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SUPERANDO DESAFIOS NA LEITURA DOS DOCUMENTOS HISTÓRICOS

No documento Paleografia e suas interfaces (páginas 130-143)

Spaggiari e Perugi (2004, p. 18) consideram que diversos fatores influenciam no modo de produção dos documentos manuscritos e, por consequência, interferem na leitura crítica do texto, pois, “além dos de tipo histórico, geográfico ou social, mudanças podem intervir por causa da idade, do cansaço, da pressa com que o copista escreve, de uma doença que faz mais débil e incerto o ‘ductus’, etc.”

A propósito dos manuscritos históricos e sua importância para o Brasil, Acioli (1994) destaca que esses documentos, guardados em seus arquivos de origem ou recolhidos em arquivos públicos, em forma de inventário, apresentam registros diversos que guardam a história de nosso país e de nosso povo.

Mas um dos grandes desafios para a leitura de documentos históricos é a localização e o acesso. Uma análise histórica da realidade das instituições arquivísticas no Brasil, que guardam a memória escrita brasileira registrada em documentos dos séculos XVIII ao XX, nos mostra que nem sempre a localização, por tema, e o acesso aos documentos é facilitado, pois nem sempre os pesquisadores encontram os documentos organizados, de forma sistemática, para consulta, por exemplo, em meio digital. Portanto, seguindo a agenda das políticas públicas para a cultura, reivindicam-se inventários sistemáticos, temáticos e exaustivos, fato que já é possível ser visualizado, por meio de diversas ações governamentais e movimentos de instituições públicas e privadas, que tem incentivado à recuperação do patrimônio cultural

83 Tradução livre: “[...] a cultura escrita põe em manifesto a rica variedade de suas nuances e se configura como um espaço de pesquisa aberto ao diálogo interdisciplinar.”

escrito brasileiro, a exemplo da Biblioteca Nacional e do Arquivo Público do Estado da Bahia. (GONÇALVES, 2017)

Nesse contexto, Acioli (1994, p. 14) relata a perda de documentos presentes em instituições arquivísticas no Brasil, devido às condições de arquivamento dos documentos e à falta de políticas públicas eficazes, pois, principalmente na região Nordeste, “o clima, quente e úmido, ideal para proliferação de fungos e insetos, e a ausência de recursos materiais para transformar os ambientes físicos em condições apropriadas para a guarda de documentos, têm contribuído para destruição de muitos acervos”.

Vale lembrar que grande parte da documentação sobre o Brasil e a Bahia encontra-se em arquivos estrangeiros, fato que nos leva a refletir sobre a importância de ações relacionadas às políticas de gestão cultural de documentos constantes nos arquivos estrangeiros, como aquelas desenvolvidas pelo Projeto Resgate (2009)84, com os documentos do Arquivo Histórico Ultramarino, com o intuito de disponibilizar a documentação histórica, por meio da web, e, portanto, viabilizar o acesso dos documentos aos pesquisadores e aos demais interessados.

Fig. 1 - Fac-símile de Ofício do Conselho Ultramarino – 16 de fevereiro de 1823

OFÍCIO do chefe de divisão comandante da Esquadra, João Félix Pereira de Campos, ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Inácio da Costa Quintela, sobre a Guerra da Independência na Bahia

Fonte: AHU_ACL_CU_005, Cx. 276, D. 19213 – 1823. História Digital (2009). In: http://bndigital.bn.gov.br/dossies/projeto-resgate-barao-do-rio-branco

Com políticas de democratização do acesso à memória cultural e por meio de base digital de dados, a Fundação Biblioteca Nacional é depositária oficial de vários manuscritos referentes à história do Brasil e da Bahia, como a documentação catalogada pelo Projeto Resgate Barão do Rio Branco, em 2009. O Projeto Resgate, inserido no Projeto Memória do Brasil e com aprovação do Plano Luso-Brasileiro de Microfilmagem, reuniu as fontes documentais do antigo Conselho Ultramarino, relativas às antigas capitanias hereditárias do Brasil e constante em Lisboa, no Arquivo Histórico Ultramarino.

