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FRONTEIRAS EM MOVIMENTO

O SÍMBOLO DA INTEGRAÇAO NA FRONTEIRA BRASIL-PARAGUA

5. Fronteiras e identidades nacionais

Vários estudos mais recentes apontam a fragilidade das interpretações que vêem a fronteira como um lugar periférico em relação ao Estado nacional e como um espaço privilegiado da integração e do hibridismo cultural. Muitas dessas investigações foram influenciadas pela

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Neste sentido, a Província de Missões na Argentina, o nordeste de Corrientes, a margem ocidental do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, Brasil, e o Leste do Paraguai são compreendidos histórico e geograficamente como uma única região que passou por vários processos sociais semelhantes. Primeiramente, como área das missões jesuíticas. Nos séculos XIX e XX ocorreram as frentes extrativistas, especialmente da exploração da erva-mate, e a forte imigração européia, especialmente no Sul do Brasil, em Missões e no departamento de Itapua no Paraguai (Abinzano, 1985; 2004).

discussão de grupos étnicos de Barth (1998). Para o autor, os grupos étnicos não se definem por distintos traços culturais e raciais, mas esses grupos se distinguem a partir da organização política e social e da criação de diferenças culturais no contraste direto com outros grupos sociais. A mobilização política constrói sinais diacríticos e regras morais de inclusão e exclusão social. O intenso contato entre os grupos étnicos não dissolve as diferenças culturais. Pelo contrário, as identidades étnicas se fortalecem na zona de fronteiras. Embora o autor não analise as fronteiras territoriais e simbólicas entre os Estados nacionais, a noção de fortalecimento das fronteiras sociais e simbólicas entre esses grupos inspirou estudos específicos nas fronteiras nacionais.

Alguns trabalhos históricos e antropológicos se centram no papel do Estado e dos agentes locais fronteiriços na construção e redefinições das identidades nacionais, regionais e locais. A idéia é pensar a periferia como centro e a identidade nacional se firmando através da relação cotidiana com outras nações. O Estado nacional constrói os limites políticos e os agentes locais criam variados sentidos para esse limite estatal e criam outras fronteiras culturais (Sahlins, 2000; Lask, 2000; Wilson, 2000; Río, 1998 ).

O estudo histórico de Sahlins (2000) sobre a construção da fronteira entre a nação francesa e espanhola na comunidade fronteiriça de Cerdanya, nos Pirineus, se tornou em um trabalho de referência sobre a maneira como os agentes locais constroem e demarcam os limites nacionais. A linha divisória entre os dois Estados só foi estabelecida em 1868 e dividiu ao meio uma mesma comunidade de camponeses que mantém tradições, língua e memórias em comum. Aparentemente poderíamos achar que nesta comunidade não existia fronteira e que a divisão oficial se constituiu só como uma abstração nos mapas e que a integração era perfeita nesta comunidade de mesma origem. Na verdade, os agentes locais demarcam as fronteiras que separam espanhóis e franceses e se identificam a todo instante pela classificação nacional e ao mesmo tempo mantêm o sentido comum de pertença ao lugar. Desta forma, a identidade nacional passa a ser um mecanismo de identificação predominante neste contexto fronteiriço, pois os conflitos no interior da aldeia são “nacionalizados” e se configuram entre indivíduos pertencentes à França ou à Espanha. A nação, portanto, não é somente uma construção do centro para a periferia. A fronteira como um espaço periférico se torna central na configuração das identidades nacionais: “o processo de construção do Estado e da nação se tornou dramaticamente ressaltado

nas terras fronteiriças, onde cada Estado tentou articular seu território e sua identidade em oposição ao outro” (Sahlins, 2000, p. 42).

Trabalhos atuais sobre a fronteira México - Estados Unidos têm criticado a visão do hibridismo e integração cultural. Esses estudos percebem que as identidades mexicana e norte- americana se fortalecem nas zonas de fronteira e o papel do Estado se amplia através de controles fronteiriços. Para estes estudos críticos, a fronteira não se caracteriza apenas pela metáfora do

cruzador de fronteiras (fluxos e misturas culturais), mas também pela do reforçador de fronteiras (fortalecimento das identidades nacionais). Se pensarmos no fenômeno da imigração ilegal nesta

fronteira, os controles são distintos em direção aos Estados Unidos e ao México (Vila, 2000). O que existem são processos simultâneos e contraditórios de mistura cultural e de afirmação de identidades nacionais e preconceitos mútuos.

