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CAPÍTULO VII ALINHANDO ÁRVORES E SOLOS NA REDE DA

8.5 O REFLORESTAMENTO COMO UM NOVO COLETIVO

Latour (2001) propõe um sentido para o termo mediação que se refere ao programa de

ação, a série de objetivos199, para descobrir os passos e intenções que um agente pode

descrever. O objetivo do proprietário rural no Planalto Sul de Santa Catarina é obter renda da terra, enquanto por outro lado o pinus deseja apenas perpetuar descendentes. Quando o proprietário rural alista o pinus para implantar florestas, ou o pinus alicia o proprietário, surge da união de ambos um terceiro agente, o reflorestamento. Qual caminho seguirá o reflorestamento, este novo ator híbrido?

O pinus pode ser abandonado e sucumbir no esquecimento se o proprietário rural não se alinhar à rede sócio-técnica do pinus. Se o pinus não se alinhar aos interesses do proprietário, estará condenado em ficar preso nas praças e jardins, e outra forma de uso da terra, que não o reflorestamento, prevalecerá. Se o pinus interessar ao proprietário pode deixar as demais alternativas de uso do solo para trás e o reflorestamento será adotado. Para isto, um grande número de atores deverão ser arrolados, tornando a atividade viável.

Neste sentido, para o pinus, bem como para qualquer outro ator envolvido, serão necessários novos movimentos de translação para conseguir alcançar rentabilidade, e ecologicamente, não for considerado pior que outras formas de uso do solo comparativas.

Para atender os diferentes e dinâmicos interesses dos atores da rede que se cria junto dele, o pinus passará nos testes de progênie ao se adaptar ao clima e solo local, terá utilidade para o papel ou celulose de acordo com a evolução de máquinas e reagentes químicos utilizados, até mesmo pela forma como o mercado utiliza o papel. Por outro lado, quanto mais o reflorestamento se expande, maiores são as oportunidades para o pinus se alastrar com seus próprios meios, ajustando-se a novos microclimas, diferentes solos e regimes de manejo. No caso de encontrar lacunas ecológicas, onde o solo permite o crescimento de árvores, mas o uso da terra dificulta a regeneração da floresta nativa, o pinus poderá se tornar uma “espécie

199 Como na história da arma e atirador (entre moralistas da NRA e materialistas contra armas) (LATOUR,

exótica agressiva”. Em seu plano de expansão, não interessa ao pinus a pecha de degradador do ambiente. Todavia, o caráter invasor aumenta se proprietários rurais passarem a permitir a regeneração do pinus, serem complacentes com uma planta bem vinda.

O aumento dos plantios de pinus e eucalipto, com a inserção acelerada da agricultura familiar na rede da silvicultura, mesmo diante do baixo uso de linhas de financiamento do Pronaf Florestal, revelam que o reflorestamento parece ser adotado sem a necessidade de incentivos, o pinus parece se difundir sozinho.

Para reverter este quadro, uma visão materialista busca a proibição do plantio do pinus em determinadas circunstâncias. A limitação de plantios foi proposta para o legislativo municipal de Lages através de lei limitando os plantios em torno de 10% da região200. Este debate ganhou força durante a elaboração do Plano Diretor de Lages em 2006. Mas foi o projeto de lei201 que cria a Área de Proteção Ambiental da Coxilha Rica (APA da Coxilha Rica)202, que visa restringir o reflorestamento em uma área superior a 100 mil ha de abrangência da unidade de conservação, que aguçou o debate sobre políticas de restrição ao reflorestamento na região, que engessariam a Coxilha Rica restringindo o desenvolvimento da região (CORREIO LAGEANO, 2007)203.

As duas questões que se apresentam são a negociação do impacto do reflorestamento, a partir do qual se define limites de sua utilização em determinados locais. Nem sempre são negados os impactos do reflorestamento, como se todas as atividades que levam ao desenvolvimento sempre causassem algum impacto, mas que este impacto precisa ser admitido como necessário para permitir o desenvolvimento econômico, que alimentaria a busca de mecanismo que mitigassem os efeitos negativos causados.