O Arquivo Histórico Ultramarino, criado em 1931, guarda os documentos recebidos, produzidos, registrados e acumulados pelos órgãos vinculados à administração militar, judicial

84 O Projeto Resgate Barão do Rio Branco foi uma ação coordenada pelo Ministério da Cultura do Brasil, por meio de sua Assessoria Especial, em parceria com instituições arquivísticas brasileiras, para preservar e divulgar a documentação histórica brasileira. (PROJETO RESGATE, 2009; HISTÓRIA DIGITAL, 2009)

e eclesiástica do império colonial português e, consequentemente, de todas as antigas colônias portuguesas (BELLOTTO, 2006, p. 286; PROJETO RESGATE, 2009), entre os quais:

1. Documentos manuscritos de natureza histórico-colonial do extinto Conselho Ultramarino (1642-1833), que auxiliava o rei nas tomadas de decisão na organização do cotidiano da colônia;

2. Documentos do Arquivo da Marinha (Secretaria de Negócios da Marinha e Ultramar – 1834-1910) e de outros advindos das colônias, que interessam ao estudo e conhecimento da história dos combates militares, políticos, sociais, linguísticos e culturais que marcaram a colonização portuguesa;

3. Cartografia portuguesa.

Ainda sobre a Paleografia salientamos que a mesma é, sobretudo, “um instrumento de análise do documento histórico” (ACIOLI, 1994, p. 5), ficando o paleógrafo responsável pela leitura dos aspectos gráficos do documento, mas também da indicação de sua origem. Os documentos históricos normalmente viabilizam o conhecimento de novos prismas para avaliar os registros escritos como fontes históricas, além de dar visibilidade aos sujeitos anônimos que figuram nos textos.

Em uma perspectiva histórica, dialógica e interpretativa, a pesquisa com documentos históricos também se articula com outros projetos de pesquisa locais e nacionais que tem promovido a reavaliação da memória baiana, por meio de edições e estudos de documentos do português escrito datados entre os séculos XVIII ao XX, além de servir de base para o desenvolvimento de análises e interpretações linguísticas, a fim de que a memória possa emergir dos textos editados e dos usos linguísticos, mas também das imagens dos lugares, dos sujeitos e das comunidades, que compõem o universo fragmentado da história da Bahia.

Assim, para superar outros desafios encontrados na leitura de documentos históricos, com vistas à reconstituição dos fatos históricos, Acioli (1994, p. 6) propõe três ações indispensáveis, com suas subdivisões: “conhecer as letras, seus valores e todas as formas gráficas antigas”, considerando as abreviaturas, a pontuação, a acentuação, os numerais e a escrita cifrada; “determinar o tempo e o lugar onde foi redigido o documento”; e “anotar os erros e adulterações que possam conter o manuscrito”.

Fig. 2 - Desafios crítico-analíticos no estudo de documentos históricos

Fonte: Elaboração do autor

Portanto, é preciso lembrar que a documentação histórica, produzida sobre a história das guerras e revoltas na Bahia, apresenta formas de escritas múltiplas e, por vezes híbridas, que remetem a desafios, entre os quais:

a) acesso aos documentos históricos e busca temática;

b) estado de conservação do documento, que pode apresentar corrosão do papel, corrosão da tinta, corrosão por insetos, umidade, rasgaduras etc.;

c) habilidade com a pena e tempo disponível do escrivão;

d) diversidade de tipos caligráficos e morfologia das letras, que exigem familiarização com o tipo de escrita;

e) variação na grafia das palavras;

f) sistema baquigráfico – utilização de abreviaturas;

g) repertório linguístico – utilização de unidades lexicais desconhecidas ou em desuso; h) sinais estigmológicos – pontuação, divisão silábica, fronteira de palavras,

paragrafação e acentuação.

ESCOLHA DA EDIÇÃO E A QUESTÃO DOS CRITÉRIOS DE TRANSCRIÇÃO

Para Cambraia (2005, p. 63), “cada registro de um texto escrito constitui um

testemunho”. A história de um texto é complexa, pois envolve o(s) produtor(es) e o(s) leitor(es),

além do processo de sua produção, transmissão, circulação e recepção, valendo-se a pena considerar o conceito de texto, entendido como produção fundada na linguagem e produto do engenho humano.

O confronto dos usos da escrita, por meio dos procedimentos críticos e metodológicos da Filologia, em articulação com a Paleografia e a História, promove estudos interdisciplinares sobre os documentos históricos, entendendo cada produção textual como resultante da cultura, do tempo e do espaço. Acrescenta-se que o campo de pesquisa filológica, articulado com a história dos textos e a perspectiva arqueológica, é um dos mais produtivos, para se promover o jogo dialógico entre a Paleografia crítico-analítica, a história das transmissões textuais e a história das línguas.

