• Nenhum resultado encontrado

FIGURA 4: ESQUEMA DA COMUNICAÇÃO ARGUMENTATIVA FONTE: Adaptado de Breton (2006, p 20)

Para exercer uma influência sobre o destinatário3, o emissor4, ou o portador da palavra escrita ou oral, procura adaptar-se àquele, possuir uma ideia da forma como é visto, da autoridade ou da legitimidade que lhe é reconhecida pelo destinatário. A importância atribuída ao autor da palavra na argumentação, a imagem de si, o ethos que este constrói no seu discurso com vista à eficácia da sua palavra, tem sido objecto de estudo desde as antigas retóricas. Na retórica aristotélica, o ethos representa a forma como o orador se apresenta no interior do seu discurso, a sua personagem, as suas qualidades morais e intelectuais. Para Isocrates, (436-338 a.C., citado por Amossy, 2009, p.71), contemporâneo de Aristóteles, o ethos prende-se essencialmente com a reputação prévia, com o “nome” do orador; não se trata da forma como este se dá a conhecer no seu discurso, mas diz respeito ao que o auditório já conhece de si, da sua virtuosidade, o que dá força à sua argumentação e convence o auditório.

A questão da autoridade moral, ligada à pessoa do orador e à forma de se comportar na vida, continuou a ser factor preponderante no discurso de argumentação durante a época clássica. O ethos era visto como “costumes oratórios”. Na retórica clássica, as dimensões extra-verbais do orador        

3 Não distinguiremos, salvo quando expressa a diferença, o destinatário (em sentido lato), do auditório, do público, significando

de um modo geral aquele ou aqueles que “recebem” a mensagem ou aqueles a quem o discurso de destina, apesar do acto discursivo implicar sempre interactividade entre o enunciador e o co-enunciador.

4 Não distinguiremos, salvo quando expressa a diferença, o autor do emissor, do orador ou do locutor, significando, de um modo

geral, aquele que tem a palavra seja oral ou escrita, o enunciador.

Opinião Autor/Emissor Orador/Locutor

Argumento Público/Destinatário Auditório 

englobam aspectos que se prendem com o estatuto social e institucional e com questões de moral: a celebridade, a reputação, o estatuto, o prestígio, as qualidades próprias, a personalidade, o modo de vida e o exemplo que dá pelo seu comportamento.

Mais recentemente e no âmbito das ciências da linguagem, Benveniste (1974, citado por Amossy, 2009, p.73) retoma, em parte, a retórica de Aristóteles. Para este autor, o quadro figurativo, termo que utiliza no lugar de ethos, está ligado à noção de enunciação, isto é, à forma pela qual o locutor mobiliza a língua e a faz funcionar. A imagem de si é apreendida através das formas verbais que a constroem. Ducrot (citado por Amossy, 2009, p.74) retoma a noção de ethos, distinguindo no interior do discurso o locutor do enunciador, que é a fonte das posições exprimidas no discurso. Analisar o lugar do locutor no discurso é, assim, estudar o aspecto que lhe conferem as modalidades da sua palavra e não examinar o que ele diz sobre si próprio. É portanto, o locutor enquanto fonte da enunciação que se veste de certas características e quem, em consequência, torna esta enunciação admissível ou recusável. O ethos surge assim, ligado ao locutor (Amossy, 2009).

Dominique Maingueneau (1993, citado por Amossy, 2009, p.75) retoma as noções de quadro figurativo de Benveniste e de ethos de Ducrot, no desenvolvimento da sua teoria sobre análise do discurso. O locutor não diz, por exemplo, que é honesto, ele demonstra-o através da sua maneira de se exprimir. A imagem de si, do locutor, é construída em função das exigências de vários cenários que o discurso deve integrar harmoniosamente (Maingueneau, 2009a, 2009b).

Também aqui, segundo Amossy (2009, p.79), a sociologia de Pierre Bourdieu procura as fontes de eficácia do discurso fora dos seus limites. Este autor confere uma importância primordial à autoridade prévia do orador. O princípio da eficácia da palavra não está no conteúdo propriamente linguístico, mas nas condições institucionais da sua produção e da sua recepção, isto é, na adequação entre a função social do locutor e o seu discurso. Bourdieu propõe uma reinterpretação da noção de ethos, no quadro do conceito de habitus, ou conjunto de disposições duradouras adquiridas por um indivíduo no decurso do seu processo de socialização. “Enquanto componentes do habitus o ethos designa para Bourdieu os princípios interiorizados que guiam a nossa conduta sem o sabermos; o hexis corporal refere-se, no seu entender, às posturas do corpo, igualmente interiorizadas” (Amossy, 2009, p. 79).

Na opinião de Amossy e de outros autores, no âmbito da análise argumentativa, mais útil que analisar se a força de persuasão vem da posição exterior do orador/enunciador ou da imagem que ele próprio constrói no seu discurso, é ver como o discurso constrói um ethos fundando-se em dados pré discursivos diversos.

Com efeito, é a imagem que o locutor constrói, deliberadamente ou não, no interior do seu discurso que constitui a componente da força elocutória, força da acção que modifica as

relações entre os interlocutores. Estamos no plano do ethos discursivo […] Todavia, a imagem elaborada pelo locutor apoia-se em elementos pré existentes, como seja a ideia que o público faz dele antes da tomada da palavra, ou na autoridade conferida pela sua posição ou estatuto. Estamos no plano prévio ou pré discursivo (Amossy, 2009, p. 79).

Em suma, o ethos prévio ou a imagem que o auditório pode fazer do locutor antes do discurso é elaborado com base no papel desempenhado pelo orador no espaço social, funções institucionais, estatuto e poder que lhe conferem legitimação mas, também, com base na representação colectiva ou no estereótipo que circula sobre si. Assim, a imagem que o locutor projecta de si próprio faz uso dos dados sociais e individuais prévios e contribuem decisivamente para a força da sua palavra. Ao nível discursivo, o locutor trabalha os modelos inscritos no discurso e a imagem que este projecta de si próprio no seu discurso, bem como a forma como ele integra os dados pré discursivos.

Tal como o auditório, o ethos é tributário de um imaginário social que se alimenta de estereótipos da época. A imagem do locutor está necessariamente presa a modelos culturais pelo que o estudo do

ethos de um locutor contemporâneo necessita de dados situacionais.

2.3.6 Os Quatro Elementos Estruturantes do Espaço Público

Os agentes, as vozes, os temas e os contextos foram os quatro elementos do espaço público abordados neste capítulo. Eles são, de acordo com Serra & Marques (no prelo), os elementos estruturantes ou os componentes do espaço público (Figura 5).

O actual espaço público, enquanto instância simbólica de enunciação onde a sociedade civil se manifesta encontra-se, virtualmente, aberto a todos os cidadãos. Neste espaço, ético e político, como afirma Hansotte (2008, p.74), grupos de cidadãos, também por vezes designados por empreendedores

de causa, mobilizam-se em torno de causas construídas a partir de acontecimentos significativos,

relatados ou vividos, situações conflituais que adquirem expressão para uma comunidade, tornando um problema de todos o problema de alguns. “Numa relação e numa acção não constrangidas por uma tutela económica ou estatal, defendem interesses universalizáveis para além da sua fixação particular, graças à mediação dos espaços públicos locais ou não” (Hansotte, 2008, p. 75).