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A GRAFEMÁTICA E OS LIVROS DO TOMBO

No documento Paleografia e suas interfaces (páginas 106-119)

A unidade da grafemática, o grafema, apresenta variantes de forma e variantes contextuais. Entre as primeiras, destacam-se as marcas de leitura oferecidas pelas chamadas letras maiúsculas e minúsculas; entre as segundas as diversas formas que esses grafemas adquirem conforme a sua posição na forma escrita.

Em linguística histórica, desde os trabalhos de D. Ramón Menéndez Pidal, que se tem como certo que um fato de língua documentado por escrito deve estar existindo no uso há pelo menos três gerações. Nessa perspectiva, em filologia textual – quer debruçando-se sobre textos antigos, quer sobre textos modernos ou contemporâneos, literários ou não literários – busca-se preservar as características da scripta, na expectativa da comprovação desses fatos linguísticos. Assim, os estudos das mudanças linguísticas encontram apoio inconteste nos textos de edição cuidada, em especial seguindo os critérios de uma lição conservadora.

62 Tradução: “Ele, não obstante, conclui com uma nota moderadamente otimista que os instrumentos para fazer a história social existem e que ‘se retivermos o bom uso deles, a tarefa permanence tão excitante como sempre’”. 63 Tradução: “O mesmo acontece em relação à sociolinguística histórica, com o acrescentamento de que nossos instrumentos mantêm-se envolvidos com aqueles criados em campos afins – incluindo a história social”.

A partir da scripta do documento tanto se podem mostrar os erros óbvios (ou lapsi

calami) – repetições, transposições, erros devidos ao contexto linguístico ou extralinguístico,

os erros de concordância, as auto-correções, as adições, as omissões, as confusões de palavras (MARTÍNEZ ORTEGA, 1999, p. 23-42) – como, o que é mais importante, as variantes textuais decorrentes do desempenho do que escreve, do responsável pela scripta.

A atenção que se deve dar para a grafia dos textos, dentro do que preconiza o estudo da escritura, no âmbito da filologia textual serve, pelo menos a três propósitos:

• A lição conservadora dos textos literários, documentados nos manuscritos medievais, permite ao linguista recuperar os dados da língua do scriptor, isto é, daquele responsável pela scripta.

• A transcrição conservadora (semidiplomática) dos textos não literários, de qualquer tipo, também permite a recuperação dos dados da língua do responsável pela scripta. • A transcrição conservadora dos manuscritos de autores modernos permite acompanhar

os processos de construção da escrita, dando mostras de como o autor faz uso da sua competência linguística.

Quanto à transcrição de documentos da fala faz-se necessário estabelecer um código grafemático, com base na ortografia e na fonologia da língua documentada. Os níveis de análise de língua alcançados em edições conservadoras não se restringem ao fonético, nos textos escritos podem ser detectados fatos morfológicos, sintáticos ou mesmo discursivos, provenientes da variante de fala do responsável pela scripta. No caso das transcrições de dados da oralidade, as transcrições devem preservar as mesmas características.

Essas diferenças entre escrita e fala são o foco do artigo de R. Wright, Cambios

linguísticos y cambios textuales (WRIGHT, 1998). Após chamar a atenção para o fato de que,

ao estudar-se a língua do passado, “[...] todos los datos directos que tenemos están escritos64” (WRIGHT, 1998, p. 303), ele argumenta ser “[...] posible trazar câmbios verificados en la presentación de los datos textuales, y de vez en cuando sacar conclusiones sobre si la lengua hablada ha cambiado también65” (WRIGHT, 1998, p. 303). Adverte, entretanto, que: “[...] estas conclusiones no suelen ser sencillas, porque los enlaces que hay entre la escritura y el habla resultan diversos en las diferentes comunidades y épocas66” (WRIGHT, 1998, p. 303).

