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FILOLOGIA TEXTUAL E SOCIOLINGUÍSTICA HISTÓRICA

No documento Paleografia e suas interfaces (páginas 101-106)

É interessante retornar aos escritos de F. de Saussure. Entre os documentos antigos de Ferdinand de Saussure, editados por Rudolf Engler entre 1968 e 1974, existe um que trata da

distinção entre literatura, filologia e linguística (SAUSSURE, 2004 [2002], p. 152-153).

Assinala Saussure que o campo de atividade especial do filólogo é: a crítica de textos, a crítica de manuscritos e de edições, a paleografia e a epigrafia, a explicação (hermenêutica) dos autores, a lexicografia, a gramática, a métrica de obras versificadas, etc. Assim, o filólogo poderá, se for o caso, se tornar momentaneamente arqueólogo, jurista, geógrafo, historiador, mitólogo, etc., ocupando-se, geralmente, de tudo o que contribui, de perto ou de longe, para a melhor compreensão do espírito ou da letra dos autores (SAUSSURE, 2004 [2002], p. 152).

Afirma, mais adiante, que a filologia abraça tudo o que pode contribuir, de perto ou de longe, para a melhor compreensão do espírito ou da letra dos autores (SAUSSURE, 2004 [2002], p. 153). Entretanto, diz que frequentemente acontece, em troca, haver menos predisposição para compreender que a filologia, por sua vez, se mantém distinta da linguística (SAUSSURE, 2004 [2002], p. 152), deixando entrever, pouco depois que se ninguém confunde o literário e o filólogo, que se tocam tão de perto, em contrapartida é muito diferente quando se trata de filologia e de linguística (SAUSSURE, 2004 [2002], p. 153).

Esse aspecto multidisciplinar da filologia é bem explicado por Rita Marquilhas (2004), que, após, afirmar que “O significado da escrita é tema de estudo de múltiplas disciplinas científicas” (MARQUILHAS, 2004, p. 475), enumera essas disciplinas:

A psicolinguística concentra-se na aquisição desse sistema e no que tal significa em termos de manifestação e desenvolvimento das capacidades cognitivas do indivíduo. A neurolinguística tenta compreender a relação entre os mecanismos da escrita e o funcionamento cerebral. A antropologia avalia o contraste entre as culturas das sociedades pré-letradas e as marcas culturais e sociais introduzidas historicamente

51 Tradução: “Uma teoria sociolinguística histórica assume que não são os fonemas que mudam, mas a gramática social da comunidade de fala, isto é, a competência sociolinguística de tal comunidade, e que a mudança linguística se transmite globalmente dentro dela. O aspecto da reestruturação se resolve, então, através do problema da transição nas regras gerativas, a fim de descrever a etapa intermediária pela qual uma estrutura evolui para outra. Sem dúvida, a solução reside na ampliação e na revisão das noções de competência linguística e regra linguística (categórica ou obrigatória), isto é, na competência sociolinguística e regra variável”,

pelo uso da escrita. A filologia / aperfeiçoa a técnica de reconstrução dos textos na sua escrita original e acompanha (no caso dos textos antigos) o respectivo percurso ao longo da história. A linguística histórica apoia-se nos resultados da peritagem filológica e formula hipóteses sobre as gramáticas do passado e sobre a mudança que sofreram. [...] (MARQUILHAS, 2004, p. 475).

Remete, então, o leitor para o trabalho de W. Ong, Orality and Literacy (datado de 1982). Retoma-se, agora, após as considerações gerais feitas mais acima, a posição de G. Tavani (1988), que assinala ser a filologia textual:

[...] une activité sociale bien importante, qui exige un très grand nombre de connaissances et de capacités, une intelligence et une ductilité exceptionnelles; c’est une activité qui peut aboutir ‒ au moins théoriquement ‒ à des résultats extraordinaires, mais qui, en même temps, requiert, de l’opérateur, une bonne dose d’humilité et de modestie, la prise de conscience des limites et de l’insuffisance de ses resources, une grande probité intelectuelle et scientifique. Bref, c’est une activité à laquelle aucun être humain se pourrait se dédier, étant donné qu’aucun être humain ne pourrait réunir en lui-même toutes les qualités indispensables pour la mener à bon terme52 (TAVANI, 1988, p. 24).

G. Tavani é enfático ao insistir que a filologia textual é uma atividade de equipe com vários especialistas nas diferentes disciplinas por ela envolvidas (TAVANI, 1988, p. 24-25).

