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LOCALIZAÇÃO E REPRESENTAÇÃO DO PAÍS-BANDIDO

FRONTEIRAS EM MOVIMENTO

LOCALIZAÇÃO E REPRESENTAÇÃO DO PAÍS-BANDIDO

Fonte: Capa do livro país-bandido, Wagner (2003).

Uma foto em preto e branco. Um lugar abandonado. Várias cruzes simbolizando a morte e os marcos da divisa desse “país-bandido”. Acima, um pequeno mapa dessa “nação” que faz fronteira com a Argentina, Brasil e Paraguai. A maior parte de seu território está em uma ampla faixa de fronteira entre os Estados brasileiro e paraguaio, envolvendo a região da “Tríplice

fronteira”, da “fronteira seca” e uma área de colonização brasileira no interior do Paraguai. Conforme o autor, nessas regiões existem amplas fazendas onde se planta e comercializa maconha, geralmente são propriedades gerenciadas por traficantes brasileiros.

Durante todo o livro, descreve as principais atividades econômicas do “país-bandido”: o contrabando, a pirataria, plantio e exportação de maconha, roubos e furtos de carros e celulares, o comércio ilegal de cigarros, o tráfico de armas etc. Para o autor, os heróis nacionais desse país são os “bandidos”, a autoridade é o “cano de revólver” e o principal produto de exportação é a ”violência”.

Todas essas informações sobre a fronteira Brasil-Paraguai produzem generalizações e reforçam estigmas. As representações não significam ilusões ou mentiras construídas sobre uma realidade social verdadeira e concreta. Elas são parte da realidade social, são produções simbólicas repletas de significados. Essas representações estão associadas ao fenômeno da generalização e cristalização da pior ou da melhor parte de uma determinada configuração social (Elias, 2000). Desta forma, os jornalistas são provavelmente os principais responsáveis pela acentuação dessa imagem estigmatizada da fronteira Brasil-Paraguai.

As fronteiras nacionais são fenômenos bem mais complexos, não se resumem a limites, divisas, tratados diplomáticos, nem podem ser simplificados como o lugar do narcotráfico e do contrabando. A realidade fronteiriça não é tão simples como os limites estabelecidos nos mapas e nem se resume a um “problema social” de violência e tráfico de drogas. Não existe a fronteira em abstrato, o que existem são situações sociais e singulares de fronteiras, alguns fenômenos podem ser generalizados para outros contextos fronteiriços e outros são específicos de uma dada configuração social.

No meu trabalho, as fronteiras são fenômenos sociais, plurais e dinâmicos. A imigração brasileira no Paraguai produz uma pluralidade de fronteiras (políticas, jurídicas, econômicas, culturais e simbólicas) em relação à sociedade paraguaia. Essas fronteiras não são estáticas, mas estão em constante movimento de redefinição e negociação. Uma análise crítica das fronteiras como fenômenos sociais singulares de integração e hibridismo cultural se constitui em um ponto de partida importante para a construção do conceito das fronteiras em movimento.

4. As fronteiras como lugares de integração e de hibridismo cultural

O aumento dos estudos sobre as fronteiras nacionais como um campo singular de relações sociais está relacionado com os atuais processos de globalização e de redefinição do papel das fronteiras entre os Estados nacionais. A fronteira política é geralmente percebida no cenário atual como o lugar de passagem, de contato e como espaço privilegiado para integração entre as nações. “A fronteira deixa de ser linha, limite, finitude, o lugar da diferença (...). Torna-

se aberta, porosa, exemplo de integração e da aproximação” (Schaffer, 1995).

A idéia de integração está presente no recorrente discurso em nome da identidade latino-americana e nas declarações de políticos, diplomatas e comerciantes envolvidos com a integração econômica do Mercosul. A utopia da integração se transforma num pressuposto inquestionável, pois todos estão a favor e só se discute a forma de efetivá-la. A ideologia integracionista produz, portanto, um olhar parcial sobre a história e as regiões fronteiriças. Os estudos históricos agora não priorizam mais os conflitos, rivalidades e disputas de poder entre os países do Cone Sul, mas a atenção se volta para os processos comuns que ocorrem na região de fronteiras.

