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O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO

3 O CARÁTER PRINCIPIOLÓGICO DA PROTEÇÃO DA RELAÇÃO DE

3.6 O PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE EMPREGO

Ab initio, é de bom alvitre conceituar o princípio da continuidade da relação de

emprego para que, num segundo momento, seja feita uma análise de como este princípio pode ser mitigado pelos empregadores, quando o Estado omite-se em proteger a classe trabalhadora contra o inevitável progresso tecnológico. De acordo com Mauricio Godinho Delgado interessa ao Direito do Trabalho:

A permanência do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais. Apenas mediante tal permanência e integração é que a ordem justrabalhista poderia cumprir satisfatoriamente o objetivo teleológico do Direito do Trabalho de assegurar melhores condições, sob a ótica obreira, de pactuação e gerenciamento da força de trabalho em determinada sociedade.63

Na medida em que o trabalhador consolida sua condição de empregado por mais tempo em um emprego formal fixo, aumenta sua confiança na durabilidade do vinculo empregatício. Outrossim, é natural que o empregado dirija toda sua conduta social contando com a renda auferida mensalmente com seu trabalho. Desta forma, com base em seus rendimentos, o trabalhador movimenta toda uma cadeia produtiva que gera mais crescimento e, conseqüentemente, mais emprego. Tal fato pode ser constatado quando o trabalhador financia um imóvel próprio, investe na educação dos filhos e, naturalmente, quando adquire os mantimentos básicos mensais necessários a subsistência de sua família. Por estes motivos, Américo Plá Rodriguez adota o entendimento de que a despedida do empregado é, em verdade, uma anomalia jurídica, conforme expõe através das seguintes palavras:

Em um relatório sobre os procedimentos de despedida e estabilidade no emprego na América Latina, a OIT entende que as concepções existentes na região sobre esta matéria estão determinadas pelo conceito de estabilidade no emprego, assinalando justamente que este princípio obteve o

63 DELGADO, Maurício Godinho. Princípios do Direito Individual e Coletivo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 62.

reconhecimento geral da III Conferência Regional Americana da OIT (México, 1946), uma de cujas resoluções declara que ‘os Estados deveriam adotar medidas destinadas a tornar estável o emprego dos trabalhadores nas empresas’. E desde logo, tratando-se de precisar o alcance desse conceito, determina que a estabilidade no emprego significa a proteção do trabalhador contra a despedida arbitrária, o que implica que um trabalhador tenha o direito de conservar seu emprego durante toda sua vida de trabalho, sem que dele possa ser privado, a menos que exista uma causa que justifique a despedida.64

Alguns mecanismos tentam inibir ou pelo menos dificultar as demissões, conforme demonstra o caso da multa paga em cima do valor depositado do FGTS, ou mesmo do mandamento constitucional albergado no art. 7°, I, que dispõe que a relação de emprego deve ser protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, ficando a cargo de lei complementar em que termos a demissão poderia ocorrer, porém, o fato concreto é que esta lei complementar ainda não foi editada. Na verdade, a prática demonstra que é muito fácil demitir no Brasil, pois a legislação não tem a força suficiente para fazer valer o valor do trabalho humano cotidianamente despendido em diversos segmentos empresariais.

3.6.1 A automação como uma ameaça à categoria dos bancários

A relação de emprego deve ser protegida em face da automação, pois o acesso aos postos de serviço, bem como o respeito, a qualidade e os investimentos feitos no ambiente de trabalho devem ser fatores de preocupação estatal, bem como se caracterizam como direitos humanos fundamentais. No entanto, este dispositivo é mais um que aguarda a regulamentação do ocupado legislador infraconstitucional. De qualquer forma, constata-se que no plano da dignidade da pessoa humana, “não é digno privar o cidadão da cadeia produtiva em detrimento do aquilatamento da técnica”.65 Arrematando o raciocínio, o professor Robério Magnus afirma que:

