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A IMIGRAÇAO BRASILEIRA NO PARAGUA

IDIOMAS NO PARAGUAI POR ÁREA DE RESIDÊNCIA

Idioma Total Área de residência

Urbana Rural Urbana % Rural %

Guarani 3.946.904 2.165.630 1.781.274 54,9 45,1 Espanhol 3.170.812 2.285.301 885.511 72,1 27,9 Português 326.496 205.977 120.519 63,1 36,9 Inglês 91.573 87.503 4.070 95,6 4,4 Alemão 59.166 22.758 36.408 38,5 61,5 Outro idioma 31.673 26.344 5.329 83,2 16,8 Idioma indígena 59.125 5.964 53.161 10,1 89,9

Guarani e espanhol 2.655.423 1.862.561 792.862 70,1 29,9

Espanhol e português 264.706 191.338 73.368 72,3 27,7

Guarani e português 196. 716 157.830 38.886 80,2 19,8

Não informado 9.574 5.345 4.229 55,8 44,2

Fonte: Censo Nacional de Población y Viviendas del Paraguay, 2004.

O espanhol é o idioma mais falado no meio urbano, supera o guarani por uma pequena margem de diferença (119.671), já o guarani é amplamente majoritário no espaço rural, tendo duas vezes mais falantes do que o espanhol. O país é predominantemente bilíngüe, visto que 2. 655.423 de pessoas falam os dois idiomas. Todavia, mais de 1 milhão de habitantes falam somente guarani, enquanto cerca de 500.000 falam somente o espanhol ou também outra língua presente no país, como o português, o inglês ou alemão. O alemão é falado fundamentalmente nas colônias menonitas e o inglês é mais praticado na capital.

O português está atualmente mais presente na zona urbana do que no meio rural. As pessoas que falam o português e o espanhol somam 264.706, enquanto que 196.716 habitantes se expressam em guarani e em português. Na totalidade do país, a importância do português ainda é bastante restrita, mas nos departamentos fronteiriços de forte imigração brasileira, percebe-se o grau de influência desse idioma. O português é a segunda língua mais importante na zona rural do departamento do Alto Paraná e em todo o departamento de Canindeyú42. Conforme pesquisa de Zuccolillo (2000), 41% da população de Canindeyú não fala nenhuma das duas línguas oficiais, ou seja, a língua portuguesa já é falada por mais de um terço dos habitantes daquele departamento fronteiriço (Zuccolillo, 2000).

O português é a língua predominante nas interações sociais que ocorrem nos bares, nas festas e nos intervalos das aulas nos municípios colonizados por imigrantes brasileiros. Na escola é obrigatório o estudo do espanhol e do guarani, porém os filhos de brasileiros, ao saírem da sala de aula, se comunicam em português. No relato do jornalista André Colmán aparece a forte influência do português na cidade de Katuete:

42 Na zona rural do Alto Paraná 23.832 falam guarani, 11.386 se comunicam em português e somente 3.222 em

espanhol. Em Canindeyú, 17.355 se expressam em guarani, 7.766 em português e 2.835 em espanhol (Paraguay, 2002).

Son las 21:35 de un miércoles cuando llegamos a la ciudad de Katuete, departamento de Canindeyú, a casi 400 km de Asunción. Hay poca gente en las calles. Frente a un bar, varios jóvenes toman cerveza y conversan animadamente. Nos acercamos hasta ellos con el móvil de Última Hora para preguntar cómo se llega en la casa de un poblador del lugar.

_ Nde, socio! –le dice el chofer a un de los jóvenes- Ikatu pio aporandumi ndeve peteî mba’e?

El joven se acerca con un gesto amable pero incómodo:

__ Desculpa... mas eu não compreendo guarani. Você não sabe falar em português? Pregunta.

El chofer, con una actitud algo maliciosa, le reprocha:

_ No, mi amigo. Yo no hablo portugués, sino guarani. Por qué? Acaso aquí no es Paraguay?

