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O humilhante controle imposto aos atendentes

5 SOFRIMENTO E PRECARIZAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO

5.5 A CONTRIBUIÇÃO DA INFORMÁTICA NA DEGRAÇÃO DO TRABALHO

5.5.2 O humilhante controle imposto aos atendentes

A informática trouxe também o advento de uma classe de trabalhadores submetida a condições de intensidade e exploração do trabalho surpreendentes. O avanço tecnológico não foi capaz de suprir a classe trabalhadora de atividades laborais decentes, fato constatado com o advento de algumas profissões, sobretudo nos últimos anos, que já nasceram precarizadas exatamente pelo avanço e o desenvolvimento de hardwares e softwares, utilizados progressivamente e, cada vez de forma mais agressiva, no monitoramento e no gerenciamento dos trabalhadores.

Na verdade, os teleoperadores constituem uma reinvenção das atividades exercidas pelas antigas telefonistas, porém, com uma intensificação das condições precárias de trabalho. Há 30 anos as telefonistas já sofriam o terror e as conseqüências psicológicas nefastas desta atividade em face do controle e da precarização do trabalho. Com base em relatos dramáticos de algumas telefonistas da até então estatal francesa PTT (Postes, telégrames et telecommunication), Christophe Dejours afirma:

36 Ibidem, p. 115.

Há um verdadeiro terror por causa dessa escuta da controladora, que dá notas que ficam registradas num relatório, indestrutível. As telefonistas são, geralmente, do interior (quase 90% delas), e encontraram aí seu primeiro trabalho. Pois é um trabalho mal conceituado, detestado mesmo. Todas elas estão em fila de espera para serem transferidas para o interior, onde o trabalho é menos sobrecarregado e onde se reencontram com suas cidades de origem. Daí a importância das notas, das quais depende a possibilidade de conseguir uma vaga no interior.37

Estes trabalhadores são os chamados infoproletários, cuja representação mais conhecida está nos call centers através dos operadores. Uma categoria submetida a rígidos controles, sobretudo pelos supervisores, cuja função é exercer o papel de uma espécie de capataz hi tech e controlar as variáveis que emperram a produção, tomando as providências necessárias, incluindo, obviamente, a demissão, pois diante do farto material humano desempregado38 que atende ao perfil destes trabalhadores, torna a tarefa de simples substituição do elemento humano bastante simples.

De uma maneira geral, quem trabalha como teleoperador tem o desejo imenso de mudar de atividade. Estudos demonstram que estes profissionais não vislumbram uma carreira nestas empresas e utilizam o emprego como suporte para poder pagar os estudos ou mesmo para sustentar minimamente a família. Resumidamente, estes trabalhadores submetem-se a esta atividade unicamente por falta de uma opção melhor de trabalho. Ante o exposto não é arriscado afirmar que este tipo de atividade, por ser terceirizada, pelas condições de trabalho extremamente precarizadas, pela intensificação permanente e pelos baixos salários não se enquadra nem de longe naquilo que a OIT denomina de trabalho decente, situação laboral que é objeto de análise pormenorizada no penúltimo capítulo da presente dissertação. Selma Venco traçou esta situação em suas pesquisas através das seguintes constatações:

Analisando-se as trajetórias pessoais e profissionais dos entrevistados, constata-se que todos se tornaram teleoperadores por falta de outras

37 DEJOURS, Chistophe. Estudo de Psicopatologia do Trabalho. Tradução de Ana Isabel Paraguay e Lúcia leal Ferreira. 5. ed. ampli.. 10. reimpre.. São Paulo: Cortez-Oboré, 1992, p. 98.

38 BRAGA, Ruy. A Vingança de Braverman: O Infotaylorismo Como Contratempo. In: ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy (orgs.). Infoproletários: Degradação Real do Trabalho Virtual. São Paulo: Boitempo, 2009, p. 79. Em pesquisa realizada em uma empresa de telemarketing, a ameaça de demissão e a propaganda da fácil substituição do trabalhador são ferramentas utilizadas pelos gerentes para que metas sejam atingidas, conforme demonstra o seguinte relato ilustrativo: O que eles fazem para garantir o desempenho? Te ameaçam. “Olha a meta, se não bater sua meta, não bate a da empresa, perde o emprego, aí fora ta cheio de desempregado.” Se a empresa não bater , perde o produto, o produto sai da empresa. Vai todo mundo pra rua. Como é uma área muito rotativa sempre tem gente nova. O pessoal novo, com 45 dias, com qualquer pisada de bola, qualquer falta, faltou por doença, está na rua. Não bateu a meta: tchau. (Teleoperadora 1, Empresa A, 2004).

oportunidades de emprego. A maior parte dos que foram ouvidos ingressou no mercado aos quinze anos, em atividades profissionais variadas e, invariavelmente, no trabalho informal. Foram auxiliares em serviços, distribuidores de panfletos, babás etc.

