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6 SITUAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO NA CONTEMPORANEIDADE

6.1 O TRABALHO DECENTE COMO REFERÊNCIA

Diante das situações e dos relatos cada vez mais constantes de precarização das condições de trabalho, surge uma nova perspectiva de valorização do trabalho humano. Nesse sentido, a busca pelo trabalho decente ganha força internacional, sendo este o motivo da escolha do tema para a abertura do penúltimo capítulo da presente dissertação.

Não é admissível na contemporaneidade a manutenção de postos trabalho que maculem a dignidade do trabalhador. De acordo com este mesmo raciocínio, os elevados índices de desemprego e de trabalho informal não devem motivar a criação de postos de trabalho maculados pelas diversas formas de precarização.

Desta forma, a concretização do direito fundamental ao trabalho não significa a exposição do trabalhador a qualquer tipo de atividade laboral. O direito ao trabalho precisa, por força do princípio da dignidade da pessoa humana, estar revestido do manto da decência, única forma de minimizar os mecanismos de precarização perversamente desenvolvidos que ainda insistem em contaminar muitas relações laborais.

Quando a relação laboral ocorre dentro dos limites impostos pelo ordenamento estatal, dificilmente haverá espaço para formas de exploração da mão-de-obra que venham a preterir a dignidade do trabalhador. Destarte, quando o trabalhador é atendido dentro das necessidades mínimas de subsistência e quando a autonomia da vontade do empregador também se limita dentro da esfera legal, a probabilidade da relação de trabalho transcorrer dentro dos padrões aceitáveis de decência aumenta significativamente.

No entanto, é preciso saber de forma mais clara o que é trabalho decente. Em recente trabalho, Yara Gurgel leciona sobre a matéria da seguinte forma:

Trabalho decente é a atividade exercida em conformidade com os preceitos de igualdade, liberdade, equidade, respeito à saúde e segurança do trabalhador e com remuneração justa, livre de qualquer margem de discriminação, de condição análoga à de escravo, de trabalho infantil,

fortalecida pelo diálogo social e essencial ao combate à pobreza e à minimização das desigualdades sociais.1

Nessa mesma linha de raciocínio, José Cláudio Monteiro de Brito Filho trata do tema salientando que devem ser tomadas diversas providências tanto pelo Estado quanto pelo empregador visando à proteção do trabalhador. O autor estabelece parâmetros sem o qual inexiste trabalho decente, para em seguida formular um conceito sobre o tema. Eis as palavras do autor:

Não há trabalho decente sem condições adequadas à preservação da vida e da saúde do trabalhador. Não há trabalho decente sem justas condições para o trabalho, principalmente no que toca às horas de trabalho e aos períodos de repouso. Não há trabalho decente sem justa remuneração pelo esforço despendido. Não há trabalho decente se o Estado não toma todas as medidas necessárias para a criação e para a manutenção dos postos de trabalho. Não há, por fim, trabalho decente se o trabalhador não está protegido dos riscos sociais, parte deles originada do próprio trabalho humano.

Trabalho decente, então, é um conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade de trabalho; à igualdade no trabalho; ao trabalho com condições justas, incluindo a remuneração, e que preservem sua saúde e segurança; à proibição do trabalho infantil; à liberdade sindical; e à proteção contra os riscos sociais.2 Não se pode falar em trabalho decente, inexistindo uma rede eficiente de proteção estatal. Tal proteção deve ter como objetivo maior, evitar que o trabalhador que, de per si, carrega consigo a condição da hipossuficiência, tenha de se submeter a condições degradantes de trabalho, como única forma de subsistência. Nesse sentido escreve Marcos César Amador Alves:

A proteção social, enquanto postulado exigido para a constituição do trabalho decente, manifesta-se através de sistemas de seguros sociais que suportem eventualidades como desemprego, doença, velhice, além da adoção de políticas dirigidas à capacitação profissional e à proteção em face da flutuação do emprego no mercado de trabalho. Relaciona-se ao atendimento

1 GURGEL, Yara Maria Pereira . Direitos Humanos, Princípio da Igualdade e Não Discriminação: Sua

Aplicação às Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p. 120.

2 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Trabalho Decente: Análise Jurídica da Exploração, Trabalho

das necessidades humanas, elidindo a exclusão social, notadamente em momentos de crise.3

A promoção do trabalho decente vem sendo um dos objetivos da OIT, tanto que no Programa e Orçamento da OIT para o biênio 2006-2007, a busca pelo trabalho decente centra- se na consecução de quatro objetivos principais:

1) promover e cumprir as normas e os princípios e direitos fundamentais no trabalho;

2) criar maiores oportunidades para mulheres e homens para que disponham de remuneração e empregos decentes;

3) realçar a abrangência e a eficácia da proteção social para todos e; 4) fortalecer o tripartismo e o diálogo social.4

Gabriela Neves Delgado discorre sobre a necessidade do trabalho decente utilizando argumentos semelhantes. Para tratar do tema, a autora, enxergando o direito ao trabalho como um direito fundamental, ressalva a imperiosa necessidade de que este labor esteja revestido pelo manto da dignidade. Essa necessidade de preservação da dignidade é expressa pela autora com os seguintes argumentos:

A identidade social do homem somente será assegurada se o seu labor for digno. A explicação deve ser compreendida por meio da contradição permanente que se desenvolve na sociedade civil: ao mesmo tempo em que o trabalho possibilita a construção da identidade social do homem, pode também destruir a sua existência, caso não existam condições mínimas para o seu exercício.

Se o obreiro ganha mal, se não existem condições mínimas de salubridade, por exemplo, não há espaço para a concretização da dignidade. O Direito será mera abstração. Compreender o trabalhador enquanto mero instrumento para a realização de determinado serviço, tônica da sociedade civil contemporânea, compromete o entendimento maior de que o homem deve ser o fim em si mesmo.5

Por força dos argumentos apresentados neste tópico, percebe-se que o trabalho decente, cuja efetividade é devidamente estimulada pela OIT em seus países membros, deve

3 ALVES, Marcos César Amador. Trabalho Decente sob a Perspectiva dos Direitos Humanos. In: PIOVESAN, Flávia; CARVALHO, Luciana Paula de. (coords.). Direitos Humanos e Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2010, p. 338.

4 Organização Internacional do Trabalho. Trabalho Decente nas Américas: Uma Agenda Hemisférica, 2006-

2015. 1. ed. Brasília, 2006, p. VIII. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/info/downloadfile.php?fileId=187> Acesso em: 04 de agosto de 2010.

fazer parte de qualquer estado Democrático de Direito, cuja fundamentalidade dos direitos sociais é uma condição inerente.

6.2 A INSISTÊNCIA EM DETERMINADOS GRUPOS DE PRESSÃO NA