Nessa relação entre língua e texto, R. Wright avalia em paralelo quatro situações de mudanças linguísticas: mudança (orto)gráfica e mudança fonética; mudança textual e mudança

morfossintática; mudança textual e mudança lexical; e mudança textual e mudança semântica

(WRIGHT, 1998, p. 303-308), alertando, então, para o cuidado que se deve ter. Ao concluir o seu artigo, adverte R. Wright:

[...] la filologia tradicional y la lingüística histórica necesitan combinarse, y combinarse con el sentido común; y podremos aprovecharnos de la experiencia sacada de lo que se ve passar en el mundo moderno, y de los enlaces estabelecidos entre el habla y la escritura por especialistas tales como Coulmas. Así, aunque quedarán dificuldades ‒ ¿como no? ‒ andaremos menos despistados67 (WRIGHT, 1998, p. 308).

64 Tradução: “[...] todos os dados diretos que temos estão escritos”.

65Tradução “[...] possível traçar mudanças verificadas na apresentação dos dados textuais, e, de vez em quando, tirar conclusões sobre o fato de a língua falada ter também mudado”.

66Tradução: “[…] estas conclusões não costumam ser simples, porque as ligações existentes entre a escrita e a fala são diversas nas diferentes comunidades e épocas”

67“[...] a filologia tradicional e a linguística histórica necessitam combinar-se com o senso comum; e poderemos aproveitar-nos da experiência tirada do que se vê passar no mundo moderno, e dos enlaces estabelecidos entre a fala e a escrita por especialistas como Coulmas [em The writing systems of the world, de 1989]. Assim, mesmo que permaneçam dificuldades ‒ como não? ‒ andaremos menos despistados”.

OS LIVROS DO TOMBO

O Livro Velho do Tombo e o Livro III do Tombo, como os demais Livros do Tombo – são, ao todo, seis livros – define-se como um conjunto de cadernos, costurados ordenadamente e formando um bloco (FARIA; PERICÃO, 2008, p. 458), em papel avergoado, filigranado, provavelmente do século XVII. Trata-se de um conjunto de folhas dobradas e costuradas no festo, cobertas com uma capa de material duro (papelão e couro), cuja função é servir de registro de doações – sesmarias e escrituras (PORTA, 1958, p. 242) pertencentes ao mosteiro.

A edição e o estudo dos Livros do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia vêm sendo desenvolvidos desde 2007, contando, desde 2008, com apoio do CNPq, ressaltando-se que a edição de dois deles ficou sob nossa coordenação. Os Livros do Tombo, foram, em 2012, por decreto do Ministério da Cultura, nomeados no Registro Nacional do Brasil do Programa

Mémória do Mundo da UNESCO (BRASIL, 2012), e obteve-se, em 2013, aprovação do projeto

de publicação dos cinco Livros do Tombo subsidiado pela Petrobrás, finalmente publicados em 2016 (LOSE; PAIXÃO, 2016).

O Livro Velho do Tombo é uma coletânea de documentos datados de 1568 a 1716, trasladados no início do século XVIII. Traz nos termos de abertura e de encerramento a data de 1705, tendo sido trasladados noventa e dois documentos, ocupando 193 fólios dos 212 que compõem o livro. Por sua vez, o Livro III do Tombo traz os traslados de documentos datados entre 1552 e 1796. Os termos de abertura e de encerramento acham-se datados de 1803, tendo sido trasladados noventa e seis documentos, ocupando os 300 fólios do livro.

