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CAPÍTULO III – O PREDOMÍNIO DA PECUÁRIA E A FLORESTA INVISÍVEL

3.3 A REPRESENTAÇÃO DO SOLO NAS ESCRITURAS DE IMÓVEIS RURAIS NO

A pecuária é apontada como a principal atividade econômica, e até a única atividade relevante da região de Lages até o surgimento da exploração econômica da araucária a partir de 1940.

“Desde sua fundação até, mais ou menos 1940, Lages teve, na pecuária, o seu exclusivo sustentáculo econômico. Primeiro com o pouso e longa permanência de tropeiros, depois com a exportação de cavalos e muares. Em seguida, com couro e charque e, finalmente, com a engorda de bois para o abate no Rio Grande do Sul e no

litoral Catarinense.” (COSTA, 1982:147).

Isto se devia, em parte, pela representação da paisagem, tida como de natureza predominantemente campestre, como retrata o escritor e proprietário rural de Lages, Paulo Ramos Derengoski:

“No sul do Brasil, não só o rio Grande possui o pampa, a estepe, a savana. No planalto catarinense de Serra Acima estendem-se campos nativos a perder de vista. A

maior e mais bela dessas formações é a Coxilha Rica64 em Lages, vasta região que

parece ter sido cortada pela faca do tempo. Amplo tapete verde de capim mimoso, que lembra a solidação do mar, riscado por afloramentos de pedras ferro – as lagens – como espuma sobre as vagas, e onde as ilhas solitárias são os capões de mata

araucária” (DERENGOSKI, 2001 apud RAMOS FILHO, 2002)

O principal exemplo é a micro-região da Coxilha Rica, retratada como “uma área de aproximadamente 100 quilômetros de lado, onde há mais de 200 anos já pastava gado selvagem franqueiro e chimarrão e bagualada xucra que escapara dos confiantes espanhões” (DERENGOSKI, 2001 apud RAMOS FILHO, 2002).

“O solo da Coxilha Rica é pouco profundo, não muito fértil, por isso mesmo coberto de gramíneas rasteiras que crestam nas longas geadas do interior, batidas pelas ondas poderosas do vento Minuano. O solo é pobre, pedregoso, mas a terra é produtiva, pois embora comporte apenas meio boi por hectare, em 200 anos, de cada

hectare já saíram pelo menos 100 cabeças” (DERENGOSKI, 2001 apud RAMOS

FILHO, 2002).

63 GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Amazônia, Amazônias. São Paulo: Contexto, 2001.

64 Coxilha tem origem castelhana e significa “campo ondulado” (DERENGOSKI, 2001 apud RAMOS FILHO,

A produção do campo nativo na região é de altíssima qualidade durante a primavera e verão, contudo, a estação invernal limita fortemente a alimentação dos animais, e o frio frequentemente leva ao emagrecimento e a morte dos animais. Por isto, a produtividade do campo nativo na região é estimada em 40 kg por hectare ao ano, em uma lotação de 0,3 cabeças por hectare (VINCENZI, 1994). Ou seja, em 200 anos, podem ter saído muito menos de 100 cabeças de gado por hectare, a menos que a produtividade das pastagens fosse originalmente melhor, o que indicaria que houve a degradação do campo neste período.

Contudo, o uso da terra era mais diversificado. Nas escrituras públicas de 1913, agora se lia, “venda de bens de raiz de uma parte ideal de terras lavradias e de pastagens na costa do rio caveiras no distrito de Campo Belo”65. A idéia do negócio agrícola era representada pelo conceito de indústria. Numa época em que a industrialização permitia a oferta de produtos bastante importados pelo Brasil, movimento que levou ao rápido crescimento de zonas produtoras de tecidos e texteis e metal mecânicos em Santa Catarina (GOULART FILHO, 2002)66.

O registro de terras passa a ser mais detalhado, retratando divisas, que incorporavam a marcos naturais de origem geológica, vegetal ou fluvial, também marcas nas árvores, pilhas de pedras e obras que ateste uso da terra,

"...principiando em um monjolo... segue por um lageado abaixo até encontrar uma barra de uma sanga que desce de uma canela marcada e desta barra a rumo da referida canela, .. rumo de um banhado grande e por este acima até o primeiro cortado e dahi a rumo direito até um pinheiro marcado e dahi corta a rumo ao alto da

Cochilia do mesmo monjolo onde deu principio a divisão." 67

Em 1914, vendeu-se "uma gleba de campos e mattos, propria para indústria pastoril...”68. Na época, aumentava o número de proprietários rurais que não viviam na terra e, às vezes, não dependiam da terra para obter a renda familiar69. As propriedades diminuíram de tamanho. "uma pequena área de terras da fazenda boqueirão...”. Pequena para os moldes da

65 Museu Thiago de Castro, tombo 1318. p33 66 Vide história da família Matarazzo em São Paulo.

67 Escritura de 1884. Edital de citação com o praso de 30 dias. Correio Lageano. Número 8 pag. 3. 9 de

dezembro de 1939.

