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IMAGENS DO PASSADO NOS CONFLITOS DO PRESENTE

EMBLEMA OFICIAL DE NARANJAL-ALTO PARANÁ (PY)

6. Representações sobre o Brasil e o Paragua

Os imigrantes costumam sempre comparar o Brasil com o Paraguai, geralmente enaltecem a grandeza territorial e a riqueza econômica do seu país de origem e vêem a nação de destino como um Estado pequeno, atrasado e corrupto. Mas também criticam a política de altos impostos, as desigualdades sociais e a violência na nação brasileira e elogiam os poucos tributos, o desenvolvimento agrícola no país vizinho e a tranqüilidade nas pequenas cidades colonizadas pelos imigrantes.

Por sua vez, os paraguaios também criam imagens diferentes sobre seu próprio país e sobre a nação vizinha. Os setores críticos geralmente constroem uma representação negativa tanto do Brasil como do Paraguai. Eles vêem o Estado brasileiro como “expansionista” e “imperialista” e a república paraguaia como “corrupta”, “sem lei”, “pobre” e “sem soberania”. Os grupos sociais e políticos que elogiam a imigração brasileira tendem a ver a nação brasileira como uma potência econômica e cultural na América Latina e o Paraguai se tornaria um país desenvolvido e sem corrupção se seguisse o caminho do “vizinho mais poderoso”.

O contato com um país menos desenvolvido que o Brasil gera nos imigrantes brasileiros um sentimento de superioridade e de valorização do seu país de origem. Como assistem diariamente aos canais brasileiros, as reportagens que falam do desempenho industrial ou agrícola desta nação servem para produção de comentários do tipo: “esse é um país do

primeiro mundo” ou “falta pouco para o Brasil ser um país desenvolvido”, muito diferente da situação subdesenvolvida do Paraguai. Os imigrantes se apresentam como portadores do aprendizado agrícola e comercial de um país mais desenvolvido. Sua “missão” é, portanto, implementar uma cultura agrícola de um país mais “adiantado” em uma nação “atrasada” para que esta possa se desenvolver.

O Brasil hoje é um país mais desenvolvido, é outra realidade diferente. Então eles acham que de certa forma deveria implantar alguma coisa de um país que tem um desenvolvimento maior dentro de um país menor. Eles primeiro vieram com a idéia já de implantar uma outra cultura dentro do país. (Sérgio Kempf, líder do movimento jovem da Congregação Scalabrini, 19/11/2004).

Os imigrantes às vezes comparam o desenvolvimento, limpeza e organização das cidades brasileiras com a desorganização, sujeira e pobreza dos municípios paraguaios. Novamente afirmam que só os imigrantes têm exemplos de “coisas enormes” no Brasil e que estes vêm ao Paraguai determinados a criarem espaços urbanos modernos e progressistas como modelos das cidades brasileiras. Para eles, os paraguaios não conhecem uma estrutura urbana bem desenvolvida e não têm visão de progresso.

A visão positiva que os imigrantes fazem do país em que estão vivendo é uma espécie de auto-imagem no espelho do outro, ou seja, vêem o Paraguai como uma potência no mercado da soja transgênica e no plantio direto, graças ao desempenho dos imigrantes que controlam cerca de 70% da soja daquele país.

Hoje o Paraguai é o que é por causa dos imigrantes, senão o Paraguai não seria esta potência que ele é enquanto soja e em vários outros aspectos diferentes. Então lógico, o imigrante vem com uma cultura diferente, com uma idéia diferente, mas isso é para o

bem da humanidade, é para o crescimento, para o desenvolvimento (...).O

conhecimento que ele tem é conhecimento de paises do primeiro mundo e que muitas vezes vai chegar aqui não sabemos quando, tanto na parte da saúde, como na parte de conhecimento, como na parte de plantação. Para você ver hoje o país, o Paraguai do jeito que é, não tem um desenvolvimento e tudo, e é o único país do mundo que tem 88% de plantio direto e isso é porque têm descendentes de outros países que vêm aqui e implantaram, isso se não fosse os imigrantes isso não teria acontecido (Sérgio Kempf, líder do movimento jovem da Congregação Scalabrini, 19/11/2004).

Uma outra referência muito positiva que fazem ao Paraguai é no tocante aos baixos impostos pagos nos vários setores da economia. Eles contrastam com os altos tributos no Brasil e

apontam como um dos motivos de terem ido para aquele país. Como comenta o prefeito da cidade de Naranjal, “o povo aqui tem uma ‘mala’(mal) costume, e eu falo mesmo isso, de sempre

se comparar com o Brasil, há porque no Brasil tem asfalto para todo lado, há lá usa assim, vá lá ver o tanto que você paga de imposto, lá você vende um porco está pagando imposto, aqui não, aqui é livre” (César Padoin, Prefeito de Naranjal, 19/11/2004).