Esses interrogantes nos possibilitam o exercício da crítica filológico-linguística, com contribuições interdisciplinares, visto que a prática filológica tenta não apagar os estágios da memória dos textos, mas escavá-la, deixando e consignando os rastros e as pistas, da documentação recolhida sobre o sujeito-escritor e sobre o texto- documento, por variados estudos, de cunho linguístico, do contexto ou modos de produção e de recepção dos textos, viabilizando a possibilidade de que o sujeito/ público-leitor possa fazer, ao seguir esse percurso, suas próprias leituras. Considerando esse viés, a pesquisa com documentos histórico-culturais tem vocação para o diálogo multidisciplinar, fazendo uma mediação e conciliação entre as diversas abordagens filológicas e as abordagens dos estudos históricos, culturais, linguísticos e discursivos. (GONÇALVES, 2017, p. 194)

E, para proceder ao estabelecimento do texto devemos considerar a fase da recensão, que, segundo Cambraia (2005, p. 181-186; 2007) é marcada pela localização e coleta das fontes. Sabemos que nem todos os documentos históricos podem ser acessados por meio digital, mas lembramos que atualmente o trabalho da recensio pode ser facilitado por conta da

acessabilidade e da abrangência, pois de qualquer lugar o pesquisador poderá localizar

documentos históricos sobre a Bahia e dados sobre os mesmos, por meio da busca de acervos digitais, em sites de instituições arquivísticas, nacionais e estrangeiras, de bibliotecas e de centros de pesquisa. Essa democratização do acesso aos documentos históricos, por parte de pesquisadores e leitores em geral, acelera o tempo de pesquisa, pois é possível realizar a triagem textos, por meio digital, considerando os dados mais relevantes e minimizando longos deslocamentos e custos financeiros.

Dessa forma, vale lembrar que o acesso aos fragmentos da memória por meio dos textos é realizado por meio de aparato teórico-metodológico mobilizado pelo editor para leitura do documento histórico, que norteará o conceito de documento e o tipo de edição. Além disso, ao assumir o tipo de edição, o editor também assumirá objetivos específicos, em nosso caso, edições de documentos históricos que não apaguem as marcas linguísticas do tempo no texto.

Assim a práxis filológica, que opera no tempo, entre a distância e a proximidade, mobiliza fontes textuais que se vinculam a sujeitos que são constituídos pela história, portanto precisamos compreender os significados que circundam os documentos históricos. O que nos leva a outros interrogantes:

Quem pode dizer: “o meu tempo” divide o tempo, escreve neste uma cesura e uma descontinuidade; e, no entanto, exatamente através dessa cesura, dessa interpolação do presente na homogeneidade inerte do tempo linear, o contemporâneo coloca em ação uma relação especial entre os tempos. Se, como vimos, é o contemporâneo que fraturou as vértebras de seu tempo (ou quem percebeu a falha ou o ponto de quebra), ele faz dessa fratura o lugar de um compromisso e de um encontro entre os tempos e as gerações. (AGAMBEN, 2009, p. 71)

Essas questões procedem, pois a escrita é plural, da mesma forma que devem ser os tipos caligráficos, os suportes da escrita e as edições, meios pelos quais disponibilizamos os textos ao público em geral. Nesse contexto, Picchio (1979, p. 213) “admite ser o comportamento filológico um ‘comportamento’ de atividade crítica em toda a sua extensão: uma atitude com uma constante fixável no contínuo processo de adequação [...] a uma determinada situação histórica que se pretende ‘reconstruir’”. E, apesar dos problemas e das dificuldades que envolvem o trabalho de edição de um texto, seja ele de que tipo for, e mesmo que cada tipo de texto apresente situações e desafios diferentes (CHARTIER, 2002), sabemos que o editor buscará mobilizar, por meio de critérios teórico-metodológicos, soluções diferenciadas, de acordo com o material que ele dispõe, o período da documentação e do público ao qual se destina a edição.

Se pensarmos, por exemplo, nos documentos históricos sobre a Bahia, essa intermediação faz-se necessária, até mesmo porque ela envolve períodos cronológicos diversos na pesquisa. Assim, segundo Telles (2009, p. 254), “quer se trate de edição crítica de texto medieval ou de texto moderno, o comportamento do editor crítico deve buscar preservar as características do corte sincrônico representado pela língua em que o texto foi vasado”.