O próprio fato de constituir-se um Livro do Tombo é um costume medieval (TELLES, 2012c). Basta que se recorde o que diz Michel Parisse (2001) sobre os cartulários e se acha a comprovação do comportamento medieval na confecção dos Livros do Tombo, pelos abades do Mosteiro de São Bento da Bahia, Frei Emiliano da Madre de Deus (em 1705) e Frei José de Santa Rosa Vasconcelos (em 1803):

Ces pièces rangées avec infiniment de soin dans um coffre après avoir eté pliées pour mieux sauvegarder l’écriture, constituaient les preuves indispensables des droits et des possessions de l’église qui les détenait. Par prudence, elles étaient parfois copiées sur un autre support ou dans un recueil des chartes (cartulaire) pour être commodément consultées sans qu’on ait à sortir l’original de son depôt ou pour être groupées avec d’autres traitant du même objet. [...] Après les églises, les villes s’attachèrent à leurs “chartes”, surtout celles des franchises ou des communes, ou les “privilèges”. Un sort plus commun était réservé aux chartes ordinaires, aux simples notices, aux textes jetés à la hate sur un morceau de parchemin parfois maladroitement découpé. [...]La charte devient un document historique que les spécialistes interrogent pour y trouver toujours quelque fruit68 (PARISSE, 2001, p. 299 a-b).

Para a transcrição dos documentos dos Livros do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia, fez-se necessário compreender os aspectos relativos ao nível gráfico do texto, sobretudo se se consideram as datas e os diferentes scriptores que neles intervieram. Essa análise permitiu que se fizessem avaliações de caráter grafemático-fonético. De acordo com os despachos jurídicos, em todos os documentos do Livro Velho do Tombo tem-se obrigatoriamente dois

68 Tradução: “Essas peças, arrumadas com infinito cuidado em um cofre depois de terem sido dobradas para melhor proteger a escritura, constituíam provas indispensáveis dos direitos e das posses da igreja que os detinha. Por prudência elas eram muitas vezes copiadas em outro suporte ou em uma coletânea de cartas (cartulário) para serem comodamente consultadas sem que se tenha tirado o original do seu depósito ou para serem agrupadas com outras que tratassem do mesmo objeto. [...] Depois as igrejas, as cidades dedicaram-se às suas “cartas”, sobretudo aquelas de franquias ou de comunas, ou os ‘privilégios’. Uma sorte mais comum era reservada às cartas ordinárias, às simples notícias, aos textos lançados com pressa sobre um pedaço de pergaminho muitas vezes mal cortado. [...] A carta torna-se um documento histórico a quem os especialistas interrogam para aí sempre encontrar algum fruto”.

scriptores: o tabelião-escrivão encarregado do traslado, acompanhado de outro tabelião-

escrivão, além do tabelião que autentica o traslado feito pelo escrivão (apenas no Livro Velho

do Tombo e no Livro II do Tombo69). No Livro III do Tombo, tem-se a indicação do tabelião- escrivão que deveria fazer o traslado, mas nota-se a ausência da autenticação feita pelo tabelião que deveria “conferir, consertar e assinar” o traslado.

Entretanto, em cada um dos documentos podem ser identificados outros scriptores: o escrivão ou o tabelião encarregado de preparar o documento original; os responsáveis pelos diferentes documentos trasladados, como, por exemplo, o doador; o testador ou o contestador do testamento; as diferentes testemunhas. Essas outras scriptae são reconhecidas apenas pela autenticação do tabelião, que, ao dar fé de que o traslado corresponde ao texto original, valida os demais scriptores.

A partir de uma transcrição diplomática, foi feita a edição semidiplomática dos textos, construindo-se, desse modo, o texto fonte quer para a edição diplomático-interpretativa (LIVRO VELHO DO TOMBO, 2016a; LIVRO III DO TOMBO, 2016a) quer para a edição em hipertexto (LIVRO VELHO DO TOMBO, 2016b; LIVRO III DO TOMBO, 2016b).

A propósito do tipo de edição a ser realizada, são muito elucidativas as observações de José Luis Rivarola, na introdução da sua edição de documentos peruanos, quinhentistas e seiscentistas, lembrando as premissas necessárias a edições desse tipo de documentação destinada “[...] a servir de fuente para el estudio de una realidad lingüística del passado, a saber, las relativas al grado de confiabilidad que presentan o deben presentar las piezas que forman el conjunto70” (RIVAROLA, 2009, p. 10).

