• Nenhum resultado encontrado

O TRABALHADOR TERCEIRIZADO E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA

4 O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO E A TERCEIRIZAÇÃO

4.6 O TRABALHADOR TERCEIRIZADO E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA

Celso Antônio Bandeira de Mello estabelece três critérios basilares cujo preenchimento provoca uma diferenciação que importa em quebra da isonomia. Diz o autor referindo-se a tais questões que:

a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímem e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicializados.40

O trabalho terceirizado guarda relação com os critérios de quebra de isonomia expostos acima.

Em primeiro lugar, a remuneração destinada ao trabalhador terceirizado, na grande maioria das vezes, é inferior a um paradigma diretamente contratado. O salário passa a ser, in

casu, o elemento tomado como fator de desigualação, conforme exposto no item “a”

supracitado.

Em segundo lugar, sabe-se que os trabalhadores quando contratados exclusivamente pela iniciativa privada são regidos pelo mesmo conjunto de regras trabalhistas, porém com uma diferenciação, o trabalhador terceirizado encontra um caminho maior para conseguir o adimplemento de obrigações trabalhistas pela via judicial em face do instituto da subsidiariedade.

Nessa situação, a empresa tomadora de serviços deve ser demandada primeiramente, em caso do inadimplemento das obrigações trabalhistas mesmo que esteja inoperante, ou seja, a satisfação do crédito do trabalhador terceirizado deve ser buscada na empresa terceirizada. Não havendo sucesso nesta busca, caberá então a tomadora dos serviços, arcar com as verbas devidas, pois incorreu em culpa in eligendo e in vigilando. Tal fato resulta do inciso IV, da Súmula 331 do TST. Destarte, é inegável a existência de um tratamento jurídico diversificado, conforme exposto no item “b” acima citado.

40 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed., 18ª tir.. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 21.

A jurisprudência tem buscado minimizar os efeitos dos fatores que implicam em quebra de isonomia expostos acima, combinando duas trilhas principais:

A trilha da isonomia remuneratória entre os trabalhadores terceirizados e os empregados originais da empresa tomadora de serviços e a trilha da responsabilização do tomador de serviços pelos valores trabalhistas oriundos da prática terceirizante. Isonomia remuneratória e responsabilidade trabalhista têm sido, assim, os dois mecanismo principais que, hoje, após longos anos de debate, a jurisprudência tem eleito como viabilizadores da adequação mínima necessária da fórmula terceirizante às regras e princípios essenciais ao Direito do trabalho (grifo do autor).41

Julio Bernardo do Carmo reforça a constatação de que existe uma diferenciação remuneratória entre um trabalhador diretamente contratado e um terceirizado que exerce as mesmas funções. Para o autor esta situação representa invariavelmente um mecanismo de quebra de isonomia. Esclarece o autor:

A generalização irrestrita da terceirização, fora do âmbito específico da Lei n° 6.019/74, ou seja, quando é feita mediante um contrato de prestação de serviços entre a empresa fornecedora e a empresa tomadora, torna possível, por não ter sido ainda regulamentada tal instituto jurídico no Brasil, o vilipêndio ao princípio protetor da isonomia salarial, porque mesmo executando o mesmo labor do empregado da tomadora, o trabalhador da empresa fornecedora aufere salários bem inferiores, a par de ser alijado das melhores condições de trabalho existentes na empresa tomadora, geralmente estratificadas em acordos e convenções coletivas de trabalho e mesmo em sentenças normativas, situação insuportável, máxime quando presente a pessoalidade e a subordinação direta às ordens e diretrizes da empresa beneficiária da prestação de serviços.42

Karen Artur entrevistou alguns Ministros do TST, com o fito de obter a visão de seus membros sobre o trabalho terceirizado. Em uma das entrevistas o autor atribui a Ives Gandra as seguintes palavras:

O inquérito que eu entrei contra um banco sobre o pessoal que fazia digitação e compensação bancária. O pessoal trabalhava lá no banco, com

41 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 437.

42 CARMO, Júlio Bernardo do. Terceirização Ilícita no Âmbito das Empresas de Telecomunicações e a

Liminar Concedida na Reclamação STF N° 10.132-Paraná. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho.

equipamento do banco, simplesmente iam com uma camiseta de outra empresa, não recebiam todos os direitos dos bancários. Um grupo de empresários dessas empresas que vendiam os serviços para os bancos dizia: ‘é claramente caracterizada a prestação de serviços, porque nós não recebemos por empregado, recebemos por número de toques que é dado’. Ei disse: ah, é? Então, vocês só estão alugando os dedos. Não é nem o trabalhador, são só os dedos. Então, isso é locação de mão-de-obra, esse empregado tem direito ao vínculo direto com o banco. Já que não é possível estabelecer este vínculo, porque precisa fazer concurso, no mínimo deveria receber o que ganharia um bancário.43

Agrava-se a situação albergada nesta segunda hipótese, quando o trabalhador terceirizado, integra um sistema diferente de seu paradigma, fato que fica claro, por exemplo, quando o mesmo serviço bancário é exercido por um prestador de serviços, regido exclusivamente por um conjunto de normas jurídicas, ao lado de outro regido por um conjunto normativo com normas que denotem maior proteção. Em suma, um é empregado simplesmente regido pela CLT, enquanto que o outro é um empregado público.