Os imigrantes elogiam o Paraguai no seu aspecto climático e na riqueza da terra. Eles chegam a utilizar a expressão que é ‘um país em que o mel e leite fluem” e tudo que se planta se colhe devido à fertilidade do solo. Mas a riqueza natural contrasta com a pobreza social e a corrupção administrativa. “O Paraguai é uns dos países para se viver melhor, acho que pelo

clima, as condições da terra e tudo devia ser uma pequena Europa assim na América Latina, só que a administração não convém com isso (Lauro, padre da Congregação Scalabrini,

17/11/2004).

Contudo, o Paraguai é visto principalmente como um país corrupto, reino da informalidade e da irregularidade, onde se paga propina para tudo. O atual prefeito de Naranjal lamenta a falta de organização política da sociedade paraguaia e a presença do clientelismo e da corrupção em todos os níveis administrativos do país. Existiria um problema “endêmico” de corrupção e de falta de meios eficientes para combatê-la: “tem que saber que o Paraguai é, até

ele dar a volta na moeda, ele é um paisinho bem caprichadinho, entende? Uma árvore quando está torcida para endireitar, endireita, mas custa” (César Padoin, Prefeito de Naranjal,

19/11/2004).

Os paraguaios, por sua vez, também constroem representações variadas sobre o Brasil e o Paraguai. Assim tanto existem setores sociais que criticam o Brasil como um país “expansionista” e “imperialista”, principalmente aqueles que estão envolvidos mais diretamente na luta camponesa contra a “invasão brasileira”, como aqueles que admiram a nação brasileira como uma potência sul-americana.

Os setores críticos à presença brasileira afirmam que o seu país se encontra “espremido” economicamente entre o Brasil e a Argentina e altamente dependente destas duas nações. A concepção que as lideranças camponesas e estudantis fazem é que o Estado brasileiro está se consolidando como potência na América Latina e que países como o Uruguai e o Paraguai são bastante prejudicados e menosprezados no contexto do Mercosul.

Nosotros tenemos definido el Brasil como potencia, ya está implementando, trabajando como potencia en Sudamérica y tiene una posición clara a cerca de los países imperialistas. Está se estableciendo como un país y como potencia, y esto definitivamente trae consecuencia negativa a los países que están aledaños que son más o menos desarrollados, como Paraguay por ejemplo. Vamos hablar del tema del MERCOSUR, como Brasil e Argentina son mucho más superiores en toda la producción en relación a Paraguay, nosotros no tenemos posibilidad con Brasil o con Argentina, más con Brasil. Nosotros definimos como una política de expansión del Brasil, que tiene un desarrollo más superior a nuestro país, y si entramos en una política de competencia obviamente iremos perder como país, siempre seguiremos perdiendo en cuanto al Mercosur (Marcial Gómez, líder camponês da FNC, 26/10/2004).

A posição do Paraguai em relação ao Mercosul é bastante ambígua e se reflete inclusive nos motivos da aprovação da lei de segurança fronteiriça, como já discuti no terceiro capitulo. Por um lado, o país se vê explorado e dependente do jogo político e econômico de seus dois “vizinhos mais poderosos” e como reação desenvolvem discursos e práticas políticas bastante nacionalistas. Por outro lado, o fato de pertencer ao Mercosul possibilita um status internacional melhor e uma maior credibilidade para firmar contratos comerciais com outros países.

Os setores que vêem com admiração a presença brasileira no Paraguai também denominam o Brasil como uma potência na região. Não percebem como uma nação imperialista com interesses de dominar e explorar os países mais pobres, mas como um exemplo bem sucedido a ser seguido.

Porque el Brasil es una potencia, quiera o no. Brasil es una potencia en Sudamérica. A Brasil falta poco para que sea Estados Unidos, para que sea los yangues aquí en América (...) Piense que tiene el Brasil: tiene millones de kilómetros cuadrados, tiene océano por todos los lados, tiene costa por todos los lados, tiene mineral, visto que el petróleo de Brasil es autosuficiente, casi para todo. Brasil es un de los pocos países del mundo que inviste muchísimo en la educación de su gente, en la preparación de su gente (Adilio Ramírez, diretor escolar, 17/01/2004).

Essa representação do Brasil como um país “rico e poderoso” já era divulgada pelos partidários da ditadura de Stroessner. A fala de um prefeito paraguaio no contexto da construção de Itaipu ajuda a compreender o fascínio que alguns setores políticos no Paraguai tinha em relação à “grande potência” brasileira da década de 1970: “o Paraguai precisa desenvolver-se e o

os padrões latino-americanos e, diferentemente da Argentina no passado, ele pode ajudar no desejado desenvolvimento paraguaio (Prefeito do Partido Colorado no Paraguai apud Menezes, 1987, p. 24)

Os setores críticos geralmente constroem imagens negativas tanto do Brasil como também em relação ao seu próprio país. Desta forma, o Paraguai é visto como uma nação onde as leis não são cumpridas, desordenada socialmente e economicamente, sem controle de fronteiras e bastante corrupta: “Paraguay es un pais muy desordenado en todo los sentidos, econômico,

político, social, productivo, no hay una planificación de una ley que regula, que planifica entonces la zona de producción (Luis Aguayo, líder camponês da MCNOC, 26/10/2004).

