necessária para disputa do cargo e nem a prefeita renunciou. Desde então começaram os acordos para tentar prejudicar e inviabilizar sua administração.

Os conflitos políticos na administração de San Alberto devem ser compreendidos a partir das alianças táticas que existem entre políticos brasileiros e setores locais do movimento camponês paraguaio. Não existem somente tensão e separação entre brasileiros e paraguaios.

Conforme o jogo político local, os vereadores da oposição convocam setores do movimento camponês do município e de outras localidades para virem ocupar a prefeitura e pressionar a saída dos administradores. Conforme alguns vereadores, os políticos locais prometem dinheiro, comida, títulos de eleitores e ajudas logísticas na ocupação de algumas fazendas da região.

Ocorreram também vários conflitos entre imigrantes e a polícia paraguaia devido à situação de ilegalidade de muitos brasileiros, principalmente pequenos agricultores e sem-terra. As tensões e humilhações têm sido denunciadas pelos “brasiguaios” desde o período em que os primeiros grupos organizados estavam voltando para o Brasil em 1985. Havia vários relatos de que os “brasiguaios”, em situação irregular, quando eram pegos pela polícia local passavam por grandes humilhações e até espancamentos. Tudo indica que as práticas da polícia paraguaia, tanto diante dos camponeses paraguaios como dos “brasiguaios”, continuam lembrando as formas de tortura do período ditatorial. Os conflitos entre brasileiros pobres e a polícia paraguaia diminuiu bastante no contexto do Mercosul (Souchaud, 2002).

Todas essas formas de conflitos - luta pela terra, ações contra o plantio predatório da soja, conflitos nas administrações dos “brasiguaios” e tensões com a policia paraguaia - foram e são noticiados pela imprensa paraguaia e brasileira. Além disso, no cotidiano das cidades em que predominam os imigrantes brasileiros, as pessoas relataram, em conversas informais, algumas tensões que continuam existindo nas relações entre brasileiros e paraguaios, principalmente os conflitos em bares e nas ruas em momentos de embriaguez, acompanhados de expressões depreciativas como “invasores”, “rapai”, “chiru mandioqueiro” etc.

3. “Invasores” e “vítimas” na frente de expansão

As versões sobre esses conflitos variam bastante na ótica dos “campesinos” e dos “brasiguaios”. Os movimentos camponeses questionam a legalidade das propriedades dos brasileiros, afirmam que as terras ou foram presenteadas pelo General Stroessner ou foram compradas ilegalmente. O líder camponês Rodrigo Nuñez comenta que os produtores brasileiros ocupam "terras ilegais e não são nem paraguaios", enquanto "nós, que somos paraguaios

legítimos, não temos terras" (Rodrigo Nuñez apud Sant’anna, 14/8/1999). A acusação é que os

“paraguaios legítimos” seriam menos questionados por ocuparem terras ilegais. O discurso da ilegalidade das propriedades aparece combinado com a problemática da identidade e legitimidade nacional.

Os brasileiros são vistos também como “gringos” responsáveis pela poluição de rios, desmatamento, destruição dos solos e intoxicação de adultos e crianças. São, portanto, colonizadores, invasores e destruidores da natureza e da cultura paraguaia. Para os camponeses, o avanço desta frente de expansão não é acidental, trata-se de uma colonização que conta com um forte apoio jurídico do consulado brasileiro.

Con esa expansión se produce lo que nosotros conceptualizamos que es la invasión extranjera, porque no solamente ocupa la tierra, produce la tierra, sino instala su modelo de producción, su idioma, su cultura, sus autoridades, todo, entonces está ocupado prácticamente por la otra potencia nacional, que la principal es brasileña. El tema es que estamos teniendo frontera con el Brasil, entonces mayoritariamente brasileños, y lo peor, lastimosamente te tengo que decir, por ser tu compatriota, que es el peor criminal, desde el punto de vista de la destrucción ambiental, destrucción local, sea hídrico, descargando veneno, lavando los instrumentos de maquinarias, el uso de agro-quimicos. En cima de eso, tirando todos los envases vacíos, flotando ahí en el agua, hasta inclusive algunos cerrando los causes, es un desastre, son los más criminales en ese sentido. (…) Entonces las organizaciones campesinas cuando se desarrollan otra vez, tiene una política de recuperación del territorio perdido, de las comunidades paraguayas, porque los asentamientos son legalizados, pero todavía falta titular (...). Los brasileños compran, echan todas las casas, echan todas las plantaciones de naranja, café, o sea lo que tiene y queda un campo de producción, o sea, una colonia sin habitantes (Luis Aguayo, Líder campesino de la MCNOC, 26/10/2004).

Conforme Juan Bernal, os grandes fazendeiros brasileiros “no respetan ni el viento” na hora de pulverização do plantio de soja. Para ele, os “sojeros” contratam pistoleiros e bandidos fugitivos da justiça brasileira para protegerem suas propriedades e matarem os paraguaios. Os camponeses se apresentam como vítimas dos agressores brasileiros, visto que o “campesino

parece el pajarito que muere en los caminos y nadie interviene en ese caso” (Juan Bernal,

camponês paraguaio, 26/10/2004).

Nesta nota de repúdio a presença brasileira na região, há uma associação entre o faroeste americano e os “pioneiros” brasileiros no Paraguai. No sentido comparativo descrevem que

Al más puro estilo de lo que se ve en las películas de series del Far West, los inmigrantes brasileños poseen, usan y abusan de armas de grueso y todos los calibres, pegándose el lujo de tener lugares de prácticas de tiro al blanco y que,

en uno de los casos, las balas perdidas “distraídamente” paran contra una de las comunidades formadas por paraguayos. (Nota de denuncia da Comissão camponesa do assentamento Ykua Porã apud Gutiérrez, 18/09/2003).