Como já foi dito, uma dessas disciplinas é a Sociolinguística Histórica. Em primeiro lugar faz-se necessário tratar da mudança linguística, remetendo-se para o primeiro artigo de F. Gimeno Menéndez (1983), já citado mais acima, a propósito da mudança linguística, no qual ele adverte que:

El problema histórico del cambio lingüístico reside en el establecimiento de como pudo constituirse, es decir, en qué condiciones lingüísticas y sociales se realizó la inserción, evaluación y actualización del cambio. En este aspecto, la propuesta de la sociolingüística histórica consiste em la identificación y descripción de la dinámica histórico-social que conduce a la covariación de dos o más (sub)sistemas, en el repertorio lingüístico de la comunidad de habla. La proposición radica, pues, en la incorporación de los factores lingüísticos y sociales dentro de unas gramáticas sociales, que expliquen la variación presente en la comunidad de habla, y caractericen la competencia sociolingüística de los componentes de un (sub)grupo determinado. La cuestión de la actualización en una determinada comunidad y en un determinado período de tempo, no es ajena a un cambio en el comportamento social de la comunidad de habla, y conviene considerarla dentro de una sociolingüística ‘sustancialista’ o general. La conclusión del processo, en suma, es el produto de la pérdida de la significación social de la alternancia implicada, y la elevación de una de las variantes a la categoria de norma obligatoria53” (GIMENO MENÉNDEZ, 1983, p. 209).

52 Tradução: “[...] uma atividade social muito importante, que exige um número muito grande de conhecimentos e de capacidades, uma inteligência e uma ductilidade excepcionais; é uma atividade que pode alcançar ‒ pelo menos teoricamente ‒ resultados extraordinários, mas que, ao mesmo tempo, exige, do operador, uma boa dose de humildade e de modéstia, a tomada de consciência dos limites e da insuficiência de seus recursos, uma grande probidade intelectual e científica. Brevemente, é uma atividade para a qual nenhum ser humano poderia se dedicar, sendo dado que ser humano algum poderia reunir em si mesmo todas as qualidades indispensáveis para levá-la a bom termo”.

53 Tradução: “O problema histórico da mudança linguística reside no estabelecimento de como pôde constituir-se, isto é, em que condições linguísticas e sociais realizou-se a inserção, a avaliação e a atualização da mudança. Neste aspecto a proposta da sociolinguística histórica consiste na identificação e na descrição da dinâmica histórico- social que conduz à covariação de dois ou mais (sub)sistemas no repertório linguístico da comunidade de fala. A proposição radica, pois, na incorporação dos fatores linguísticos e sociais dentro de umas gramáticas sociais, que expliquem a variação presente na comunidade de fala, e caracterizem a competência sociolinguística dos componentes de um (sub)grupo determinado. A questão da atualização em uma determinada comunidade e em um

Assinala, então, Gimeno Menéndez (1983, p. 209) duas dificuldades práticas:

1. “[...] como estudiar la covariación entre variables lingüísticas con factores lingüísticos y sociales, puesto que la covariación es un concepto estadístico y no es fácil su aplicación a situaciones lingüísticas del passado54”;

2. “como entender el funcionamiento de un diasistema con variábles, que implica siempre una reproducción de la lengua en su contexto social55”(GIMENO MENÉNDEZ, 1983, p. 209).

Lembra ele, então, que:

Una vez más, conviene recordar la posibilidad (única) de la teoría sociolingüística empírica del cambio, que supone una reconstrucción adecuada de las evoluciones históricas, a partir de los procesos del cambio lingüístico en curso56” (GIMENO MENÉNDEZ, 1983, p. 209).

Em 1998, Francisco Gimeno Menéndez assinala que naquele momento não se poderia discutir que a mudança linguística é um fato social, uma vez que ela implica difusão e generalização de toda inovação na comunidade de fala (GIMENO MENÉNDEZ, 1998, p. 123), entretanto, no que tange à linguística histórica o que se nota – diz ele – é “[...] la falta de acuerdo general acerca de la naturaleza de la estratégia de investigación que podría conducir más probablemente a resultados efectivos57” (GIMENO MENÉNDEZ, 1998, p. 123).