A situação última e extrema ocorre quando dentro de uma mesma instituição trabalham um servidor público e um terceirizado. Neste caso, é fácil perceber na prática as diferenças de ambos. Enquanto o interesse público resguarda através de um Estatuto próprio os direitos e interesses do servidor público, incorre em sofrimento o trabalhador terceirizado com as diferenças protetivas gritantes oferecidas pela iniciativa privada.

Adverte Celso Antônio Bandeira de Mello que a hostilidade a qualquer um dos requisitos importa em ofensa ao princípio da isonomia.44 Conforme exposto os três requisitos são atacados pelo instituto do trabalho terceirizado, não restando dúvidas que tal forma laboral fere o princípio da igualdade, sendo necessário seu combate nos moldes praticados atualmente.

Fica claro, portanto, que a legitimação do trabalho terceirizado nos moldes atualmente praticados, acarreta a criação de uma subclasse de trabalhadores, podendo-se afirmar que, em verdade, estes trabalhadores são considerados obreiros de segunda categoria. Uma situação inaceitável quando se deseja a consolidação de um Estado Constitucional de Direito.

Interpretando-se o princípio da igualdade em sua fundamentalidade e numa dimensão onde veda expressamente o arbítrio, a doutrina portuguesa, através de Guilherme Machado Dray, considera a presença de caráter negativo, pois:

43 ARTUR, Karen. O TST Frente à Terceirização. São Carlos: EduFSCar, 2007, p. 107 44 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. 22.

Ao interditar o tratamento de pessoas ou grupos de pessoas posicionadas em situações essencialmente idênticas de forma arbitrariamente desigual, ou o tratamento de pessoas ou grupos de pessoas essencialmente desiguais de forma arbitrariamente idêntica, o princípio da igualdade impõe inequivocamente uma obrigação aos poderes do Estado em favor do indivíduo.45

Desta forma, percebe-se que existe uma permissividade legal na discriminação dos trabalhadores terceirizados com os seus paradigmas diretamente contratados, conforme demonstrado através das notórias diferenças salariais e das condições laborais sobre as mais diversas vertentes. Assim, o princípio da igualdade também é fulminado pela terceirização através de sua vertente negativa, ou seja, a Não Discriminação. Para entender tal fato, é cabível recorrer a lição de Yara Maria Pereira Gurgel. De acordo com a autora:

A igualdade e a não discriminação são signos que tramitam de forma simbiótica. A idéia de tratamento isonômico gera a proibição de tratamento discriminatório. Em conseqüência, está presente o desrespeito ao Princípio da Igualdade; a discriminação fica caracterizada, ainda que de forma indireta. Assim, sempre que se fala em Princípio da Igualdade, este deve ser associado a sua vertente negativa – Não Discriminação.

A construção da vertente negativa do Princípio da Igualdade deriva da própria axiologia do direito ao tratamento isonômico. Enquanto o Princípio da Igualdade é o coração de todo o sistema jurídico, sua vertente negativa – não discriminação – é o sistema nervoso central, que irradia e conduz a Norma-Regra. Assim sendo, o princípio da Não Discriminação não é o mero apêndice, mas parte integrante do Princípio da Igualdade, sob o qual não há equivalência de tratamento.46

Por fim, para ilustrar este quadro de desigualdades, é cabível transcrever os dados de uma pesquisa que demonstra a presença forte e dramática do sentimento de desigualação colhidos através dos relatos de trabalhadores terceirizados de empresas petroquímicas e químicas na Bahia. Annie Thébaud-Mony e Graça Druck ocuparam-se de compilar esses dados, constatando que:

Na própria fala dos trabalhadores, são constatadas a desvalorização e a discriminação. Em pesquisa realizada com trabalhadores de empresas petroquímicas e químicas na Bahia, quando inqueridos se gostariam de ser

45 DRAY, Guilherme Machado. O Princípio da Igualdade no Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 1999, p. 125.

46 GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, Princípio da Igualdade e Não Discriminação: Sua

terceirizados, 93% responderam negativamente. Dentre esses, as principais justificativas apresentadas foram às seguintes: para 47%, a perda de direitos, de benefícios, de recompensa de salários; para 11%, a instabilidade e a insegurança; para 7%, a falta de condições de trabalho nas terceiras. Os demais entrevistados apresentaram grande variedade de justificativas, todas associadas ao sentimento de desvalorização, humilhações e “perda de auto- estima”, em clara referência à discriminação, em termos de condições inferiores aos trabalhadores permanentes.47

4.7 A TERCEIRIZAÇÃO COMO UM FENÔMENO PRECARIZADOR DO DIREITO