Ora, é sabido que toda a documentação de que se dispõe até o início do século XX é de natureza escrita. Desse modo, para o português escrito no Brasil Colônia, os documentos dos

Livros do Tombo são uma fonte de conhecimento sobre a variante da língua portuguesa utilizada

pelos scriptores dos documentos trasladados. Assim, os documentos dos Livros do Tombo são fundamentais para auxiliar no conhecimento da história do fonetismo do português e, entre outros fenômenos, o das vogais mediais átonas (TELLES, 2014). Ao considerar a proposta de Jânia Ramos e Renato Venâncio (2006), tais documentos manuscritos não podem ser incluídos no que eles denominam “início da expressão escrita em português brasileiro”.

Assinale-se, como escreve Zamudio Mesa (2010, p. 16), que as variedades de representação do escrito transpõem para o meio gráfico elementos ou unidades que compõem a linguagem oral. Ora, ainda que não se possa representar globalmente todo o fonético (WRIGHT, 1998, p. 304), pode avaliar-se, na história do fonetismo do português, entre outros fenômenos, as realizações das vogais mediais átonas e do sistema de sibilantes.

A documentação escrita é de ordem jurídica, em seus diversos gêneros, e outro aspecto do processo de escrita deve ser ressaltado, o usus scribendi. A esse propósito vale lembrar as duas advertências feitas por Afrânio Barbosa (2008) que devem conduzir à análise de documentos escritos:

1) “[...] os escritos que sobreviveram ao tempo e chegam às nossas mãos são, em geral, produtos de uma ação artificiosa de afastamento da expressão oral” (BARBOSA, 2008, p. 184).

2) nos estudos histórico-linguísticos é necessário “conhecer, e considerar, em cada conjunto de fontes escritas, essas e outras tradições discursivas” (BARBOSA, 2008, p. 184).

69 O Livro I do Tombo e o Livro III do Tombo não trazem autenticações dos tabeliães, ainda que neles se possam encontrar as anotações marginais da mão do tabelião Joaquim Tavares de Macedo.

70 Tradução: “[...] a servir de fonte para o estudo de uma realidade linguística do passado, a saber, as relativas ao grau de confiabilidade que apresentam ou devem apresentar as peças que formam o conjunto”

Para o português escrito no Brasil Colônia, os documentos dos Livros do Tombo do

Mosteiro de São Bento da Bahia são uma fonte de conhecimento sobre a variante da língua

portuguesa utilizada pelos scriptores dos documentos trasladados. O período coberto pela documentação dos Livros do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia vai da época imediata à fundação do Mosteiro ao início do século XIX, data dos últimos traslados dessa documentação: daí falar-se de Brasil Colônia. Pode indagar-se até que ponto um texto em português escrito no Brasil Colônia mostra as mesmas características grafemáticas documentadas em textos quinhentistas e, na tentativa de melhor responder à questão, buscou- se fazer, de início, uma transcrição conservadora (TELLES, 2009), que permitisse desenvolver- se o estudo grafemático, levando à verificação de uma relação grafemático-fonética.

Vale ressaltar que, a partir das quatro possibilidades de relações entre as mudanças textuais e as mudanças linguísticas analisadas por R. Wright (1998), foram considerados, no

Livro Velho do Tombo os registros nos documentos trasladados, autenticados pelo tabelião João

Baptista Carneiro e aqueles não autenticados do Livro III do Tombo (TELLES, 2017c, 2014). A VARIAÇÃO GRÁFICA NAS VOGAIS PRETÔNICAS

Telles (2013, 2014) lembra que, na língua portuguesa, como em outras línguas românicas, as vogais mediais átonas, em posição não final, são marcadas pela perda de oposição (BARBOSA, 1983; CÂMARA JR., 1975; 1953). Câmara Jr. afirma que o quadro vocálico das cinco vogais átonas mediais em posição não final (i e a o u) teria sido trazido para o Brasil na primeira fase da colonização portuguesa (CÂMARA JR., 1975, p. 44). No que tange ao quadro românico da evolução das vogais átonas, Câmara Jr. (1975) afirma:

Nas vogais pretônicas não se estabeleceu a oposição entre grau fechado nas médias. O resultado foi um quadro de cinco vogais, onde a vogal baixa, mudando de qualidade fonética, é francamente central, ou antes, ligeiramente posterior e se costuma classificar como “fechada” ([ɐ]): [...]. (CÂMARA JR., 1975, p. 43-44).