El joven responde con una sonrisa:

_ Sim, claro. Aqui é Paraguai, mas você tem que falar em português. De outro jeito não dá pra entender, porque aqui tá cheio de brasileiros (Gutiérrez, 22/9/2003)

Os próprios paraguaios necessitam aprender português para conseguir emprego no comércio local, pois têm que atender aos clientes na língua portuguesa. As músicas tocadas nos bares e nos carros de som são predominantemente brasileiras e os grupos musicais que vão tocar nos bailes são contratados no Brasil. Nas festas da Exposoja, que ocorrem nestas localidades, predomina a cultura brasileira, do idioma à culinária. As danças brasileiras e especialmente gaúchas são divulgadas e apreciadas nos Centros de Tradições Gaúchas (CTG) que existem em algumas cidades. Os letreiros das lojas, os cartazes e placas estavam predominantemente em espanhol nas cidades visitadas, mas existem municípios em que os anúncios de muitas lojas e lanchonetes continuam em português ou em “portuñol” (português com espanhol) ou ainda nas três línguas (português, espanhol e guarani). Há alguns anos atrás, os cartazes e propagandas estavam praticamente todos em português. Isso tem mudado nos últimos anos.

Os meios de comunicação, principalmente a TV brasileira, reforçam a presença do português nestas regiões nos últimos 15 anos. Antes esses “pioneiros” estavam mais isolados dos dois países. Não existiam estradas asfaltadas para aquelas colônias de imigrantes e nem chegavam os sinais das televisões brasileiras e paraguaias. As estradas asfaltadas e a compra de antenas parabólicas durante a década de 1990 aproximaram esses imigrantes do Brasil. Atualmente, quase todos os imigrantes brasileiros conseguem antenas parabólicas. Portanto, é a imagem do Brasil que está presente no cotidiano destes moradores fronteiriços. Embora os jovens e as crianças estudem espanhol, história e geografia paraguaia na escola, suas referências cotidianas são emitidas do Brasil via satélite. Essa influência não está restrita aos brasileiros,

como os sinais das televisões de Assunção não chegam nestas localidades, os paraguaios passam então a assistir os canais brasileiros e aprendem a língua portuguesa.

A televisão brasileira predomina em toda a faixa de fronteira, inclusive na capital do departamento do Alto Paraná, Cidade do Leste. Conforme uma pesquisa realizada nesta cidade,

77% dos entrevistados deixam de assistir aos programas das emissoras nacionais para assistir à

programação do Brasil. Os ídolos são principalmente brasileiros e os jovens imitam costumes e modos de vida do país vizinho. O SBT lidera com 53%, seguido da Globo com 32% (Konig, 15/01/2004). Portanto, em alguns casos há paraguaios que falam o guarani e o português, visto que esta região do interior tem uma grande influência do guarani e não do castelhano.

As rádios locais também ajudam bastante na divulgação da cultura brasileira. Várias rádios pertencem de fato aos imigrantes brasileiros, embora estejam no nome dos filhos que nasceram no Paraguai ou de paraguaios “legítimos”, visto que a lei de telecomunicações não permite aos estrangeiros possuírem meios de comunicação no território nacional. Outras rádios pertencem a empresários paraguaios ou às igrejas evangélicas e católicas controladas por imigrantes. A maioria da programação, das músicas tocadas e das propagandas destas rádios se encontra em português, como neste convite de festa em uma rádio do município de San Alberto- Alto Paraná:

Atenção ai, sensacional festa da virgem de Caacupé, tradicional festa do chop, acontece próximo dia 6 de dezembro na colônia 8, na vila Magali. A programação é a seguinte: às 8:00 horas haverá um culto, às 9:00 horas um amistoso de futebol suíço, ao meio dia almoço com churrasco, saladas e bebidas, as 13:30 início da prova de gelocross com as categorias de 180 e 200 semi-entradas, participação de grupos paraguaios e brasileiros, às 14:30 haverá uma grandiosa rifa, às 18: 30 inicio do baile com a animação da banda Matebaile (Programa em português na Radio Pioneiro em San Alberto- Alto Paraná- Paraguai em 24/11/2004. Essa rádio é de Romildo Maia, ex-prefeito do município e tio da atual prefeita).

Os anunciantes e os donos das rádios afirmam que se a programação for somente em espanhol ou guarani não tem audiência. Se quiser audiência tem que se comunicar em português, tocar música sertaneja e gaúcha. Além das rádios locais (legalizadas, comunitárias ou “piratas”), os brasileiros também escutam rádios diretamente do Brasil, como a potente rádio Itaipu, de Foz do Iguaçu.