Além do discurso dos próprios camponeses, existem padres, políticos, jornalistas e outros cidadãos paraguaios que reforçam essa imagem dos brasileiros como invasores. Alguns bispos e padres da igreja católica têm defendido bastante a luta social e nacional dos camponeses naquelas regiões de fronteira. O padre Mario Sotelo realizou um documentário sobre a destruição do meio ambiente provocada pela frente de expansão do plantio de soja.

Es impresionante la cantidad de peces muertos que encontramos. Eso sucede porque los brasileños fumigan sus plantaciones y lavan sus máquinas en el arroyo, que pasa por las colonias donde los campesinos usan agua, dan de beber a los animales e incluso los niños se bañan allí, sin saber el riesgo que corren (...) Yo no estoy en contra a los inmigrantes brasileños, pero me preocupa lo que está pasando, la manera incontrolada en que están comprando tierras y forzando a los colonos paraguayos a vender sus chacras, provocando un éxodo masivo, además del grave daño al medio ambiente. (..) Las chacras se convierten en tierra pelada para plantar soja, se cierran las escuelas, se abandonan los ranchos y las comunidades se convierten en pueblos fantasmas. (...) Hay que hacer algo para frenar este fenómeno, que solo traerá mayor pobreza y conflictos sociales al Paraguay (Padre Mario Sotelo apud Gutiérrez, 26/09/2003)

Várias reportagens, publicadas nos principais jornais do Paraguai, durante os anos de 2003 e 2004, apresentam a imigração brasileira naquele país como uma “invasão brasileira”. Claro que existem outras notícias dos periódicos paraguaios, especialmente os editoriais do ABC

Color, que defendem veementemente os imigrantes e os apresentam como portadores legítimos

do desenvolvimento do país. As manchetes mais críticas geralmente reproduzem os termos utilizados por políticos, religiosos e camponeses que são entrevistados. Os títulos dessas matérias enfatizam a “invasão” brasileira e as perdas sociais, ambientais e nacionais que esses “invasores” provocam em território paraguaio.

Jornal Data Reportagem

La Nación 02/07/2003 Gobernador de Caaguazu pide frenar invasión de brasileños ABC Color 18/07/2003 Piden frenar “invasión” brasileña en Alto Paraná

ABC Color 21/07/2003 Exigen poner fin a invasión brasileña

ABC Color 16/08/2003 Invasión y éxodo esperan solución en Caazapá

ABC Color 29/08/2003 Obispo califica de criminal la invasión de brasileños al país ABC Color 29/08/2003 Obispo cuestiona la invasión brasileña en zona de Caaguazu ABC Color 21/09/2003 “Expansión brasileña destruye el ambiente y crea más pobreza”

La Nación 04/10/2003 Concejales de Canindeyú piden auxilio ante “invasión’ brasileña. La Nación 12/10/2003 Extranjerización del campo y marginalidad campesina

La Nación 08/11/2003 Obispos reclaman solución a invasión de los brasiguayos

ABC Color 11/11/2002 El “avance brasileño” deja a su paso colonias fantasma en Vaquería ABC Color 12/11/2003 Colonos brasileños ocupan terreno donde está el acuífero guarani ABC Color 10/06/2004 Brasileños devastan miles de Ha de bosques en Ibel Paraguaya ABC Color 23/06/2004 El cultivo de soja es una maldición para el país

La Nación 13/09/2004 MCNOC: Brasileños practican ocupación territorial de hecho

O discurso da “invasão brasileira” é produzido por diferentes setores sociais. Nessas reportagens, governadores, vereadores, bispos, movimento camponês e alguns jornalistas responsáveis por essas matérias produzem e reproduzem o mesmo discurso crítico contra esses invasores estrangeiros. As acusações fundamentais apontam que os imigrantes e outros investidores brasileiros estariam provocando o êxodo rural, a marginalização camponesa, a destruição ambiental e ocupam áreas estratégicas do território nacional.

A carta de um leitor, publicada no jornal ABC Color, reforça a imagem negativa que vários setores paraguaios têm dos imigrantes brasileiros. Ele acusa os brasileiros de cultivarem ervas malditas (maconha) em suas propriedades, de traficar madeiras e de transportar drogas ilegalmente para o Brasil através de Puerto Indio, pequeno porto situado às margens do lago Itaipu. Aborda ainda a conivência dos políticos paraguaios com essas ações ilegais e predatórias dos brasileiros e o desejo desses parlamentares transformar seu país em um estado da federação brasileira.

Prácticamente la mayor parte del norte de la región oriental de nuestro país esta llena de los famosos “brasiguayos”, les pregunto, estuvieron por esas peligrosas regiones del norte? Les aseguro que un día les bastaría para darse cuenta de que no sería el más indicado para vivir, a no ser que estés dispuesto a convivir con esta “gente” que no tiene otro interés más que realizar negociados bastante lucrativos y bien aceptados en la zona como el rollo tráfico y- por qué no- el narcotráfico.(..) Cuándo estos “dignos” y bien pagados legisladores tomarán por lo menos en cuenta este tema? O es que de tanto que se pasan veraneando en las playas de nuestro vecino país, el Brasil, les gustaría que en el futuro próximo pasemos a ser “O estado do Paraguay” (Joel Marcelo Allende Díaz, ABC Color, 23/08/2004).