Este aspecto é reforçado pela própria Carta Constitucional do Brasil de 1988, quando ela – em seu art. 1°, inciso IV – confere aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa o status de fundamento da República, assim como veste a busca do pleno emprego com o manto de princípio geral da

64 RODRIGUEZ, Américo Plá. Op. cit., p. 264.

65 GONÇALVES, Robério Magnus Varela. Direito Constitucional do Trabalho: Aspectos Controversos da

atividade econômica (art. 170, VIII). Corroborando com o axioma de se estimular o ofício, forçoso recordar que o mesmo diploma legal (art. 5°, XIII) dispõe que existe liberdade laboral no território nacional, além de afirmar que o trabalho é um dos direitos sociais (art. 6°, caput) e de garantir aos trabalhadores citadinos e rurículas proteção em face da automação (art. 7°, XXVII).66

Um aspecto bastante importante a ser ressaltado, é aquele referente à automação dos processos, fato cada vez mais comum, sobretudo nos últimos anos, com o espantoso desenvolvimento da informática (incluindo neste prisma a popularização das redes de computadores, mormente a Internet e o avanço das comunicações ópticas). Em muitas áreas, é notória a diminuição dos postos de trabalho. Esse fenômeno pode ser exemplificado através da categoria dos bancários.

Até bem próximo do final do século XX, muitas pessoas traçavam como objetivo de vida, trabalhar numa instituição bancária, pois até aquele momento, o trabalho nos bancos trazia um sentimento de estabilidade, além de um bom retorno salarial.

Esta realidade de bons empregos e salários atraentes no setor bancário mudou radicalmente na medida em que avançava as diferentes tecnologias. As instituições bancárias aproveitaram o avanço tecnológico para implementar paralelamente programas de produtividade, bem como para redistribuir mais trabalho para determinados empregados, tornando alguns, por óbvio, dispensáveis. Luciano Athayde Chaves escreveu sobre a condição precarizada dos trabalhadores dos bancos e, neste ponto, o autor discorre que:

A redução do tempo de execução das tarefas, viabilizada pelo processamento on line, redefiniu o papel funcional dos bancários, acentuando nos demais setores do banco a tendência de multifuncionalidade que vinha se desenhando no espaço bancário desde o conceito de caixa on line.

Serviços e rotinas executados outrora por três ou quatro funcionários passaram a ser acumulados por um só, levando à inocuidade os demais postos de trabalho. Isto significa, na visão de um entrevistado, que “o material humano foi perdendo valor por dentro do banco. [...] perdendo valor e perdendo espaço [...] há dez anos atrás você precisava de dez pessoas para atender; hoje, com quatro, você atende aquele pessoal”.67

66Ibidem, p. 27.

67 CHAVES, Luciano Athayde. Trabalho Tecnologia e Ação Sindical: A Condição Operária no Panorama

Toda esta situação de precarização e desemprego potencial do trabalhador bancário é resultado direto dos processos de automação. É preciso uma convivência saudável entre trabalhadores e tecnologia. A legislação infraconstitucional deveria ter vindo no sentido não de proibição do avanço tecnológico representado, por exemplo, pelos terminais de auto- serviço, mas para proteger o trabalhador que, durante anos, dedicou sua força de trabalho a este tipo de atividade.

Essa desvalorização do fator humano pode ser observada pelo próprio lay out desenvolvido pelas agências nos últimos anos. É notório que os bancos estão reservando cada vez mais espaço para o auto-serviço, preterindo e dificultando o acesso dos clientes a um atendimento pessoal. Luciano Athayde Chaves também atentou para este problema ao constatar que:

O lócus mais tradicional – com caixas executivos, escriturários e gerentes – vai ficando num quadrilátero tendencialmente reduzido, mais ao fundo do prédio. E, mesmo assim, é comum a presença de um funcionário (temporário, estagiário) ou segurança realizando uma espécie de “triagem” dos clientes, estimulando-os a, primeiro, procurarem o auto-atendimento para, somente se não for possível ser atendido dessa forma, adentrar ao espaço tradicional de atendimento bancário.68

68 Ibidem, p. 126.

4 O DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO E A