Finalmente, ao concluir o seu artigo, adverte que:

La contribución actual de una sociolingüística histórica se limita aquí, pues, a un interés teórico y metodológico en el estudio sistemático de las relaciones empíricas que se pueden estabelecer entre el testimonio documental de las tradiciones idiomáticas y la covariación de dos o más (sub)sistemas en el repertorio lingüístico del escribano y de las comunidades de habla, a fin de obtener uma hipotética reconstrucción del vernáculo58 (GIMENO MENÉNDEZ, 1998, p. 133).

Recorda, então, que, para a Idade Média, existem limitações que devem ser respeitadas, considerando-se que “[...] la documentación antigua es fragmentaria e incompleta [...]59(GIMENO MENÉNDEZ, 1998, p. 133).

determidado período de tempo não é alheia a uma mudança no comportamento social da comunidade de fala, e convém considerá-la dentro de uma sociolinguística ‘substancialista’ ou geral. A conclusão do processo, em suma, é o produto da perda da significação social da alternância implicada, e da elevação de uma das variantes à categoria de norma obrigatória”

54 Tradução: “[...] como estudar a covariação entre variáveis linguísticas com fatores linguísticos e sociais, posto que a covariação é um conceito estatístico e não é fácil sua aplicação a situações linguísticas do passado”. 55 Tradução: “[...] como entender o funcionamento de um diassistema com variáveis, que implica sempre uma reprodução da língua em seu contexto social”.

56 Tradução: “Uma vez mais, convém recordar a possibilidade (única) da teoria sociolinguística empírica da mudança, que supõe uma reconstrução adequada das evoluções históricas, a partir dos processos da mudança linguística em curso”.

57 Tradução: “[...] a falta de concordância geral sobre a natureza da estratégia de investigação que poderia conduzir mais provavelmente a resultados efetivos”.

58 Tradução: “A contribuição atual da sociolinguística histórica se limita aqui, pois, a um interesse teórico e metodológico no estudo sistemático das relações empíricas que se podem estabelecer entre o testemunho documental das tradições idiomáticas e a covariação de dois ou mais (sub)sistemas no repertório linguístico do escrivão e das comunidades de fala, a fim de obter uma hipotética reconstrução do vernáculo”.

Francisca Medina Morales (2005, p. 134) ao final do seu artigo, ao tratar da interpretação dos dados, retoma o que diz W. Labov, em Principles of language change (LABOV, 1994), ao tratar de problemas na interpretação de dados históricos. Labov escreve:

Though we know what was written, we know nothing about what was understood, and we are in no position to perform controlled experiments on crossdialectal comprehension. Our knowledge of what was distinctive and what was not is severely limited, since we cannot use the knowledge of native speakers to differentiate nondistinctive from distinctive variants (LABOV. 1994, p. 11)60.

Observe-se que se pode relacionar tal afirmativa àquela feita à por R. Wright (1998) e que vai ser citada mais à frente.

T. Nevalainen e H. Raumolín-Brunberg (2012) após uma breve resenha da Sociolinguística Histórica, falam dos seus princípios e parâmetros, dando destaque ao princípio

uniformitário (NEVALAINEN; RAUMOLÍN-BRUNBERG, 2012, p. 24-25). Mostram, a

seguir as relações da Sociolinguística Histórica numa perspectiva transdisciplinar (NEVALAINEN; RAUMOLÍN-BRUNBERG, 2012, p. 26-30), não apenas seguindo um único caminho do presente para o passado.

Esboça essas relações na figura que se reproduz adiante, na qual da parte superior em giro descendente para a esquerda (segundo o movimento da seta), se acham as disciplinas de maior interface com a sociolinguística histórica: sociolinguística, história social, linguística

histórica, histórias das línguas individuais, linguística de corpus e filologia, sem que se

abandonem as demais disciplinas (à direita): estudos do discurso, sóciopragmática e dialetologia.

60 Tradução: “Embora conheçamos o que se escrevia, nada sabemos sobre o que se entendia, e não estamos em posição de realizar experiências controladas sobre compreensão transdialetal. Nosso conhecimento do que era distintivo e do que não é rigorosamente limitado [é restringido] pelo fato de que não podemos usar o conhecimento de falantes nativos para diferenciar variantes distintivas e não distintivas.”

