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CAPÍTULO III – O PREDOMÍNIO DA PECUÁRIA E A FLORESTA INVISÍVEL

4.2 A FORMAÇÃO DA REDE SÓCIO-TÉCNICA DA MADEIRA NA REGIÃO

A madeira estava à disposição e interessava ao proprietário rural a obtenção imediata de renda com a venda dos pinheiros mas, segundo análises, o “tradicional fazendeiro lageano não era e ainda não é um homem afeito a fazer investimentos” (MARTENDAL, 1980). E a extração, transformação em produtos utilizáveis, e envio até um mercado distante, exigiam além de grande “espírito empreendedor” um conjunto enorme de elementos humanos e não- humanos que precisavam ser mobilizados para viabilizar o uso da floresta.

A exploração capitalista (ou mercantil) da madeira da Araucária foi possível com o desenvolvimento de um arranjo social e econômico capaz de articular artifícios de exploração (Serras, Maquinas, Serrarias) e mecanismos de comunicação (caminhões, estradas, telefone, e automóveis). A articulação e alinhamento destes atores heterogêneos em uma nova rede

sócio-técnica viabilizou o uso da floresta, gerou riqueza e resultou em um grande salto

populacional e diversificação cultural da região.

A extração da madeira exigia um aparato para a derrubada eficiente das árvores, arraste e transporte até a serraria. E ao contrário do gado, que caminhava, o transporte de madeira exigiu a abertura de estradas e a introdução do caminhão, acompanhado de autopeças, combustíveis, mecânicos. Criando novas categorias profissionais, desde o carroceiro até o caminhoneiro. Foram grandes as mudanças econômicas alimentadas pela atividade da extração da madeira e do transporte, assim como as mudanças na relação espacial e temporal proporcionadas por estes novos elementos articulados.

Além dos elementos serem articulados, é preciso que fiquem sob controle (Latour, 2000), fazendo com que o desenvolvimento desta rede sócio-técnica ocorresse gradualmente, incorporando novas tecnologias e se reajustando à medida que seus atores sofriam transformações. A floresta disponível tornava-se mais distante enquanto novas máquinas e caminhões eram importados, novos produtos passavam a fazer uso de madeira antes desvalorizada. A redução da oferta e o aumento do preço viabilizavam a exploração de áreas remotas e de árvores remanescentes em áreas já exploradas. Por outro lado, o governo passava a ser composto por atores sociais criados com o comércio dos produtos e serviços florestais.

O baixo nível de mecanização mantinha a produtividade da exploração muito baixa. Árvores abatidas com machados e serras de dentes simples, depois arrastadas por bois, resultavam em um volume de árvores muito reduzido. Devido ao esforço enorme da operação, somente as melhores toras da árvore eram aproveitadas, isto significa que muitas vezes três quartos de toda a madeira disponível de uma árvore não eram aproveitados, sem contar as árvores danificadas na queda e as abandonadas inteiras quando observados danos internos, como rachaduras e ocos. O aumento da produtividade iniciou com a difusão de tecnologias, como a “serra americana” (vide figura) para a derrubada e traçamento das toras no mato, depois acelerada pela motosserra, as serrarias tornaram-se mais rápidas e produziam produtos mais sofisticados como lâminas e aplainados. Todavia, a expansão tecnológica estaria limitada pela existência de capital. Com o aumento do volume de produtos e dos custos de operação, ainda era grande o número de funcionários, era preciso adquirir maiores máquinas.

A exploração da araucária resultava em grande impacto à floresta remanescente devido ao elevado número de árvores removidas. Chegava-se a remover 150 m³/ha, conhecendo-se volumes superiores a 450 m³/ha, sem considerar outras espécies madeireiras, permitindo uma rentabilidade bastante elevada com ganhos na escala de extração e industrialização da madeira. Junto deste grande número de pinheiros derrubados sucumbiam um número ainda maior de outras espécies de árvores e cipós. Por isto, a exploração seguia faixas do terreno, ou iniciava pelas árvores distantes, para que a exploração de uma área não dificultasse ou impedisse o acesso às demais. A vegetação sofria danos, pois formava-se uma clareira onde pinheiro era descascado e se fazia a manobra de juntas de bois de arraste de toras. Dependendo da direção da queda da árvore, a remoção exigia o alargamento da clareira devido a altura do tocos deixados pelos serrotes manuais. Para facilitar o arraste com bois, a tora sem casca e a ponta frontal arrendondada, permitindo o arraste em trilhas estreitas.

A substituição de bois e serrotes, por motoserras e tratores de esteiras, tornou o serviço muito mais rápido, e tudo o que estivesse atrapalhando a retirada das toras úteis poderia ser removido mais facilmente. Carreadores, quase sempre morro-abaixo, concentravam enxurradas e muitos são perfeitamente visíveis ainda hoje, devido a difícil recuperação mesmo depois de 40 ou 50 anos. Estes tratores faziam manobras e giravam as toras para posicioná-las favoravelmente. Tão pouco conseguia-se suspender a ponta frontal da tora durante o arraste, e junto da tora era arrastado tudo mais que estivesse pela frente criando um trilho por onde passava.

Guinchos acoplados em caminhões, algo mais que um chassi com motor e algo que lembrava a gabine, permitiam que fossem lançados cabos mais longos em grotas antes

inacessíveis, ampliando a área explorável. Ainda vivem pessoas que puxavam cabos de aço de até 300 metros de comprimento pelas grotas de rios da região. Embora o maior dano talvez fosse o grande número de trilhas abertas por tratores de esteiras, que somadas aos riscos formados pelo arraste em direção pendente, concentravam águas da chuva ocasionando a perda de parte significativa de solo e material orgânico.

Figura 13 - Serra “Americana” utilizada para a derrubada na década de 1960. Fonte: Acero do autor. João e Marli de Liz, Casa de Pedra, Painel/SC (2006).

A exploração da madeira remanescentes antes que a floresta se regenerasse, aumentava gradativametne o tempo necessário para a recuperação do estoque e eliminava gradativamente a resiliência florestal. No início a extração era seletiva. Os ciclos de corte sucessivos foram possíveis com a utilização crescente de toras mais finas, de produção de lenha, e do uso gradual de outras espécies em substituição da araucária. O anseio pelo uso da terra para outros fins resultava invariavelmente no uso do fogo para eliminar a vegetação formada por resíduos da exploração (copadas dos pinheiros) e demais árvores retorcidas ou mortas devido ao método e intensidade da exploração.

O mau manejo decorria do fato de ser indiferente cuidar de uma floresta que seria suprimida pela agricultura e pecuária, enquanto a decadência da produção florestal causada pelo esgotamento produtivo acaba por comprovar que nada mais restava além de substituir a floresta. Esta lógica favorecia a degradação da floresta porque incentivava também, uma

forma predatória de exploração de espécies de interesse para cada época distinta, que invariavelmente resultaram no fim dos ciclos florestais (erva-mate, araucária, imbúia, sassafrás...).