As representações valorativas - positivas e negativas - que os imigrantes e os paraguaios fazem dos dois países servem para demonstrar as relações de poder que existem por detrás da configuração imigrantes “trabalhadores”, “progressistas”, “desenvolvimentistas” e paraguaios “preguiçosos”, ‘pobres”, “atrasados”. Apesar das diferentes concepções, predomina entre imigrantes e paraguaios a imagem do Brasil como país mais desenvolvido e o Paraguai como país atrasado e corrupto.

A própria desigualdade do desenvolvimento regional brasileiro contribui para consolidação deste desequilíbrio de poder entre o Brasil e o Paraguai. A região Sul do Brasil tem um desenvolvimento industrial e agrícola bastante acentuado em relação ao Norte, Nordeste e Centro Oeste brasileiros e é justamente esta região que faz fronteira com o Uruguai, a Argentina e parte do Paraguai. Os estados do Sul são os mais visitados por paraguaios, uruguaios e argentinos e de onde vem a maioria dos imigrantes brasileiros que vive no Paraguai. A imagem que brasileiros e paraguaios generaliza do Brasil é principalmente da região Sul.

O Paraguai faz fronteira também com o Mato Grosso do Sul, região Centro-Oeste do Brasil. Os paraguaios que vivem em Salto de Guairá, na divisa entre o Paraguai, Paraná e Mato Grosso do Sul conseguem estabelecer algumas diferenças no interior do Brasil, ou seja, não têm uma imagem homogênea do país vizinho. O jornalista Rosendo Duarte comenta que os paraguaios de Salto de Guairá admiram o progresso e desenvolvimento do Paraná e percebem uma maior pobreza no Mato Grosso do Sul. Entretanto, identificam-se mais culturalmente com os habitantes desse último estado por causa da influência da cultura guarani e dos fluxos migratórios dos “brasiguaios” e dos paraguaios para esse estado brasileiro (Rosendo Duarte, jornalista, 15/03/2005).

As representações são influenciadas pelas relações de poder entre o país de origem e o de destino dos imigrantes. Como o Brasil relativamente tem um poder econômico maior que o Paraguai, os imigrantes brasileiros tendem a se considerar superiores e portadores do desenvolvimento. Da mesma forma, na fronteira entre o estado do Acre e o departamento de Pando, na Bolívia, os seringueiros brasileiros se apresentam como superiores em relação aos trabalhadores bolivianos e afirmam que os “bolivianos são preguiçosos, incapazes de plantar, de

cortar seringa... e que bons são eles, os trabalhadores” (Esteves, 2003, p.112).

Vale ressaltar que as imagens que os bolivianos constroem do Brasil e dos brasileiros podem ser diferente das representações construídas pelos uruguaios, argentinos e paraguaios. Os bolivianos que vivem em áreas de fronteira com o Brasil conhecem a sociedade brasileira principalmente a partir das regiões Norte e Centro-Oeste, enquanto que os vizinhos do Mercosul vêem o Brasil a partir da região Sul. A nação brasileira é vista pelos habitantes fronteiriços dos países vizinhos geralmente através do espelho da região de contato. A imagem da região às vezes é generalizada para toda a nação. É provável que apesar das diferenças regionais, os brasileiros se definem geralmente como “superiores” na relação direta com os cidadãos da maioria dos países fronteiriços.

As imagens são invertidas quando comparamos com a imigração brasileira nos Estados Unidos. Naquele país, os imigrantes brasileiros geralmente são vistos como latinos, pobres, poucos civilizados, fazem parte do pólo dominado do campo de força internacional (Beserra, 2004). As representações consideradas positivas ou negativas, construídas nos processos migratórios, são também produto de uma hierarquia de poder entre as nações de origem e de destino dos imigrantes.

Os estigmas produzidos na relação entre imigrantes e povo paraguaio estão geralmente associados ao diferencial de poder entre o Brasil e o Paraguai na região do Prata e ao choque entre uma cultura ocidental de mentalidade capitalista e as culturas camponesas e indígenas locais. Nesse contexto de disputas de poder e de concepções de mundo, os termos pejorativos funcionam como uma linguagem simbólica que remetem às rivalidades mais amplas.

As imagens construídas do Brasil e do Paraguai no contexto migratório atual são fruto de uma história mais longa de relações tensas entre estes dois países, como analisei no capítulo anterior. A auto-imagem de muitos imigrantes brasileiros como pertencentes a um país mais desenvolvido e civilizado, capaz de ensinar aos “inferiores” os valores superiores do