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Flexibilização ou redução de direitos?

6 SITUAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO NA CONTEMPORANEIDADE

6.2 A INSISTÊNCIA EM DETERMINADOS GRUPOS DE PRESSÃO NA

6.2.1 Flexibilização ou redução de direitos?

Não é preciso uma análise pormenorizada, quando se observa na maioria das situações fáticas que, quando se fala em flexibilização de direitos, em verdade, o que se deseja é que direitos existentes sejam mitigados sem a devida contrapartida. Mais uma vez, quase sempre estas propostas vêm acompanhadas de ameaças de demissão dos trabalhadores, da mudança de local da fábrica ou de outras argumentações falaciosas que afastam a empresa de valores éticos e morais e fulminam qualquer tentativa de enquadrá-la dentro da chamada responsabilidade social. Através da estratégia do medo e das mais diversas ameaças, as empresas preferem a escolha de manter lucros elevados em detrimento da qualidade de vida dos trabalhadores. É o agradecimento do capital àqueles que, por vezes, dedicaram à saúde, a família, enfim, a vida, ao crescimento de uma corporação que, dependo de uma decisão, abandona a todos a própria sorte.

Este comportamento empresarial não é privilégio da Brasil. No campo internacional existem exemplos de empresas que optaram pela estratégia do medo, para implementar mecanismos flexibilizatórios lesivos aos trabalhadores. É o que revela Ariosvaldo de Oliveira Santos através das seguintes informações:

No início do segundo semestre de 2004, por exemplo, trabalhadores de uma fábrica de componentes automotivos da filial francesa da empresa Bosch assinaram acordo coletivo pelo qual fica estabelecida uma jornada superior a 35 horas semanais sem aumento de salários. Como instrumento de pressão, a fábrica utilizou um argumento que tem sido uma realidade para diversos movimentos sindicais: a deslocalização das atividades para a Hungria, onde a força de trabalho é mais barata. Argumento que vem sendo amplamente utilizado pelas empresas, como demonstra outro caso exemplar, o da fábrica

da Renault Vilvorde, que nos anos 1990 encerrou suas atividades na Bélgica alegando os altos custos de produção das unidades automotivas.12

Adentrando a esfera nacional, é preciso inicialmente que seja estabelecida a diferença entre flexibilização e desregulamentação. Lygia Maria Godoy estabelece esta distinção e explica uma possível razão pela qual estes termos são, por vezes, utilizados indiscriminadamente. De acordo com a autora:

Inicialmente, cabe ressaltar que os vocábulos “flexibilização” e “desregulamentação” embora possuam conceitualmente significados distintos – já que flexibilidade pressupõe a capacidade de adaptação das normas trabalhistas às novas relações de trabalho e desregulamentação pressupõe a eliminação de regras estatais trabalhistas -, são usados como sinônimos. Talvez essa denominação genérica de flexibilidade seja uma forma deliberada de ocultarem-se os novos controles que a nova ordem impõe.[...].

A “desregulamentação”, também entendida como flexibilização unilateral, pode ser imposta pelo Estado ou pelo empregador com o fim de diminuir benéficos trabalhistas sem oferecer uma contrapartida determinada, aspecto que a diferencia da “flexibilização”, que a priori seria a adaptação autônoma, negociada e condicionada a uma contraprestação específica dos direitos trabalhistas. Ou seja, a desregulamentação. 13

Oscar Ermida Uriarte alerta para o perigo da utilização genérica do termo flexibilidade. Conforme exposto no tópico anterior, é preciso saber diferenciar os aspectos positivos e negativos carregados pela expressão. Observa o autor que:

O uso genérico do vocábulo flexibilidade, em sua acepção mais ampla, está eivado de intencionalidade, resultante de uma tomada de posição ideológica. Opõe-se o termo “flexibilidade” como algo positivo em face das condições supostamente negativas de seu oposto “rigidez”, que evocaria qualificativos de tosco, grosseiro, rude, inadaptável. Mas, por outro lado, só as condições positivas do flexível são citadas, omitindo-se as negativas, tais como as que se referem ao inseguro, instável, maleável, complacente, fraco e até servil ou genuflexo.14

12 SANTOS, Ariosvaldo de Oliveira. A Nova Crise do Sindicalismo Internacional. In: ANTUNES, Ricardo (org.). Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 454.

13 CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. A Flexibilização do Direito do Trabalho no Brasil:

Desregulação ou Regulação Anética do Mercado?. São Paulo: LTr, 2008, p. 130-131.