Para o conjunto dos entrevistados, ser teleoperador é uma circunstância, e não uma opção de carreira. Aspecto compreensível quando analisados os dados de desemprego para a população brasileira de 16 a 24 anos: 31% trabalham mais de oito horas diárias; 63% estão na informalidade e um terço tem remuneração inferior a um salário mínimo. Contudo, o emprego em telemarketing é visto por eles como passageiro e constitui uma possibilidade viável para a retomada dos estudos para, em seguida, trabalharem em outra área, preferencialmente relacionada à futura formação acadêmica.39

A intensidade do controle dos operários tem ultrapassado a esfera da terceirizada que assume os serviços. Foram desenvolvidos mecanismos tecnológicos de controle, onde o contratante do serviço pode acompanhar detalhadamente o desenvolvimento das atividades dos funcionários das terceirizadas. Esse é o típico exemplo da dupla pressão sofrida pelo trabalhador terceirizado, situação que será detalhada com maior profundidade no capítulo seguinte, ou seja, além das cobranças existentes dentro da relação de emprego direta, resta ao trabalhador suportar a amplificação da intensidade do trabalho em face da interferência da empresa contratante. Em suma, com um único salário, o trabalhador deve atender e satisfazer a interesses que, muitas vezes, estão fora de sintonia. Todas estas situações foram estudadas Selma Venco. A autora explora a questão da seguinte maneira, após pesquisar empresas com este perfil de atividade:

Se supervisor e tecnologia podem ser considerados como elementos internos da empresa, há ainda outros, contudo, externos a elas. No caso das companhias pesquisas, por serem caracterizadamente terceirizadoras de serviços, observa-se também a presença da contratante no controle dos trabalhadores. Em uma delas há um espaço especial destinado às contratantes, aparelhados com fones de monitoração, que possibilitam interferir nos atendimentos, a par da interferência dos supervisores, exigindo do teleoperador atenção redobrada e realização de multitarefas, a saber: digitação de dados, atendimento ao supervisor, escuta, resposta e argumentação ao cliente e, ainda, atenção à empresa contratante. Na outra companhia analisada, há a disponibilização de todos os relatórios de produtividade para os clientes pela internet, o que lhes faculta consultas aos índices de vendas do seu produto a qualquer hora do dia, de qualquer lugar. Todavia, há também uma inovação de maior impacto e fator de destaque para a competitividade da empresa: a monitoração on-line, que permite ao cliente externo (empresa contratante) ouvir de qualquer parte do mundo os

39 VENCO. Selma. Centrais de Teleatividades: O Surgimento dos Colarinhos Furta-cores. In: ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy (orgs.). Infoproletários: Degradação Real do Trabalho Virtual. São Paulo: Boitempo, p. 165.

últimos cinqüenta contatos realizados por tipo de operação, segmentados por status – ligações que efetuaram vendas, ligações em que os clientes declararam já possuir o produto oferecido, por exemplo, outro cartão de crédito e, também, aquelas em que eles se recusam a conversar. De acordo com a empresa, essa tecnologia não está disponível em países desenvolvidos – caracteriza-se, assim, o Brasil como pioneiro em procedimentos técnicos para call Center.40

Conforme exposto, os teleoperadores constituem uma classe de trabalhadores extremamente precarizada. Nesses processos de reestruturação empresarial e na falta de regulamentação e fiscalização das profissões, surge o vácuo legal que permite não só a terceirização, de per si, perniciosa a classe trabalhadora, mas a terceirização amplificada de virulência, constatada no caso destes trabalhadores de call centers, sobretudo através da desmotivação com a carreira e com o sofrimento trazido quando adquirem doenças físicas e psicológicas oriundas da exposição a tais condições.

5.6 A COLABORAÇÃO COM INJUSTIÇAS E COM O MAL NO AMBIENTE DE