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O SALÁRIO MÍNIMO COMO INSTITUTO CONCRETIZADOR DA

6 SITUAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO NA CONTEMPORANEIDADE

6.3 O SALÁRIO MÍNIMO COMO INSTITUTO CONCRETIZADOR DA

A instituição do salário mínimo por lei, bem como sua proteção constitucional é medida necessária e preventiva cujo fito é evitar que o fantasma da exploração legitimada pelo Estado no século XIX, em face de uma liberdade contratual desarrazoada, retorne aos dias atuais através da agressividade e virulência das propostas flexibilizadoras.

O salário mínimo como integrante do rol de direitos sociais, constitui um instituto de natureza fundamental. Trata-se de um instrumento eficaz de combate à miséria e de consagração da dignidade do trabalhador. É incabível, portanto, sob o prisma principiológico da vedação do retrocesso, que o salário mínimo seja reduzido, ou que perca o poder de compra de tal maneira que coloque o trabalhador em uma condição que exclua sua capacidade de subsistência.

Impende ressaltar que o objetivo principal do salário mínimo é garantir os limites mínimos de sobrevivência do trabalhador e de sua família. Tal fato não pode ser deixado a cargo dos empregadores, pois a história ensinou que uma condição de miserabilidade salarial dos trabalhadores, pode ser considerada natural e perfeitamente aceitável, porquanto nunca é demais lembrar o trágico século XIX para a classe trabalhadora.

6.3.1 O valor do trabalho

Preocupada com a exploração cruel do trabalho, a Igreja através do Papa Leão XIII, publicou a Carta Encíclica Rerum Novarum, que trata das condições dos operários. No ítem 27 da referida encíclica, o Sumo Pontífice expressa sua preocupação com a remuneração destinada aos operários, especialmente porque naquele tempo, final do século XIX, ainda estava em curso o liberalismo econômico, responsável pela dominação brutal dos trabalhadores pelo poderio econômico.

baixou para cerca de 7%. Em 1990, deu-se novamente a “re-regulamentação”, que alguns consideram verdadeiro “enrijecimento” e outros, mera maquilagem. Seja como for, o desemprego continuou baixando até mais ou menos 4% para voltar a subir até 10% em 1999, sem nenhuma mudança importante na legislação trabalhista. p. 57-58.

As palavras do pontífice atravessaram o século XX sem perder a atualidade. Portanto, seja em que momento for, é inadmissível o pagamento de salários indignos em troca da força de trabalho, único meio de subsistência do trabalhador. Cabe, portanto, colacionar as palavras papais:

Uma vez livremente aceite o salário por uma e outra parte, assim se raciocina, o patrão cumpre todos os seus compromissos desde que o pague e não é obrigado a mais nada. Em tal hipótese, a justiça só seria lesada, se ele se recusasse a saldar a dívida ou o operário a concluir todo o seu trabalho, e a satisfazer as suas condições; e neste último caso, com exclusão de qualquer outro, é que o poder público teria que intervir para fazer valer o direito de qual quer deles.[...].

Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes aprouver, cheguem, inclusivamente, a acordar na cifra do salário: acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado lhe não seria permitido recusar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz oferta do trabalho, então é isto sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta.18

Segundo Amauri Mascaro Nascimento, o salário não deve ser visto apenas dentro de uma perspectiva socioeconômica. Existe uma dimensão maior a ser observada quando se trata do pagamento salarial caracterizada pela natureza alimentar do instituto. Nesse sentido, explica o autor que:

A dimensão econômica do salário, apesar de fundamental, não é a única que pesa nos sistemas jurídicos salariais, conhecidas que são as interferências do direito positivo, através, inclusive, de princípios como o da isonomia salarial, da suficiência salarial que leva aos reajustes aos reajustes periódicos do valor do salário, aos valores mínimos que as normas garantem, etc. Há, portanto, outra dimensão da maior importância, que é a social. Não há economia sem empresas. Não há empresas sem trabalhadores. Não há trabalhadores sem salário para manter a sua vida. Esse é o círculo integrativo do qual resulta a concepção socioeconômica do salário, compositiva das dimensões, que não são isoladas, a econômica e a social.19

6.3.2 O salário mínimo como instituto integrante do mínimo existencial

18 LEÃO XIII. Carta Encíclica Rerum Novarum: Sobre a Condição dos Operários. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-

novarum_po.html. Acesso em: 14 de junho de 2011.

O Estado deve ser capaz de prover ao cidadão padrões mínimos estruturais para uma sobrevivência digna. A proteção ao salário mínimo está inserida dentro deste contexto, pois não há dignidade quando o trabalhador vende sua força de trabalho por um valor miserável. Nesse sentido, “é obrigação de um Estado Social controlar os riscos resultantes do problema da pobreza, que não podem ser atribuídos aos próprios indivíduos, e restituir um status mínimo de satisfação das necessidades pessoais”.20

A única forma que o trabalhador possui para sobreviver é através dos seus ganhos auferidos através da venda de sua força de trabalho. O trabalho é, portanto, a única forma do obreiro garantir o mínimo necessário a sua sobrevivência, bem como de seus familiares. A Constituição Federal albergou o tema em seu art. 7°, IV, estabelecendo como um direito dos trabalhadores urbanos e rurais. In verbis:

Salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

Não há dúvidas de que se existir qualquer brecha para redução ou flexibilização deste direito constitucional, resultará numa intervenção imediata dos empregadores no campo legislativo, visando a retirada do mínimo necessário a manutenção de uma vida digna pelo cidadão que trabalha, pois a avidez pelo lucro não existia só no século XIX, existe hoje, porém arrefecida em face dos direitos historicamente adquiridos e positivados pelo Estado.