Coube ao Brasil promover a primeira reforma desregulamentadora da América Latina, que se manifestou através do advento do FGTS, em substituição a antiga estabilidade decenal. Houve, portanto, uma troca do direito a continuidade do emprego, por um valor pago previamente, permitindo ao empregador dispor livremente do direito de despedir, desde que pague a multa cabível quando do ato da dispensa. Destarte, criou-se a possibilidade clara de rotatividade do mercado de trabalho, sobretudo em face dos elevados índices de desemprego e informalidade que assolam a realidade brasileira. Oscar Ermida Uriarte expõe como o FGTS, ao invés de tornar-se um mecanismo de proteção ao trabalhador, em verdade, provoca e estimula a rotatividade dos postos de trabalho:

Com efeito, embora a substituição da indenização pela retirada da soma depositada num fundo não significasse perda econômica para o trabalhador e pudesse mesmo dar-lhe maior certeza do crédito, ao livrá-lo do risco da insolvência ou do simples descumprimento patronal, esse sistema de dispensa totalmente livre e até “pré-pago” gerou, alimentou ou tolerou uma grande predisposição para a dispensa, convertendo-a numa promoção da rotatividade no emprego, a ponto de, nos últimos anos, o próprio Governo brasileiro considerar a alta rotatividade no emprego um dos maiores problemas a ser enfrentado pela política trabalhista do país. De fato, essa rotatividade é de mais de 30% anuais ou, em outras palavras, o trabalhador brasileiro, em média, não permanece mais de dois anos numa mesma empresa. [...]. Por mais que a Constituição de 1988 tenha restabelecido a obrigação do pagamento de uma modesta indenização a cargo do empregador, em caso de dispensa sem justa causa, o FGTS continua sendo um estímulo à extinção da relação de trabalho.15

A Constituição de 1988, mais uma vez tornou-se um marco na proteção dos direitos trabalhistas, no sentido de só permitir a flexibilização de direitos nos casos albergados diretamente em seu texto legal. Silvio Beltramelli Netto entende que tal fato decorre da legitimação do Poder Constituinte Originário, pois tal poder é incondicional, ilimitado e autônomo. O autor discorre sobre o tema, apresentando este rol taxativo de possibilidades de flexibilização constitucionalmente previsto dentro do art. 7°:

A primeira encontra-se no inciso VI, que positiva como direito do trabalhador urbano e rural o tradicional Princípio da Irredutibilidade Salarial; porém o relativiza, nestes termos: “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.” (destacado). A segunda consta do inciso XIII: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e

a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.” (destacado). Finalmente, a terceira surge do inciso XIV: “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.” (destacado).16

A existência destes limites é a garantia que a sociedade e, mais precisamente, a classe trabalhadora possui, para que direitos historicamente conquistados e devidamente albergados sob o status de norma constitucional, venham a ser preservados e gradativamente ampliados, sempre em busca da valorização progressiva do trabalho e do trabalhador.

Por último, é preciso desvincular as propostas de flexibilização como fator decisivo e de grande influência para a redução dos elevados índices de desemprego. Como as propostas de flexibilização e desregulação partem de grupos interessados unicamente com o capital, parece razoável que tais propostas recheadas de tamanha generosidade soem falaciosas. Em verdade, estudos demonstram que não existe relação entre flexibilização e taxa de desemprego. Nesse sentido, Oscar Ermida Uriarte informa, para em seguida advertir que:

Há vários anos que na OIT se vem duvidando da relação entre desregulamentação e emprego. Nas publicações mais recentes, já se afirma abertamente que, em geral, as reformas flexibilizadoras não têm contribuído para gerar emprego, mas, em compensação, teriam contribuído para deteriorar a qualidade do emprego restante. [...].

O fato é que o verdadeiro problema do emprego não é o Direito do trabalho nem o sistema de relações de trabalho, cuja incidência no emprego é muito relativa. O verdadeiro problema é um sistema econômico que destrói mais do que gera postos de trabalho. A substituição da mão-de-obra, mais a conveniência economicista de manter um desemprego funcional são os reais problemas. E a solução não está no Direito do Trabalho, mas fora, porque o problema em si está fora. A solução não pode ser uma progressiva degradação das condições de trabalho, porque seria suicida e porque, além disso, nenhum empregador contrata trabalhador que não precisa, só porque é mais “barato”, e nenhum empregador deixa de contratar trabalhador de que precisa, porque é um pouco mais “caro”.17

16 BELTRAMELLI NETO. Silvio. Limites da Flexibilização dos Direitos Trabalhistas. São Paulo: LTr, 2008, p. 79.

17 URIARTE, Oscar Ermida. Op. cit, p. 59.

O autor fez um cuidadoso levantamento de tendências flexibilizatórias e taxas de desemprego em alguns países, constatando a falácia da flexibilização como mecanismo de redução de desemprego. Apenas para ilustrar, é cabível transcrever os dados da Espanha e da Argentina. Diz então o autor que “na Espanha, o processo de flexibilização iniciou-se, fundamentalmente, a partir de 1984, com uma taxa de desemprego da ordem de 10%. Após uma década de reformas flexibilizadoras, o desemprego, que deveria ter baixado, subiu para cerca de 22%. Resultado: menos trabalhadores ocupados, menos protegidos. Em 1997, reage-se contra isso e se celebra o citado Acordo Internacional de Estabilidade no Emprego para promover o contrato de longa duração. E, curiosamente, o desemprego cai moderadamente para 18 ou 19%. No caso chileno, “depois da reforma trabalhista de 1978/79, o desemprego também aumentou persistentemente até 20% e só desceu após a adoção de drásticas medidas macroeconômicas – inclusive uma hiperdesvalorização – totalmente alheias ao trabalho. Aí, sim, o desemprego

6.3 O SALÁRIO MÍNIMO COMO INSTITUTO CONCRETIZADOR DA DIGNIDADE DO