Por um lado, o cenário da fronteira entre Tijuana (Mex) e San Diego (Usa) aparece como um lugar privilegiado do cosmopolitismo e como laboratório da denominada pós- modernidade: pessoas de várias nacionalidades falando muitas línguas, os indivíduos assumindo as mais distintas identidades situacionais, os simulacros das pirâmides do Sul do México sendo visitadas pelos norte-americanos etc. Por outro lado, não desaparecem as discussões de identidade, de defesa da soberania nacional, as desigualdades de apropriação de saber e poder dos dois lados do limite internacional, as discriminações na escola e no trabalho e os conflitos e agressões aos imigrantes recém-chegados (Canclini, 2000).

Inspirados nestes autores que refletem sobre as fronteiras atuais na Europa e sobre a fronteira México e Estados Unidos, antropólogos do Cone Sul, principalmente argentinos, têm realizado várias etnografias nas regiões de fronteira entre a Argentina, o Brasil, o Chile, a Bolívia e o Paraguai. Essas pesquisas etnográficas são bastante variadas, mas geralmente estudam a linha de fronteira a partir de um lugar privilegiado: o comércio fronteiriço, as pontes internacionais, as barreiras alfandegárias ou os grupos indígenas etc. O que há de comum é a tentativa de pensar a tensão entre nação e processos de integração supranacionais (Grimson, 2003; Karasik, 2000; Vidal, 2000).

Nesta perspectiva, vale destacar o estudo de Grimson (2003) sobre os movimentos de fronteirização e nacionalização entre Uruguaiana (Br) e Paso de los Libres (Ar). O autor tentou compreender o processo de construção da nação a partir da articulação entre forças estatais de ocupação e domínio do território nacional desde o século XIX (militares, funcionários das alfândegas e professores de escolas básicas) e os agentes locais (tropeiros, posseiros, gaúchos, mercadores etc) nessa linha de fronteira especifica entre o Brasil e a Argentina. A consolidação

da nação na fronteira não foi produto do capitalismo de imprensa, responsável pela construção de uma comunidade imaginada, como afirma Anderson (1993). As informações dos principais centros brasileiros não chegavam nessa zona fronteiriça durante o século XIX e inicio do século XX. Na verdade, os agentes do Estado antecederam o capitalismo de imprensa em três décadas nesse contexto fronteiriço e foram fundamentais para o processo de nacionalização.

Nesse longo caminho de construção nacional, as identificações nacionais se transformaram bastante. Até meados do século XX, os argentinos viam os brasileiros como pobres, negros e inferiores, enquanto que estes viam os argentinos como brancos e europeus. Atualmente, os argentinos oscilam entre expressar admiração pelo progresso dos seus vizinhos e reforçar antigos preconceitos. Já os brasileiros tendem a ver os correntinos (Província de Corrientes) como pobres, não europeus e semelhantes aos nordestinos brasileiros. Essas imagens atuais são reforçadas no contexto cotidiano do comércio fronteiriço e dos controles alfandegários (Grimson; 2003). Embora o autor não tenha aprofundado essa perspectiva em seu estudo, os indícios apontados sobre a mudança de poder entre os dois países e as construções de estereótipos sobre o “outro” nas zonas de fronteiras será bastante útil na minha abordagem sobre as fronteiras

em movimento entre o Brasil e o Paraguai.

Os trabalhos etnográficos e históricos em zonas fronteiriças demonstram uma variedade de perspectivas e de inovação na maneira como abordam a temática das fronteiras nos cenários atuais de integração regional. Estes estudos não reproduzem os discursos apologéticos da integração e focalizam as tensões principais que acontecem em várias situações de fronteiras: globalização e nacionalismo, nação e região e etnia e nação. Muitas destas tensões serão retomadas ao longo do meu trabalho. As fronteiras argentinas são as mais estudadas no contexto do Mercosul. Infelizmente existem poucos estudos semelhantes nas várias situações de fronteira do Brasil com os países vizinhos20.

Embora esses trabalhos já discutam a fronteira como um espaço de tensão e contradição entre o “cruzador de fronteiras” e o “reforçador de fronteiras”, eles estão centrados em fenômenos que acontecem nas zonas fronteiriças próximas ao limite político. Não estão pensando os processos migratórios e as novas formas de frentes de expansão de um país no

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Nesta perspectiva dos estudos fronteiriços, conheço trabalhos sobre os índios na fronteira entre Colômbia, Peru e Brasil (Garcés, 2003; Botía, 2003) e estudos sobre os “brasiguaios” na fronteira Brasil e Paraguai (Sprandel, 1992).

interior de outro. A relação entre frente de expansão e migração fronteiriça se constitui na minha abordagem específica sobre as fronteiras nacionais, formulada a partir da imigração brasileira em território paraguaio. O conceito de fronteiras em movimento congrega as tensões culturais e simbólicas, discutidas anteriormente, e acrescenta as dimensões geopolítica, econômica e civilizacional das denominadas frentes de expansão.