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TÉCNICA DE EXECUÇÃO DO TEXTO ESCRITO NO QUE SE REFERE AO ATO DE ESCREVER

No documento Paleografia e suas interfaces (páginas 97-101)

A FILOLOGIA TEXTUAL

Passa-se, então, ao terceiro termo que é necessário definir: a filologia textual. O que é

filologia textual? Não é simplesmente o estudo dos textos, mas através dos textos busca estudar

a cultura da comunidade que usa a língua em que esse texto foi escrito: língua, cultura, literatura. Filologia textual é termo preferido por G. Tavani (1988) e parece definir melhor toda a atividade que em nossos dias envolve o estudo de um texto. Segundo G. Tavani (1988), a filologia textual, a rigor, é “[...] une activité d’équipe, qui seulement un groupe assez nombreux d’experts en les différentes disciplines ayant rapport à la philologie pourrait exercer avec succès”40 (TAVANI, 1988, p. 24-25). Afirma G. Tavani que a tarefa da filologia textual não é apenas a busca do texto original inatingível (TAVANI, 1988, p. 25). No que tange à atividade da filologia textual, ressalta G. Tavani:

Le fait est que la philologie textuelle est sans doute, parmi les sciences humaines, l’activité qui nécessite le plus et pratique le moins l’interdisciplinarité: et la conséquence immédiate en est que, dans ce domaine, on obtient en général le moindre résultat avec le maximum d’effort. […].

Le problème du texte est sans doute un des plus compliqués de la philologie textuelle: depuis quelques années, les philologues apparaissent perplexes sur la légitimité des manipulations auxquelles ils ont toujours soumis les textes, ils se montrent de plus sceptiques sur la possibilité réelle d’atteindre un texte, ils arrivent jusqu’à s’interroger à nouveau sur le concept même de texte41 (TAVANI, 1988, p. 27).

A propósito da ambiguidade do termo filologia, é Rita Marquilhas que, no artigo

Filologia oitocentista e crítica textual (MARQUILHAS, 2010), escreve:

Segundo a perspectiva linguística, o termo ‘filologia’ é um termo incomodamente ambíguo. Refere duas actividades intelectuais vincadamente diferentes, se bem que geneticamente relacionadas. A distância que as separa é tão lata que se torna preferível nomear tais actividades com os rótulos de ‘filologia oitocentista’, a primeira, e ‘crítica textual’, a segunda (MARQUILHAS, 2010, p. [1]).

Em seguida, Marquilhas (2010) ‒ a partir das afirmativas de Ivo Castro, na sua tese de doutoramento, onde já se referia a essas duas concepções ‒ começa a falar da atividade filológica nos anos oitocentos (século XIX). Passa, ainda com Ivo Castro, a falar da atividade da crítica textual oitocentista e conclui mais adiante:

Todas essas modalidades filológicas implicam, […], tarefas minuciosas de pesquisa verbal, material, cultural e intercultural, ou seja, o método continua a ser o de observar os traços dos fragmentos, cadernos, folhetos, códices, incunábulos, seus suportes e seu percurso histórico numa busca obcecada pelo detalhe. A ideologia predominante acaba por ser a da minúcia do trabalho, e é nesse exercício quase físico que o crítico textual satisfaz o desejo antiquíssimo de possuir a palavra (MARQUILHAS, 2010, p. [8]).

40 Tradução: “[...] uma atividade de equipe, que somente um grupo muito numeroso de especialistas nas diferentes disciplinas relacionadas à filologia poderia exercer com sucesso”.

41 Tradução: “O fato é que a filologia textual é sem dúvida, entre as ciências humanas, a atividade que necessita o mais e pratica o menos a interdisciplinaridade: e a consequência imediata disso é que, neste domínio, obtém-se em geral o mínimo resultado com o máximo de esforço. […] § O problema do texto é sem dúvida um dos mais complicados da filologia textual: a partir dealguns anos, os filólogos acham-se perplexos quanto à legitimidade das manipulações às quais eles sempre submeteram os textos, eles se mostram, além disso, céticos quanto à possibilidade real de alcançar um texto, eles chegamaté a se interrogar novamente sobre o próprio conceito de texto”.

Entretanto, essa não é a perspectiva da filologia hoje, – embora o método empregado (as “tarefas minuciosas”) seja o mesmo –, ainda que a finalidade da disciplina não mais se faça nessa perspectiva oitocentista de cunho positivista.

De modo conciso e mais amplo, é a definição apresentada por Luiz Fagundes Duarte, inicialmente com data de 1997: “Filologia: disciplina que tem por objectivo a reprodução ou a reconstrução dos textos do passado, tendo em conta quer as dimensões sincrónica e diacrónica quer os seus aspectos linguísticos e históricos; culmina na crítica textual” (DUARTE, 201?, s.v.).