As fronteiras deixam de ser analisadas na perspectiva da geopolítica e passam a ser vistas como espaços privilegiados de integração social, econômica e cultural. Elas são representadas como regiões periféricas dos centros decisórios dos Estados nacionais e por causa do abandono, as populações locais desenvolvem estratégias de sobrevivência e mantêm fortes contatos entre si, antecipando práticas de integração antes da formação de mercados ou comunidades comuns (Padrós, 2003).

Nessa perspectiva integracionista existem três linhas de pesquisa que estão relacionadas: 1) trabalhos sobre o hibridismo cultural na zona da fronteiras México-Estados Unidos como um paradigma para as demais fronteiras; 2) investigações mais normativas sobre integração das cidades fronteiriças, legislações comuns para os trabalhadores fronteiriços; 3) estudos sobre a região de fronteira como uma formação social internacional e singular em relação aos Estados nacionais.

A primeira corrente está bastante influenciada pelo pensamento que critica a idéia do Estado nacional como detentor de uma cultura homogênea e centraliza na reflexão dos fluxos, fronteiras, “entre-lugares” e hibridismo cultural (Hannerz, 1997). A zona fronteiriça México-

Estados Unidos se caracteriza por uma mescla de culturas e de identidades, principalmente no que diz respeito à cultura e à literatura chicana17. “La frontera es una gramática abierta, um texto

inconcluso que se elabora desde múltiples miradas y acepta muchas lecturas” (Arce, 2000). Os

limites políticos não correspondem aos limites culturais. As fronteiras entre países são espaços de trocas e de fragmentações culturais. Embora algumas análises percebam os conflitos e barreiras que se estruturam nestes espaços fronteiriços, a ênfase fundamental é no hibridismo cultural e na idéia metafórica da fronteira como lugar poroso e de intensos cruzamentos (Anzaldúa, 1987; Arce, 2000; Lugo, 2003).

Os estudos culturais (literários, antropológicos, comunicacionais) sobre as zonas de fronteiras no Mercosul também enfatizam o hibridismo cultural e buscam investigar práticas culturais comuns que se misturam nos espaços fronteiriços: o gaucho/gaúcho, o “portuñol”, a “identidade fronteiriça”, os símbolos de integração nas cidades gêmeas18 ou transfronteiriças. O pressuposto teórico de ver a fronteira como o lugar de passagem e de interação termina obscurecendo os próprios dados empíricos de algumas pesquisas que apontam a existência de conflitos e rivalidades históricas. Esta dimensão da fronteira é apresentada como algo passageiro, resquícios do passado de disputas territoriais e bastante secundário e residual, pois o que predominam são as relações integracionistas (Martins, 2002; Quant, 1994).

Existem pesquisas que visam propor soluções políticas e jurídicas para uma maior integração das zonas de fronteiras. Essas investigações geralmente propõem alternativas para uma melhor junção dos setores subalternos dessas sociedades que formam o Mercosul. Neste sentido, discutem a livre circulação de trabalhadores, a criação de uma legislação específica para o cidadão fronteiriço, a instituição nas escolas do bilingüismo, projetos turísticos de integração entre cidades fronteiriças etc. Há uma redefinição de conceitos e uma criação de novas categorias para demonstrar que a fronteira é um espaço privilegiado e antecipador da integração: espaço fronteiriço, zona de influência, integração fronteiriça, comunidade e identidade fronteiriças ou comunidade transfronteiriça (Padrós, 2003; Quant, 1994; Becker, 1994).

17 Os chicanos são os descendentes de imigrantes mexicanos que já nasceram nos Estados Unidos. Eles têm a

cidadania americana e cultivam elementos híbridos das culturas mexicana e americana.

18 As cidades gêmeas são aquelas localidades de fronteira seca (sem rio ou lago) em que somente uma rua ou avenida

dividem as cidades e os países. Na fronteira entre o Uruguai e o Brasil, existem as cidades de Chui-Chuy e Santana do Livramento-Rivera, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai a mais conhecida é Ponta Porã- Pedro Juan Caballero.