68 Escritura Pública Tombo 1307,AF. 29/06/1914 “na Fazenda Boqueirão, distrito ... de Lages, vendido por 500

mil reis. pago em moeda corrente...”. Os diferentes proprietários de glebas de uma fazenda, Felisberto Soares Rath, representado por seu pai, João José Rath, e José Luiz de Castro,e sua mulher (irmã de Felisberto) Vitalina Soares Rath de Castro, vendiam ao Capitão Ernesto Augusto Neves

69 Felisberto era solteiro, médico e morava na colônia de Erechim, província de Passo Fundo. Seu pai, Capitão

época: “dividida judicialmente, com área superficial de 688.801m²”, ou seja, 68,8 hectares, um pouco mais de meio-milhão de metros quadrados70. Repartidas entre herdeiros, depois as partes poderiam ser reunidas por um deles, que comprava a parte dos outros. Até o início do século, a descrição das terras nos inventários e escrituras, não dizia mais que a existência de campos e matos. Em 1915, a descrição de uma propriedade rural chama atenção, pela descrição do terreno mais detalhada:

“uns campos e matos próprios para indústria pastoril terrenos mais ou menos planos, sem pedra ferro, com arroios, sangas, banhados, capões e restingas de matos na

secção dos Índios vendido por dois contos de reis”71.

Duas coisas tornam estas descrições interessantes, a primeira, é que aumentam o número de variáveis descritivas com a redução da área superficial das glebas. Que pode ter sido motivada segundo a diferença de uso da terra quando em pequenas propriedades interessadas na diversidade de recursos para subsistência. Estas características se mantém frequentes até perto de 1940. Em uma escritura de 1933, pequenas áreas de terra, de 7 ha, tem descrições bastante detalhadas:

“José Cardoso Monteiro Júnior, e sua mulher Conceição Silveira da Rosa com área superficial mais ou menos noventa mil metros quadrados 90.000 m² mais ou menos cinco 5 alqueires, e a parte vendida pela outorgante Balbina Cardoso da Conceição com a area superficial mais ou menos de setenta mil metros quadrados 70000 m², sendo uma parte inteira avaliada por 100x000 cem mil reis, situada no lugar lageado dos correas.. para João Silveira da Rosa...Tem duas pequenas glebas de terras de culturas e fachinaes sem área superficial conhecida por ser em comum, com outros interessados e situada no lugar Lageado dos Corrêas distrito de Cerrito desta Comarca... proprias para a industria agricola caraterisada com capoeiras, gramados , fachinaes, lageados, vertentes, lagoas, banhados e pedra ferro espalhada pleas

superfície e confrontando a dita comunhão com terras dos ...72

Chama atenção a descrição da existência ou não de pedra ferro. Importante material de construção de casas, cercas (Taipas), e todo tipo de estrutura de arrimo era construída com pedras ferro. As cidades esmeravam em fazer calçamentos nas ruas, em geral, produzidas de pedra. Outro significado da pedra-ferro é a indicação do tipo de solo. Constituída de basalto ou diabásio (riodacitos), de origem vulcânica extrusiva, a pedra-ferro ocorre concomitantemente com solos mais argilosos e mais férteis que os solos arenosos resultante

70 Atualmente, propriedades com mais de 30 ha não são consideradas pequenas propriedades rurais no Sul do

Brasil.

71 Tombo 1210. Museu Tiago de Castro. De Luiz Candido de Andrade, para Manuel Peas de Farias. 72 Museu Tiago de Castro, tombo 1295. 12-2-1933.

de rochas sedimentares. O afloramento das pedras tornava fácil a sua retirada da área, não impedia a utilização de vergas puxadas por juntas de bois para ser lavrada.

A escritura da propriedade de Índios, diz que não possui pedra ferro, mas isto não quer dizer que não existam na propriedade afloramentos de pedras de arenitos, igualmente útil para a construção civil, o que é muito comum em toda a região. Constituindo por isto, muito mais um indicativo do tipo do solo, de sua fertilidade e comportamento, do que apenas a indicação de abundância de material de construção. Em segundo lugar, a utilização de pedra na construção de cercas parece diminuir gradativamente. Desde o fim da escravidão, a mão-de- obra tornava-se mais cara, em parte pela viabilização do uso agrícola de áreas florestais devolutas. Uma pessoa não produz mais que 2 ou 4 metros de taipa de pedras por dia. E novos tipos de isolamento passaram a ser utilizados.

3.4 MODERNIZAÇÃO DA PECUÁRIA E A DIFUSÃO DE NOVAS