No ano 2000, B. Cerquiglini, falava de uma “nouvelle philologie42” e dizia que a filologia não é apenas a crítica textual e a edição dos textos medievais, assinalando que “[...] une approche nouvelle est bien en train de voir le jour43” (CERQUIGLINI, 2000, [1]). Afirmava ele que “[…] la philologie, qui combine théorie et pratique, porte en elle des concepts et notions formant un paradigme. Ce paradigme contient en particulier, de façon explicite ou implicite, une théorie, forcément datée, du texte et de la littérature44 [...]”(CERQUIGLINI, 2000, [1]). Dizia, ainda, que “[…] la philologie, comme toute science, est historiquement déterminée et doit accepter une analyse historique45” (CERQUIGLINI, 2000, [1]). Concluía, a seguir: “[...] dans cette perspective, on peut soutenir qu’un nouveau paradigme est en formation46” (CERQUIGLINI, 2000, [2]) e apresentava, então, um quadro para descrever esses dois paradigmas, como se pode ver reproduzido a seguir:

42 Tradução: “nova filologia”.

43 Tradução: “[...] uma nova perspectiva [da filologia] está em via de aparecer”.

44 Tradução: “[...] a filologia, que combina teoria e prática, traz em si conceitos e noções formando um paradigma. Este paradigma contém em particular, de modo explícito ou implícito, uma teoria, forçosamente datada, do texto e da literatura […]”.

45 Tradução: “[...] a filologia, como toda ciência, é historicamente determinada e deve aceitar uma análise histórica”.

Quadro 1 - Comparação dos paradigmas da filologia47

Fonte: CERQUIGLINI (2000, p. [2]48)

Falava, então, Cerquiglini de como “[...] chacune des philologies traite deux domaines qui importent à la connaissance des textes et de la culture du Moyen Age49” (CERQUIGLINI, 2000, p. [6]). Finalmente, ele concluía:

Quoique magnifique de savoir positif, et de finesse parfois, l’ancienne philologie semble donc liée à une épistémé dépassée, paraît anachronique dans son approche des notions médiévales, est sans doute faiblement pertinente comme méthode d’édition. On nous pardonnera de préférer la nouvelle50 (CERQUIGLINI, 2000, p. [7]).

47 O texto do artigo apresenta gralhas decorrentes da inadequação do programa digital original, que não prejudicam a compreensão do artigo. No quadro vêem-se grafos na décima terceira célula da primeira coluna; na décima quarta célula da segunda coluna, onde se lê “fcriture comme résidu” leia-se “l’écriture comme résidu” e na décima quinta cela da primeira coluna, onde se lê “Théorie médievale de fcriture”, leia-se “Théorie médievale de l’écriture”; na décima quarta célula da terceira coluna, onde se lê “Dialectique Oral  fcrit”, leia-se “Dialectique Oral  écrit”. 48 Tradução (linha a linha): “Paradigma I Paradigma II; Opção crítica Autoridade textual Compartilhamento textual; Tecnologia Imprensa Internet; Metáfora Árvore  Rede; Heroi Autor Scriptor; Amor Unicidade  Variância; Objeto Cópia desprezada  Recepção positiva; Texto como Essência verbal  Materialidade do códice; Princípio Descontextualização  Contextualização; Finalidade Reconstrução  Simulação; Método Intervenção  Comparação; Resultado Livro impresso  Hipertexto. Relações a: 1. Oralidade escrita como resíduo  Dialética Oralescrito  2. Teoria medieval da escrita (Nada de especial)  “Excedente (excesso) de sentido”.

49 Tradução: “[...] cada uma das filologias trata dois domínios que se ligam ao conhecimento dos textos e da cultura da Idade Média”

50 Tradução: “Apesar de magnífica em saber positivo, e às vezes em refinamento, a antiga filologia parece, pois, ligada a um episteme ultrapassado, manifesta-se anacrônica no tratamento das noções medievais, é sem dúvida fracamente pertinente como método de edição. Perdoem-nos preferir a nova”.

A filologia textual é, desse modo, uma atividade complexa, que reflete sobre o próprio conceito de texto, que toma o texto em toda a sua extensão, permitindo ao filólogo, pela sua interdisciplinaridade, responder às questões formuladas por A. Petrucci (2003 [2002]).

A SOCIOLINGUÍSTICA HISTÓRICA

Por fim, faz-se necessário, ainda, esclarecer o que é a Sociolinguística Histórica (de que se tratará mais amplamente adiante), para o que se remete a Francisco Gimeno Menéndez 1983):

Una teoría sociolingüística histórica assume que no cambian los fonemas, sino la gramática social de la comunidad de habla, es decir, la competencia sociolingüística de dicha comunidad, y que el cambio lingüístico se transmite globalmente dentro de ella. El aspecto de la reestructuración se resuelve, entonces, a través del problema de la transición en las reglas generativas, a fin de describir la etapa intermedia por la que una estructura evoluciona a otra. Sin duda, la solución reside en la ampliación y revisión de las nociones de competencia lingüística y regla lingüística (categórica u obligatoria), esto es, en la competencia sociolingüística y regla variable51 (GIMENO MENÉNDEZ, 1983, p. 197).

No documento Paleografia e suas interfaces (páginas 97-101)

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