É importante também salientar que o trabalho de reconstituição de documentos históricos, mediado pelo filólogo, é também facilitado por meio de programas adotados na edição, que permitem a comparação de diferentes testemunhos e a organização das variantes localizadas nos textos, possibilitando o estabelecimento de um texto em formato digital sobre suporte eletrônico. Esse viés facilita a organização dos dados a serem inseridos no aparato crítico e o acesso a edição, possibilitando, com rapidez e eficiência, um aproveitamento mais amplo do texto, na busca de palavras, na contagem e análise de dados, no transportar os dados para outro arquivo, além de uma maior visibilidade do trabalho do editor, visto que, por vezes, o leitor pode optar pelo acesso a edição disponibilizada em versão digital (CAMBRAIA, 2005, 2007; LOSE 2006).

Particularmente, os pesquisadores de documentos históricos prescindem de edições criteriosas, quer seja para possibilitar a leitura dos registros da história inscritos no suporte textual, quer seja para proceder a análise dos dados linguísticos. Em suma, na interpretação filológica além de remeter a etapas criteriosas de edição que perpassam pela reflexão sobre a história social do documento, os materiais disponíveis, a delimitação de critérios de edição consoantes com o objetivo da edição e o público alvo, ao qual está direcionado à edição, e a apresentação do texto editado propriamente dito, requer conhecimento da escrita do texto, do sistema ortográfico da época, além do sistema baquigráfico, visto que os documentos históricos apresentam diferenciadas abreviaturas.

Portanto, uma edição pode ser pensada para um público em geral, fato que poderá demandar uma atualização do texto, para facilitar uma leitura de conhecimento do assunto do documento, por parte do leitor não especializado. Mas, se a edição for organizada para um público especializado, a exemplo de filólogos ou historiadores da língua, é preciso que se escolham critérios teórico-metodológicos bem definidos e conservadores, com mediação intermediária, a exemplo de edições semidiplomáticas, acompanhadas das edições fac- similares, reprodução mecânica dos documentos. Sobre edição semidiplomática, Andrade, Santiago-Almeida e Baronas (2014) esclarecem que

[...] a edição semidiplomática [...] sinaliza a deliberada intenção de, tendo por público- alvo o especialista, linguista ou filólogo, promover um grau baixo de mediação entre a edição e o manuscrito, procurando-se preservar o máximo possível as características do documento, dado que poderão constituir-se em corpus para análises feitas por linguistas, historiadores, geógrafos, antropólogos e cientistas sociais, dentre outros. (ANDRADE, SANTIAGO-ALMEIDA E BARONAS, 2014, p. 38)

Esse conceito é ratificado por Borges e Souza (2012, p. 32), visto que para os autores, a edição semidiplomática “situa-se entre a interpretativa e a diplomática, sendo a sua prática marcada pela ação menos interventiva que a interpretativa e mais interventiva que a diplomática”.

É importante também que o editor esteja comprometido com à adoção de critérios que atentem para as “peculiaridades do manuscrito”, mantendo todos os caracteres como sinais, letras e nexos, que possuam valor linguístico e histórico (ROMÁN BLANCO, 1987, p. 19). Vale lembrar que a observância de um determinado critério possibilita ou inviabiliza a adoção da edição para o desenvolvimento de estudos linguísticos e, por esse motivo, adotamos, em nossa pesquisa, normas de transcrição conservadoras para a edição dos documentos históricos.

Reiteramos, portanto, que a atividade filológica requer uma pesquisa criteriosa e argumentativa, pois é preciso estar atento para não propor leituras equivocadas dos documentos históricos, pois essas podem criar dados novos sobre o texto, inclusive dados de língua. Assim, nessa relação entre crítica filológica e inferências, é necessária a explicitação dos critérios, pois o editor também é responsável por escolher as intervenções editoriais que ele irá realizar, sinalizando ao leitor, quando se trata do texto e quando se trata de intervenções editoriais. E, nesse caso, é importante recorrer ao trabalho filológico, com o fim de auxiliar o leitor na interpretação do texto, trazendo outros dados que esclarecem os contextos de produção do texto. No contexto dos critérios de transcrição de documentos históricos, citamos as normas gerais para transcrição e edição de documentos manuscritos apresentadas pelo Arquivo Nacional, de 1993, que tem por objetivo fixar e unificar diretrizes e convenções de transcrição, edição e descrição de documentos manuscritos. No entanto, a fim de dar conta de especificidades do documento histórico ou com o objetivo de uniformizar as práticas e produções de grupos de trabalho, alinhando pesquisas no âmbito nacional ou internacional, podem ser acrescentados alguns critérios mais específicos a serem adotados, por exemplo, pelos pesquisadores de língua que dependem de corpora editados para atestar fatos de língua, podendo se acrescentar registros e notas editoriais para auxiliar o leitor na interpretação do texto, trazendo outros dados que esclarecem os contextos de produção do texto.

