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4 O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO E A TERCEIRIZAÇÃO

4.3 A EFETIVIDADE DO DIREITO AO TRABALHO

4.3.1 Políticas públicas voltadas ao trabalho

As políticas públicas podem ser classificadas numa dimensão passiva e ativa. A inserção de uma política pública dentro destas dimensões vai depender do modo como a dinâmica da geração de emprego e da quantidade de desempregados está ocorrendo na sociedade. Citando estudos de Beatriz Azeredo e Carlos A. Ramos, Maria Hemília apresenta a definição destes autores sobre o tema. Destarte:

As políticas passivas de emprego “consideram o nível de emprego (ou desemprego) como dado, e o seu objetivo é assistir financeiramente ao trabalhador desempregado ou reduzir o ‘excesso de oferta de trabalho’”. Na execução dessas políticas, são utilizados instrumentos como o seguro- desemprego, o adiantamento da aposentadoria e a expulsão de população (imigrantes ilegais). [...]

As políticas públicas ativas “visam exercer um efeito positivo sobre a demanda de trabalho” e “os instrumentos clássicos desse tipo de políticas são: a criação de empregos públicos, a formação e reciclagem profissional, a intermediação de mão-de-obra, a subvenção ao emprego e, em geral, as medidas que elevem a elasticidade emprego-produtivo”. Quanto a estas últimas, a mais popular é o apoio à micro e pequena empresa.22

Existem alguns instrumentos de política ativa de geração de emprego e renda no Brasil. A título de exemplo, pode-se citar: O Programa de Geração de Emprego e Renda –

21 SARAIVA, Paulo Lopo. O Mandado de Garantia Social no Direito Constitucional Luso-brasileiro. In: Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Ano XXXIV – n° 79 – julho/dezembro, 2004, p. 134.

PROGER; O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF; O Programa de Expansão de Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do trabalhador – PROEMPREGO e o Programa de Promoção do emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do trabalhador – PROTRABALHO, além de outros programas, todos com recursos alocados do FAT.

Percebe-se que existe uma grande quantidade de programas de geração de emprego e renda no Brasil. Entretanto, é preciso verificar se este volume quantitativo resulta numa qualidade, que deve estar traduzida através de resultados concretos. No entanto, Maria Hemília, fazendo referência a uma suposta intermediação política destes recursos, conclui que existe uma grande quantidade de dinheiro diretamente empregado nestes programas “sem qualquer mecanismo de controle objetivo de seus resultados”.23

Os programas de qualificação profissional direcionados pelo chamado sistema “S” também possuem sua eficácia questionada pela ausência de um planejamento político voltado para o conjunto dos trabalhadores. Ademais:

Como fator de ineficácia e ineficiência destas políticas, destaca-se também a falta de articulação das instituições voltadas para a formação do trabalhador, como é o caso das entidades privadas de formação profissional que não deixam de receber recursos públicos, como, por exemplo, o SENAI e o SENAC. O SINE, que poderia ser um elemento importante neste processo, pouco colaborou para uma melhoria no atendimento e apoio ao desempregado, pois os serviços ali prestados, de modo geral, são bastante precários.24

Marcio Pochmann aponta o direcionamento político como fator fundamental para o esfacelamento do mercado de trabalho no Brasil. O problema do desemprego e a ineficiência das políticas públicas de emprego aliada a conseqüente destruição dos postos de trabalho são para o autor, em linhas gerais, uma opção política, como pode ser observado através da seguinte citação:

O movimento de desestruturação do mercado de trabalho ganhou maior dimensão ainda com a implantação do programa neoliberal desde 1990, diante da inserção passiva e subordinada do país na economia mundial.

23 Ibidem, p. 221.

24 AZEREDO, Beatriz; RAMOS, Carlos. Políticas Públicas de Emprego: Experiências e Desafios apud FONSECA, Maria Hemília. Op. cit, p. 233.

Além da ausência de crescimento econômico sustentado, o processo de abertura produtiva, comercial, tecnológica e financeira terminou pó destruir ocupações urbanas e rurais existentes devido à ampliação das importações, da reforma do Estado e da desnacionalização do parque produtivo nacional.25

Até mesmo o cooperativismo, que tem em sua essência, a participação dos trabalhadores de forma direta e nasceram exatamente para proteger o trabalhador da precarização e do desemprego, tem sido desvirtuado dessa finalidade maior. As cooperativas, conforme se apresentam hoje, entraram em processo de mutação e passaram a ser mais um instrumento do capital. Ricardo Antunes atento ao tema adverte que:

Os capitais vêm, em escala global, criando cooperativas falsas, como forma de precarizar ainda mais os direitos do trabalho, visando até mesmo sua redução e destruição. Sabemos que as cooperativas originais, criadas autonomamente pelos trabalhadores, têm um sentido muito menos despótico e mais autônomo, em oposição ao despotismo fabril e ao planejamento gerencial, sendo por isso um real instrumento de minimização da barbárie, do desemprego estrutural, consistindo também num efetivo embrião de exercício autônomo do trabalho.

