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SOBRE A CENSURA E OS CENSORES

No documento Paleografia e suas interfaces (páginas 149-152)

As marcas deixadas pelos censores nos textos das peças teatrais, associadas aos Pareceres por eles exarados, evidenciam o uso de canetas, lápis de cor, de cera, para identificar os cortes, a seguir, marcados com carimbos com as palavras CORTE ou COM CORTES. Há ainda os carimbos da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) do Departamento de Polícia Federal (DPF), da Superintendência Regional (SR) que indicam o processo de circulação do texto pelos órgãos e instituições que julgam e validam as peças teatrais.

As representações teatrais de qualquer natureza (peças de teatro e espetáculos de variedades; bailados, pantomimas, musicais cantados ou falados, peças declamatórias e espetáculos circenses) para serem encenados no país no período da ditadura militar dependiam de: censura prévia; ensaio geral; certificado de censura expedido pela DCDP. (FAGUNDES87, 1975). Conforme o Art. 2º. da Constituição,

[e]ntende-se por censura o exame de toda a matéria a ser dirigida ao público, pelos meios de divulgação de massa, realizado com a finalidade de determinar sua classificação etária e autorizar sua exteriorização total ou parcial, em todo ou em parte do Território Nacional. (FAGUNDES, 1975, p. 95).

O órgão central de censura se organizava da seguinte forma: direção geral do Departamento de Polícia Federal (DPF), a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), o Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP) que se ocuparia de várias seções (cinema, televisão e rádio, expediente, projeção), dentre elas, a Seção de Censura de Teatros e Congêneres (SCTC) (FAGUNDES, 1975). “[R]eorganizaram-se as TCTC (Turmas de Censura de Teatro e Congêneres): os técnicos de censura trabalhavam sob a coordenação de um censor- chefe subordinado à Seção de Censura de Teatro e Congêneres (SCTC), e esta ao SCDP.” (BERG, 2002, p. 95). Quantos aos órgãos descentralizados de Censura, destacamos ainda as Superintendências Regionais (SR) de cada estado. Os carimbos nos textos das peças teatrais evidenciam o caminho percorrido por tais textos nos bastidores da Censura.

Os técnicos de censura eram funcionários públicos, que prestavam concurso, para o qual era exigido, de acordo com a Lei 5.536/68, apresentar “diploma, devidamente registrado, de conclusão de curso superior de Ciências Sociais, Direito, Filosofia, Jornalismo, Pedagogia ou Psicologia” (FAGUNDES, 1975, p. 82), “salvo aos que já ocupavam o cargo de censor federal

87 Coriolano de Loyola Cabral Fagundes foi técnico de censura do Departamento de Polícia Federal e possui Diploma de Censor Federal, pela Academia Nacional de Polícia (FAGUNDES, 1975, verso da folha de rosto do livro).

[...] classificados, de acordo com o nível de escolaridade, em TCs – classe A (até o segundo grau) e classe B (nível superior)” (BERG, 2002, p. 93). Para a nomeação, os censores deveriam ainda ter “aprovação em Curso de Formação de Técnico de Censura, ministrado pela Academia Nacional de Polícia” (FAGUNDES, 1975, p. 82). Além disso, a Direção do Departamento de Polícia Federal promovia cursos periódicos de aperfeiçoamento e atualização profissional. Os técnicos de censura “recebiam da DCDP treinamento e apostilas contendo o que deviam ou não censurar [...], além da legislação necessária para fundamentar seus pareceres.” (BERG, 2002, p. 93).

Os artistas e demais profissionais da diversão pública teriam de seguir o texto aprovado pela DCDP, após o ensaio geral, não podendo realizar quaisquer modificações. Os censores recebiam os textos em três vias e emitiam seus pareceres. Neles, registrava-se a apreciação do censor em relação ao trabalho avaliado, no caso, o texto da peça teatral, fundamentada na base legal que justificava a prática censória, a saber: Lei 5.536/68 (lei de censura de diversões públicas), o Decreto 20.493/46, a Lei de Segurança Nacional – Decreto-lei 898/69 e o Decreto- lei 1.077/70. Por fim, a DCDP expedia o Certificado de Censura, que teria modelo próprio e seria válido por 5 anos, a contar da data de sua expedição (FAGUNDES, 1975). Segue, na figura 9, o Certificado de Censura de A morte do agregado, original de Robert Frost, adaptado para o teatro por Ildásio Tavares.

Fig. 9 - Certificado de Censura

Fonte: Núcleo de Acervo do Espaço Xisto Bahia – ATTC

Amparados pela referida base legal, os técnicos de censura exaravam seus pareceres, considerando alguns assuntos proibidos como parâmetro para seu julgamento censório: sexo, política, drogas, violência, dentre outros. O conteúdo que justificava a proibição ou o corte, no campo da diversão pública, era aquele que:

I) ATENT[ASSE] CONTRA A SEGURANÇA NACIONAL, por conter, potencialmente:

a) incitamento contra o regime vigente; ofensa à dignidade ou ao interesse nacional; b) indução de desprestígio para as forças armadas; c) instigação contra autoridade;

d) estímulo à luta de classe; e) atentado à ordem pública;

f) incitamento de preconceitos étnicos; g) prejuízo para as boas relações diplomáticas.

II) [FERISSE] PRINCÍPIOS ÉTICOS, por constituir-se, em potencial, em: a) ofensa ao decoro público;

b) divulgação ou indução aos maus costumes;

c) sugestão, ainda que velada, de uso de entorpecentes;

d) fator capaz de gerar angústia, por retratar a prática de ferocidade; e) sugestivo à prática de crimes.

III) CONTRARI[ASSE] DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, por representar, potencialmente:

a) ofensa a coletividades; ou b) hostilização à religião. (FAGUNDES, 1975, p. 136-137)

A censura a qualquer texto teatral se fez mediante apresentação de três exemplares do texto, mimeografados ou impressos. Depois de analisados, um exemplar foi conservado no arquivo da DCDP, e os demais, foram encaminhados “ao setor correspondente do órgão descentralizado do DPF, no respectivo Estado, que [entregava] uma via ao interessado, retendo a outra em seu poder, exceto no caso de interdição” (FAGUNDES, 1975, p. 115). A prática censória ainda se fazia no ensaio geral, no qual outro técnico de censura fazia sua avaliação e encaminhava um relatório à DCDP.

Para exemplificar o que dissemos, segue uma folha do texto da peça Vegetal Vigiado, de Nivalda Costa (fig. 10), com a indicação dos cortes (em tinta azul), e carimbos correspondentes aos mesmos (em cor preta), daquilo que deveria ser observado no ensaio geral, e carimbos da SBAT e da DCDP-DPF (em cor azul).

Fig. 10 - Uma folha de Vegetal Vigiado

Fonte: COSTA, [1977], f. 6

No documento Paleografia e suas interfaces (páginas 149-152)

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