A língua portuguesa está presente ainda em vários cultos das igrejas evangélicas e em algumas missas da igreja católica nestas localidades de predominância de brasileiros. As

igrejas são geralmente construídas com dinheiro desses imigrantes e os padres e pastores vêm predominantemente do Brasil. No caso da região ao sul de Cidade do Leste (Santa Rita, Santa Rosa, Naranjal etc), a Congregação Católica Scalabriniana está presente desde a década de 1970. Esse grupo foi fundado na Itália no final do século XIX e tem forte influência nas regiões de imigração italiana como o sul do Brasil e a Argentina. Ao norte de Cidade do Leste (San Alberto, Mbaracayu, Katuete etc) está mais presente a Congregação Verbo Divino, também dirigida por padres e irmãs brasileiras. As igrejas evangélicas (Batista, Deus é amor, Assembléia de Deus, Universal etc) se ampliam nos últimos anos nestas cidades e também contam com pastores vindo principalmente do Rio Grande do Sul e Paraná. Nas palavras de Nieves Pardomo, paraguaia que convive com os brasileiros na cidade de Katuete,

la tradición cultural de los inmigrantes sigue siendo muy fuerte y muchas veces, cuando asistimos a una celebración, tenemos la impresión de encontrarnos en Brasil. Pero eso también sucede porque el Estado paraguayo ha permanecido prácticamente ausente en toda esta región fronteriza y hasta ahora casi todo llega del Brasil (Nieves de Perdomo, paraguaya de Katuete apud Gutiérrez, 22/09/2003, p. 67).

A presença significativa desses imigrantes e o poder econômico, político e cultural que eles estão consolidando no país vizinho redefinem as fronteiras entre o Brasil e o Paraguai. A primeira impressão para aquele que visita essas “comunidades” é que o limite internacional foi deslocado a partir da década de 1960 e que essas cidades são “um pedaço do Brasil no Paraguai” ou “um Estado dentro do outro”. Mas o fenômeno é mais complexo. O processo migratório ocasionou um alargamento da faixa de fronteira entre os dois países. Estamos acostumados a pensar a zona de fronteira somente como os lugares situados nas imediações dos limites políticos, como no caso de Cidade do Leste-Foz do Iguaçu, Salto de Guairá- Guaíra- Mundo Novo e Pedro Juan Caballero - Ponta Porã. Todos os fenômenos de mistura cultural e de afirmação de identidades nacionais que ocorrem em cidades classicamente definidas como fronteiriças acontecem também nesses municípios que estão situados num raio de até 100 km ou mais do limite internacional, como Santa Rita, Naranjal, Santa Rosa, San Alberto, Mbaracayu etc.

Os limites políticos e culturais dos Estados nacionais não são bem definidos nessa ampla faixa de fronteira, embora os Estados estabeleçam suas zonas oficiais de segurança e soberania nacionais. O Estado paraguaio está presente através da reivindicação do monopólio da lei, das armas e do sistema educacional. Mas a nação brasileira também se encontra mediante o

predomínio da língua portuguesa, das tradições culturais e dos meios de comunicação de massa do Brasil. Esse amplo território de fronteira é ao mesmo tempo um espaço em que se fundem duas nações e, portanto, de muitas misturas culturais, mas também um lugar de disputa política e econômica entre dois países com desenvolvimento econômico desigual. O desequilíbrio de poder entre as nações se reflete nas micro-relações sociais entre os moradores das regiões fronteiriças. A fronteira não se alarga da mesma forma no território paraguaio e brasileiro. A imigração paraguaia no Brasil é bastante reduzida, sendo mais expressiva no Mato Grosso do Sul43. O movimento é mais intenso em direção ao interior do Paraguai e este país vai se convertendo numa ampla faixa de fronteira controlada econômica, política e culturalmente, principalmente por brasileiros.

Do ponto de vista dos setores políticos de oposição e dos movimentos sociais paraguaios, esse movimento das fronteiras econômicas, políticas e culturais representa uma ameaça à soberania nacional. Portanto, são esses setores que reagem ao domínio dos brasileiros nessa ampla zona de fronteiras. Os conflitos com setores camponeses paraguaios se ampliam nos últimos anos, reacendendo as discussões sobre a “invasão brasileira” no Paraguai, como analisarei no próximo capitulo.

43 Conforme estimativas do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, cerca de 80 mil paraguaios moram no Mato

Grosso do Sul, incluindo os índios paraguaios que migram para o lado brasileiro para adquirir melhores cuidados de saúde. Esses índios também têm uma afinidade cultural com muitas comunidades indígenas sul mato-grossenses que continuam falando o guarani. O principal fluxo migratório paraguaio continua sendo a Argentina. Provavelmente a barreira lingüística entre o português e o espanhol seja um dos motivos que explique a relativa pouca quantidade de paraguaios no Brasil em comparação ao número de paraguaios na Argentina.

Capítulo III