Houve um período na história do Brasil, muito bem representado na década de 1980, onde o salário mínimo era sistematicamente atacado em face dos elevados índices inflacionários. Após a estabilidade da economia, a política neoliberal manteve o salário mínimo em valores bastante baixos, porém, gradativamente, este importante instituto constitucional vem se recuperando, através de aumentos reais que cobrem os atuais índices inflacionários, apesar de seu ainda pequeno ganho real. Sobre o tema, ensina Süssekind:

20 KRELL, Andreas J.. “DIREITOS SOCIAIS E CONTROLE JUDICIAL NO BRASIL E NA

ALEMANHA: Os Descaminhos de um Direito Constitucional “Comparado”. Porto Alegre: Sérgio Antônio

O salário mínimo deve ser periodicamente reajustado, a fim de conservar o seu poder aquisitivo. Como já vimos, a lei deve fixar o seu valor com base no custo mensal dos precitados fatores. Esse é o valor real a ser preservado. Daí por que a mesma lei deve instituir o mecanismo de reajuste da sua expressão nominal e prescrever a periodicidade dessa correção automática. Mas a Carta Magna exige que índice não seja inferior ao da inflação de custos dos fatores que o compões, no correspondente período, eis que impõe ‘reajustes Periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo’21

6.3.3 O combate as desigualdades regionais através da proteção legal do salário mínimo

As Convenções da OIT que versam sobre a proteção salarial albergam comumente a necessidade dos Membros que as ratificam, em impor força de lei ao salário mínimo. No caso brasileiro o salário mínimo está consagrado na Lei Maior, cabendo a lei infraconstitucional a fixação do seu valor, fato que deve ocorrer periodicamente.

Não há dúvidas de que a ausência de proteção legal ao salário mínimo poderia ocasionar situações de extremo desequilíbrio social, fato agravado pelos elevados índices de desemprego. Outrossim, a liberdade total de negociação salarial levaria a imposição de padrões salariais indignos e degradantes. A humanidade já viveu tal situação no século XIX, época em que o trabalhador sofreu todas as formas possíveis de crueldade e de violência por parte de empregador. Este aspecto também foi alvo dos manuscritos filosóficos de Marx, filósofo que conviveu com o problema do trabalhado do século XIX in loco. Dizia ele:

A procura de homens regula necessariamente a produção de homens como de qualquer outra mercadoria. Se a oferta é muito maior que a procura, então parte dos trabalhadores cai na miséria ou na fome. Assim, a existência do trabalhador torna-se reduzida às mesmas condições que a existência de qualquer outra mercadoria.22

Portanto, a proteção estatal ao salário mínimo é de fundamental importância para a manutenção de padrões mínimos de subsistência para o trabalhador e seus familiares, sem a qual haveria, em verdade, uma imposição opressora do empregador a níveis salariais degradantes cujo resultado final seria a redução do trabalhador a uma condição análoga a de

21 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 3. ed. amp. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 176.

22 MARX, Karl. Manuscritos Econômicos e Filosóficos. Tradução de Alex Martins. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 66.

escravo, fato infelizmente ainda real em nossa contemporaneidade, sobretudo em localidades onde o Poder estatal inexiste, ou existe de forma precária.

Dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil estão: “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdade sociais e regionais”. Assim dispõe a Constituição Federal no art. 3°, I e III.

Parafraseando os ensinamentos de K.W. Rothchild, presentes na obra “Teoria dos Salários”, editado em 1971, Rodrigo Fortunato Goulart adverte que:

Considerando o abismo econômico entre regiões brasileiras (Nordeste e Sudeste, por exemplo), a existência de um salário mínimo nacional e único torna-se um importante instrumento de combate à desigualdade, proporcionando um impulso econômico nas regiões mais pobres do país.23

Ainda sobre o problema da discriminação, Wilson Steinmetz afirma que, “a finalidade da norma constitucional de proibição de discriminação é impedir a marginalização ou a ‘guetização’ de pessoas e grupos; impedir a criação e a cristalização de ‘subclasses sociais’ ou subcategorias sociais’ com base em fatores (de discriminação) que o texto constitucional especifica e em outros deixa em aberto à identidade e a valoração do legislador e do juiz”.24

Nesse sentido, o salário mínimo exerce um papel de fundamental importância, coibindo a contratação de trabalhadores com salários inferiores ao mínimo legal nos cantos mais remotos do país. O desrespeito a esta garantia ensejará as medidas judiciais cabíveis no caso concreto.