As “cooperativas” de sentido patronal têm, ao contrário, sentido completamente inverso. Na fase capitalista das megafusões, os capitais

freqüentemente denominam como “cooperativas”, verdadeiros

empreendimentos patronais para destruir direitos sociais do trabalho e precarizar ainda mais a classe trabalhadora. Transfiguraram muitas destas experiências, utilizando-se de suas autênticas denominações, convertendo-as, então, em instrumental de destruição dos direitos visando à intensificação das formas de exploração da força de trabalho.26

Crescem as denúncias de cooperativas fraudulentas que se utilizam dessa estrutura empresarial, fugindo completamente do verdadeiro foco do cooperativismo, cuja característica é a solidariedade entre os membros, bem como a gestão compartilhada e participativa dos atores envolvidos. Jacob Carlos Lima retrata este quadro dissimulado no qual uma cooperativa existe, em verdade, como uma verdadeira sociedade empresária com todas as características dessa atividade, exceto no descumprimento da legislação trabalhista, por esconder-se nessa situação de cooperativa fake. Este tipo de empreendimento teve a

25 POCHMANN. Marcio. Rumos da Política do Trabalho no Brasil. In: SILVA, Maria Ozanira da Silva e.; YAZBEK, Maria Carmelita (orgs.). Políticas Públicas de trabalho e Renda no Brasil Contemporâneo. 2. ed. Cortez: São Paulo, 2008, p. 26.

26 ANTUNES, Ricardo. As Formas Contemporâneas de Trabalho e a Desconstrução dos Direitos Sociais. In: SILVA, Maria Ozanira da Silva e.; YAZBEK, Maria Carmelita (orgs.). Políticas Públicas de trabalho e Renda no Brasil Contemporâneo. 2. ed. Cortez: São Paulo, 2008, p. 47.

participação direita do Estado, faltando, como é possível perceber, mecanismos adequados de fiscalização e acompanhamento das atividades. Diz o autor:

Podemos nos referir a diversos estados do Nordeste que passaram a atrair investimentos industriais de setores trabalho-intensivo com políticas de organização de cooperativas de trabalho pelo próprio estado ou incentivo a empresas para que as organizassem. O setor de calçados e confecções teve maior visibilidade nesse processo. Apenas no Estado do Ceará mais de trinta cooperativas foram organizadas, chegando a ocupar mais de cinco mil trabalhadores nos anos 1990. Atraídas por incentivos fiscais, a maioria das empresas permaneceu enquanto esses incentivos garantiam lucratividade. Para os trabalhadores, geralmente em cidades do interior da região, significou o primeiro emprego “formal”, com retiradas regulares e, por um bom tempo, significou estabilidade nos rendimentos. E ainda significa onde estas cooperativas permanecem em atividades. De fato, são setores de empresas que chegam a ocupar mais de mil trabalhadores voltadas a exportação de calçados e confecções. Os funcionários das empresas supervisionam o trabalho e os associados são trabalhadores tais quais os assalariados, apenas sem contratos de trabalho e os direitos a ele acoplados. As cooperativas são meramente formais, seguem na maioria dos casos a legislação da área, mas a autonomia não existe. A dependência da empresa é absoluta, os dirigentes são indicados ou apoiados pelas empresas tomadoras do serviço.27 (grifo nosso)

Diante destas constatações, é de bom alvitre que as políticas públicas voltadas para o trabalho sejam repensadas, para que possam atender a contento as demandas da classe trabalhadora. Tais necessidades estão atreladas obviamente à recolocação no mercado de trabalho, estando intimamente relacionadas à formação profissional, a assistência aos desamparados em face do desemprego, enfim, ao papel estatal de amparar os cidadãos trabalhadores, mantendo-os dentro de padrões aceitáveis e constitucionalmente albergados de dignidade humana.

É preciso que as cooperativas sejam devidamente fiscalizadas e que, constatando-se fraude, sejam sumariamente fechadas e seus proprietários, bem como as empresas que contratam sob fraude e má-fé os serviços destas cooperativas sejam responsabilizados pelos danos causados aos trabalhadores.

27 LIMA, Jacob Carlos. O Trabalho em Cooperativas: Dilema e Perspectivas. In: DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (orgs.). A Perda da Razão Social do Trabalho: Terceirização e Precarização. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 76-77.

4.4 O TRABALHO TERCEIRIZADO COMO UM INSTRUMENTO DE PRECARIZAÇÃO