A propósito das neutralizações, assinala Câmara Jr. (1953, p. 76) serem fenômenos comuns em posição átona, explicando: “Assim, basta a ausência de tonicidade para anular as oposições distintivas entre /è/ e /e/, de um lado e, de outro lado, entre /ò/ e /o/, com a fixação do segundo elemento de cada par na pronúncia do Rio de Janeiro” [...] (CÂMARA JR., 1953, p. 76). Acrescenta logo adiante que: “Em condições átonas particulares, a neutralização é em toda a série (seja a anterior seja a posterior), e temos, então a série anterior representada pelo arquifonema /i/ e a série posterior pelo arquifonema /u/” (CÂMARA JR., 1953, p. 77). Ainda Câmara Jr., após lembrar que a “distribuição do quadro de vogais átonas” [...] “é um dos problemas mais intrincados da fonêmica portuguêsa no Brasil” (CÂMARA JR., 1953, p. 77), assinala dois fatos que interessam diretamente ao problema aqui proposto:

As sílabas pré-tônicas apresentam uma enunciação menos fraca, que condiciona o quadro de 5 vogais, com o desaparecimento das oposições /è/ - /e/ e /ò/ - /o/ apenas (CÂMARA JR., 1953, p. 78). [...]

[...] Com efeito, [as vogais átonas pretônicas] oscilam numa maior ou menor atonicidade, em função da intenção expressiva ou do estilo articulatório. Tornam-se singularmente fracas não só nos vocábulos pouco relevantes da frase, mas também, generalizadamente, na pronúncia articulatòriamente relaxada da fala familiar” (CÂMARA JR., 1953, p. 78).

A esse propósito, entretanto, é ainda Câmara Jr. que adverte:

Nestas condições, pode dar-se uma neutralização sui-generis das oposições /e/ - /i/ e /o/ - /u/. Em princípio temos os dois sons de cada par, ao contrário do que sucede em // posição átona final; mas a persistência do /e/ em vez do /i/, ou do /o/ em vez do /u/, é determinada pela natureza da vogal tônica com que a vogal átona tende a se harmonizar em abrimento bucal (CÂMARA JR., 1953, p. 78-79).

Chama, por fim, a atenção para a incerteza e para a precariedade das oposições das vogais átonas pretonicas e postônicas não finais /e/ - /i/ e /o/ - /u/, remetendo para o que V. Brøndal denomina cumulação (CÂMARA JR., 1953, p. 82).

Na tentativa de buscar-se uma explicação para a variação na grafia das vogais pretônicas na Bahia, relativamente ao processo de alçamento, observaram-se os casos onde se documenta a grafia com uma provável variação. Telles (2014), assinala que as pesquisas sobre o português falado na Bahia e em Sergipe têm trazido uma contribuição para o conhecimento da realização das vogais átonas na variante da língua portuguesa usada nessa região brasileira. Dentre outros trabalhos, destacam-se o de Jacyra Andrade Mota (1979), focado em Ribeirópolis (Sergipe) – analisando o comportamento das vogais átonas em variados contextos – e o de Myrian Barbosa da Silva (1989) sobre o comportamento dessas vogais na norma culta de Salvador (dados do NURC), confrontados com os do Atlas prévio dos falares baianos (ROSSI, 1963) e os de Ribeirópolis, em Sergipe (MOTTA, 1979). Na sua tese, M. B. da Silva (1989) apresenta, para as pretônicas, regras de comportamento categórico, ordenadas antes das variáveis.

