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Representações e versões da “Guerra do Paraguai”

IMAGENS DO PASSADO NOS CONFLITOS DO PRESENTE

A CARTOGRAFIA DAS PERDAS TERRITORIAIS

4. Representações e versões da “Guerra do Paraguai”

A guerra entre o Paraguai e os países da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina, Uruguai) (1864- 1870) foi o maior conflito armado entre os Estados nacionais da América do Sul e marcou a difícil inserção dessas nações na história contemporânea (Mota, 1995). A guerra iniciou depois que o Brasil resolveu invadir o Uruguai e depor o governo nacionalista que estaria prejudicando os interesses comerciais e pecuaristas de gaúchos que viviam naquele país. O governo paraguaio rompeu sua neutralidade nas questões diplomáticas da Bacia do Rio da Prata e se posicionou a favor do presidente uruguaio. A estratégia geopolítica do Paraguai era diminuir o peso político e

econômico do Brasil e da Argentina e se constituir como uma nação capaz de equilibrar a balança de poder na região. Para isso necessitava se unir ao Uruguai e às Províncias argentinas dissidentes de Buenos Aires - Corrientes e Entre Rios.

O governo de Solano Lopez declararia guerra ao Brasil caso este invadisse o Uruguai. Com a invasão efetivada, o presidente paraguaio então aprisiona um navio brasileiro, o Marquês de Olinda, e ocupa territórios brasileiros do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. O império ajuda o grupo de oposição no Uruguai a destituir o governo e ocupar a presidência. De rivais no passado, o Brasil e a Argentina se tornam aliados no contexto da invasão brasileira à Republica Uruguaia, pois o governo argentino também estava descontente com as políticas nacionalistas do presidente daquele país. A Argentina, recentemente unificada em 1862, também entra na guerra a favor do Brasil depois que Solano Lopez autoriza suas tropas a cruzarem a Província de Corrientes (Ar) em direção ao Rio Grande do Sul (Br). A nova nação argentina tinha medo do Paraguai influenciar as províncias descontentes com o governo central e provocar então uma nova onda de separatismos internos. Além disso, havia o sonho nacionalista argentino em anexar o território paraguaio e reunificar o antigo Vice-reinado do Rio da Prata sob uma única bandeira nacional.

Os governos do Brasil, Argentina e Uruguai assinaram então o Tratado da Tríplice Aliança em 1865 e declararam guerra ao ditador Solano Lopez. Os aliados primeiramente recuperaram os territórios ocupados pelos exércitos paraguaios em solo brasileiro e argentino e depois entraram naquele país, travando vários conflitos sangrentos como em Tuiuti, Curupaity, Humaitá etc. Após quatro anos de longas batalhas, milhares de mortos61 e de vários erros estratégicos, os aliados saquearam Assunção em 1869 e instalaram o governo provisório62. A guerra estava ganha, mas o império brasileiro só deu por terminada quando os seus soldados mataram Solano Lopez em Cerro Corá em 1 de Março de 1870 (Doratioto, 2002). O país estava arrasado e os aliados poderiam ter anexado todo o território nacional. Mas as novas divergências entre o Brasil e a Argentina em relação aos tratados de fronteiras, bem como o aumento de uma opinião pública internacional contrária à anexação do país, permitiram que o Paraguai continuasse presente nos mapas das nações no final do século XIX.

61 Existem muitas estimativas imprecisas sobre a população paraguaia e o total de mortos na guerra. Para Mota

(1995) a população era de aproximadamente 800 mil habitantes. Morreram cerca de 600 mil. Restou um contingente de 200 mil no final da guerra, dos quais apenas 15 mil eram do sexo masculino.

62 O governo provisório foi formado por adversários do regime lopizta e que viviam exilados na Argentina. Durante a

As guerras simbolizam paradoxalmente momentos singulares de extermínio humano e de expressão máxima de sentimentos e comunhão coletiva. O ódio ao inimigo e o dever “sagrado” de morrer pela pátria afloram nos contextos em que as nações estão em armas. A guerra entre a Tríplice Aliança e o Paraguai ocorreu no cenário de construção dos Estados nacionais na América do Sul e de redefinições das fronteiras territoriais. Muitos soldados brasileiros, argentinos, uruguaios e paraguaios lutaram e morreram em nome de suas respectivas nações e ajudaram a construir símbolos, mitos, heróis, imagens, canções populares e nacionais que continuam presentes nos imaginários nacionais dos quatro países envolvidos na guerra.

A guerra foi um marco, portanto, na construção das identidades nacionais dos países do Cone Sul. No Brasil, o conflito armado e suas conseqüências contribuíram para a formação de uma idéia de nação brasileira diante de tantas pátrias regionais (Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo etc), o fim da escravidão e a própria mudança do regime político (Carvalho, 2002). No Paraguai, a guerra marcou profundamente a construção da nação guarani, principalmente com a criação posterior do herói nacional e da consolidação da língua guarani como uma das principais expressões simbólicas da identidade nacional.

No período dos conflitos armados foram também estabelecidos confrontos ideológicos e simbólicos entre o Brasil e o Paraguai. Os brasileiros se apresentavam como os civilizados que iam libertar os paraguaios da barbárie e da tirania. O projeto de nação brasileira, construído durante o segundo império (1840-1889), espelhava-se na Europa dita civilizada e num distanciamento ou oposição às nações fronteiriças, vistas pela elite imperial como “republiquetas” separatistas, atrasadas e bárbaras. O Paraguai de Solano Lopez seria o exemplo mais puro das representações que essa elite brasileira fazia dos países vizinhos (Alambert, 2000; Capelato, 2000).

Em contrapartida, os paraguaios, durante a guerra, chamavam o Brasil de nação escravocrata, monárquica e agressora e os brasileiros de negros e macacos, visto que o exército contava com um contingente de cerca de 10% de escravos e uma considerável população de mestiços. Os jornais paraguaios costumavam fazer caricaturas dos militares brasileiros. Os soldados, os chefes e o próprio imperador eram representados como macacos. Por sua vez, um periódico brasileiro chegou a desenhar caricaturas de Solano Lopez montado em uma vaca e comandando uma tropa de cachorros.