Fig. 4 - Sociolinguística histórica numa perspectiva transdisciplinar

Fonte: NEVALAINEN; RAUMOLÍN-BRUNBERG (2012, p. 27)

Quanto às dificuldades, após citar A. Wilson (em Foundations of an integrated

historiography, de 1993), que analisa os problemas com que se depara a sociolinguística

histórica, Nevalainen e Raumolín-Brunberg (2012) concluem:

This is one answer to the historical sociolinguistic’s dilema of how to cope with deficient data sources especially those from the more distant past. It is directly reflected in the choice of research paradigms available to historical sociolinguistics […]61 (NEVALAINEN; RAUMOLÍN-BRUNBERG, 2012, p. 30).

Nevalainen e Raumolín-Brunberg (2012, p. 31), depois de afirmarem que os paradigmas são os mesmos da sociolinguística, prepararam um quadro comparativo, de que se comparam, aqui, a primeira e a terceira colunas: recortando-se essas duas colunas, pode fazer-se a leitura do que interessa ao enfoque aqui feito. À primeira linha tem-se na primeira coluna “Paradigma”“Dimensão” (ParadigmDimension) e na terceira coluna “Dialetologia Social”

“Sociolinguística variacionista” (Social dialectologyVariationist sociolinguistics); à segunda

linha tem-se na primeira coluna “Informado por” (Informed by) e na terceira coluna, “Dialetologia, Linguística histórica” (Dialectology, Historical linguistics). Agora tem-se a leitura paralela das duas colunas, à primeira linha: “Objeto de estudo” (Object of study)

“variação na gramática e na fonologia; variação linguística no discurso; atitudes do falante” (variation in gramar and phonology; linguistic variation in discourse; speaker atitudes); na

61 Tradução: “Essa é uma resposta para o dilema da sociolinguística histórica de como tratar com fontes de dados deficientes, especialmente aqueles do passado mais distante. Isso refletiu diretamente na escolha de paradigmas de pesquisa avaliáveis para a sociolinguística histórica […]”

segunda linha: “Descrevendo” (Describing) “o sistema linguístico em relação com os fatores externos” (the linguistic system in relation to external factors); e na terceira linha: “Explicando” (Explaining) “dinâmica social das variedades de língua em comunidades de fala” (social

dynamics of language varieties in speech communities); “mudança linguística” (language change).

Nevalainen e Raumolín-Brunberg (2012), ao enfocarem o indivíduo e a mudança linguística, afirmam serem quatro os parâmetros para determinação do informante (sujeito actante), que, indiscutivelmente, podem ser extraídos dos documentos escritos, em sentido longitudinal (NEVALAINEN; RAUMOLÍN-BRUNBERG, 2012, p. 32-36): Nome – quando o actante for nominado; Data do escrito – a partir do enunciado, direta ou indiretamente (a partir dos dados descritos); Função, estado social do actante; e Domicílio – Local.

Nesse momento, faz-se necessário lembrar dois fatos já explicados anteriormente, a saber:

1. B. Cerquiglini (2000) estabelece uma diferença de paradigmas entre a filologia oitocentista e a nova filologia;

2) A. Petrucci (2003 [2002]) apresenta seis perguntas que podem resumir os problemas encontrados na análise do documento escrito, das quais quatro (a quinta ‒ quem o realizou?; a segunda ‒ quando?; a sexta, parcialmente, ‒ para que foi escrito o texto?; e a terceira ‒ onde?) podem ser relacionadas aos parâmetros propostos por Nevalainen e Raumolín-Brunberg (2012). Ao concluírem o seu artigo, Nevalainen e Raumolín-Brunberg (2012, p, 36-37) retomam um artigo de K. Wrightson (The enclosure of English social history, de 1993), no qual ele fala da perda do poder interpretativo do campo [de estudo] e de sua apropriação seletiva que conduz a um novo tipo de marginalização. Lembram, ainda, citando, por fim, Wrightson que “He nevertheless concludes on the moderately optimistic note that the tools for doing social history are in place: ‘[i]f we retain the will to use them well, the job remains as exciting as ever’62” (NEVALAINEN; RAUMOLÍN-BRUNBERG, 2012, p. 36-37).

Nessa perspectiva elas afirmam que “The same goes for historical sociolinguistics with the addition that our tools keep evolving with those created in kindred fields ‒ including social history63” (NEVALAINEN; RAUMOLÍN-BRUNBERG, 2012, p. 37).

E, finalmente, os dados de língua, extraídos de dois dos Livros do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia, não sem antes passar pela grafemática, analisando-se três casos de relações grafemático-fonéticas.

No documento Paleografia e suas interfaces (páginas 101-106)

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