Fig. 3 - Excerto das Normas e Técnicas para Transcrição e Edição de Documentos Manuscritos

Fonte: BRASIL. Arquivo Nacional. Normas técnicas para transcrição e edição de documentos manuscritos. Disponível em: <http://www. arquivonacional.gov.br/Media/Transcreve.pdf>.

AS ABREVIATURAS EM TEXTOS LUSO-BRASILEIROS

O estudo das abreviaturas é um tema de bastante relevância, visto que as mesmas são utilizadas para representar ou substituir palavras. A presença de abreviaturas, na escrita de documentos históricos, dificulta não só a leitura desses textos, caso o leitor não tenha conhecimento desse sistema baquigráfico, mas também torna o documento incompleto ou mesmo produz erros, no processo de interpretação crítica do texto. A partir do estudo de

corpora documentais históricos do universo luso-brasileiro, podem ser observadas alterações

importante conhecer os sistemas de abreviaturas, com suas características, processos de construção, dificuldades de desdobramento e especificidades do sistema abreviativo, considerando uma abordagem paleográfica crítico-analítica, que ressalta a função social da escrita, em consonância com Petrucci (2003).

Diante da dificuldade que envolve a questão, vários estudiosos do manuscrito concentram sua atenção na discussão sobre as abreviaturas, a exemplo da exaustiva pesquisa, que culminou em livro (obra lexicográfica), desenvolvida por Maria Helena Ochi Flexor (2008, p. IX), em seu célebre trabalho sobre as abreviaturas constantes em documentos manuscritos dos séculos XVI ao XIX, apresentando auxílio basilar aos pesquisadores que se interessam pela questão; e da pesquisa realizada por Maria das Graças Sobral (2007), resultante da sua dissertação de Mestrado, que se concentrou no estudo do uso e função das abreviaturas nos manuscritos. No entanto, vale lembrar que, mesmo com as referidas produções, atualmente, no Brasil, ainda se sente a necessidade de mais trabalhos que se dediquem a abordagem exclusiva da questão.

O uso das abreviaturas está relacionado a duas necessidades básicas, de cunho econômico: a de encurtar o tempo de produção do escrito e a de evitar o gasto com materiais escriturais. Várias são os desafios encontrados pelo pesquisador na consulta de documentos históricos e estas dificuldades estão relacionadas, não apenas à conservação do suporte da escrita, mas também à questão da grafia, dos materiais da escrita e do vocabulário e, em especial, às abreviaturas (FLEXOR, 2008, p. 9). Para Houaiss (1983, p. 121-122), as abreviaturas são reduções de uso circunstancial, que mudam conforme o tempo, o lugar e quem escreve, portanto a classificação dessas reduções é realizada de forma diferenciada. Nesse contexto, Araújo (1986, p. 93) ainda acrescenta que “a prática contemporânea de reduções cursivas e tipográficas são apenas abreviaturas tradicionais ou circunstanciais e manteve os princípios logográficos da abreviatura da palavra”.

Por outro lado, Cambraia (2005, p. 118) amplia a discussão ao afirmar que as abreviaturas são compostas de grafemas alfabéticos (as letras) e não-alfabéticos (os sinais abreviativos). E, apesar das críticas ao uso das abreviaturas, elas estão presentes em todos os sistemas, inclusive hoje, pois é um complexo sistema que tem a função de reduzir as palavras, de diversas formas, combinando letras, números, sinais, com o propósito de economizar tempo e espaço.

São encontradas diversas propostas para a classificação das abreviaturas, que coexistem até hoje, sem termos, por vezes, uma unanimidade entre os autores. Assim, as abreviaturas

No documento Paleografia e suas interfaces (páginas 130-143)

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