Desse modo, em continuidade ao estudo da grafia das vogais átonas que se vem fazendo na scripta dos Livros do Tombo do Mosteiro de São Bento da Bahia, tem-se procurado avaliar quais indícios indicam a realização dessas vogais em posição pretônica (TELLES, 2014). A partir dos resultados obtidos por Myrian Barbosa da Silva (1989), tentou-se identificar e classificar os diferentes processos aí documentados e, com os resultados obtidos, não foi possível, identificá-los e classificá-los, entretanto, as variações gráficas mostram uma interferência da fala na escrita. Por sua vez, a proposta de Motta (1979), para a variante de Ribeirópolis (SE), levou à reflexão sobre a distribuição contextual das vogais átonas, considerando a sua posição na sílaba. Para duas das variáveis analisadas foram obtidos alguns registros sistemáticos, mas a variação gráfica para a representação escrita das vogais átonas pretônicas, nos Livros do Tombo, parece ser insuficiente pela quantidade de dados registrados.

No que tange à primeira das possibilidades assinaladas por R. Wright (1998), as

mudanças ortográficas e as mudanças fonéticas, foram considerados, nos Livros do Tombo, os

registros relativos ao nível grafemático que podem ser indícios de mudança fonética, ao lado de evidentes casos de lapsi calami.

Ao começar-se o estudo da scripta dos documentos (dos séculos XVI, XVII e XVIII), trasladados no início do século XVIII, do Livro Velho do Tombo, verificou-se que as relações grafemático-fonéticas mostram que nesses documentos se corrobora a variação que caracteriza o comportamento das vogais mediais átonas do português europeu (TELLES, 2014). Nessa perspectiva, foram analisadas as scriptae de seis tabeliães-escrivães:

• o scriptor 1, Lourenço Barboza (dois documentos), que se ocupa dos traslados dos documentos lançados aos fólios 1r ao 12v (VICENTE, 2013);

• o scriptor 4 (traslados nos fólios 37v-47r); • o scriptor 6 (traslados nos fólios 56r-87v);

• o scriptor 9 (dois documentos trasladados aos fólios 100v-159r; • o scriptor 10 (traslados nos fólios 159v-161v)

• e o scriptor 13 (traslados nos fólios 162v-166v).

A análise das inúmeras ocorrências registradas no Livro Velho do Tombo permitiu que se verificassem exemplos de equivalência grafemático-fonética de que se destacaram as grafias

que podem corresponder à transposição para a escrita de hábitos de fala no que tange à realização das vogais mediais átonas pretônicas, quatro séries de correspondências foram registradas:

a) [e] pretônico é grafado <i>, como em: imserraõ, Bemauinturado, milhor,

milhoramento, riligiozos (ao lado de religiozos);

b) [i] pretônico é grafado <e>, como em: rellegiaõ, creado, offecial, offecio, escreptura (ao lado de escriptura), constetuintes, emcorporada (ao lado de incorporada),

estepulante, solecitador, vertude, lemitez (ao lado de limites), estromento (ao lado de

instromento), deligencia, envestido;

c) [o] pretônico é grafado <u>, como em: custume, custumaõ, Ruberto, puderes; d) [u] pretônico é grafado <o>, como em: instromento, comprir, comprimento (usados ao lado de cumprir71), molher.

O estado atual da análise dos dados linguísticos que já puderam ser observados no Livro

III do Tombo tem como foco os documentos trasladados entre os fólios 3r e 157v. Nesses fólios

foram identificadas as intervenções de três scriptores, nenhum deles identificado. Os registros do Livro III do Tombo, logo no início dos traslados, parecia mostrar-se bastante promissor, pois, no título do primeiro documento trasladado, “Carta de S<e>/i\smaria dos Reverendos Padres

No documento Paleografia e suas interfaces (páginas 106-119)

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