O pinus e o eucalipto são plantas melhoradas pela moderna ciência florestal para o benefício do desenvolvimento nacional (GRAZIANO NETO, 2001), o seu uso é que deve ser objeto de avaliação, pois atribuir a problemática ambiental atual ao cultivo destas espécies não atinge a maior parte das fontes de poluição e degradação ambiental (LIMA, 2002).

Neste sentido, se as espécies florestais fossem agentes passivos, e fosse a forma de cultivo a fonte do problema, a degradação ambiental passa a ser associada ao reflorestamento, entidade cujo principal ator a ser percebido pelo restante da sociedade, e que se coloca

200 Entrevista Sr. Oswaldo Uncini.

201 Projeto de Lei Complementar nº. 018/2007, encaminhado à câmeara de Vereadores de Lages em 24/07/2007. 202 “trabalho acompanhado e apoiado pelo Ministério Público Federal. Ofício nº.345/2007/PRM- Lages/SC de

03/08/2007.

frequentemente como representante do pinus, é o reflorestador204 mantendo agregada os valores do reflorestador ao próprio pinus, independente do uso que se faça dele.

Segundo o setor florestal, surgem efeitos negativos no reflorestamento feitos em pequenas propriedades e por oportunistas que não adotam tecnologias silviculturais adequadas. Argumento que fortalece a percepção daqueles que anseiam restrições ao fomento florestal (ou realizado com espécies nativas), através da redução do financiamento da silvicultura em grandes empresas, imposição de leis mais severas para controlar as atividades florestais, e sensibilização da comunidade local ou do mercado consumidor. Se a disponibilidade de pinus fosse a origem do problema, ou seja, se o pinus não for oferecido e incentivado, as pessoas teriam uma postura ambiental mais sustentável.

Este problema se assemelha a controvérsia entre a National Rifle Association e aqueles que procuram controlar a venda livre de armas nos EUA, do qual Latour (2001) exemplifica a disputa entre materialistas versus moralistas. Afinal, “quem ou o que é responsável pelo ato de matar?” pergunta Latour. Se as armas apenas aceleram o assassinato, caímos em uma visão moralista, vale o que somos e não o que temos, por isto, a NRA afirma que a arma é um artigo neutro e passivo à vontade do bem ou do mal, as armas são materiais sujeitos ao atirador, são as pessoas que matam as pessoas. De outro lado, os materialistas vêem a transformação moral do cidadão ordeiro que possuindo uma arma pode tornar-se um assassino, pois ninguém poderia ter vontade de disparar, ou sequer conseguiria fazê-lo, senão tivesse uma arma em mãos. Esta tese sujeita as qualidades das pessoas, sua competência e personalidade, de acordo com o que se leva às mãos, somos o que temos. Neste sentido, “todo artefato tem seu script, seu potencial para agarrar os passantes e obrigá-los a desempenhar um papel em sua história”, armas dificilmente matariam sozinhas (LATOUR, 2001).

A tese materialista aplicada ao reflorestamento torna produtores rurais ou empresas menos ecologistas, pois o pinus sozinho dificilmente se expandiria sobre extensas áreas205. Tornando ainda mais perturbador pensar que a tecnologia, útil para dominar a natureza, os solos, a água e as plantas, como “escravos flexíveis e diligentes”, quando também pode tornar os humanos presos e condicionados ao desejo das coisas. Alegando-se que os maciços homogêneos não são uma floresta, as “florestas plantadas” e o cultivo de árvores nos

204 Figura muito associada à indústria de papel e celulose e ao madeireiro. E por isto, a atribuição de causa seria

facilitada devido a relação histórica de empresas madeireiras ao desmatamento, e a exploração seguida do abandono da região após o esgotamento das florestas.

205 As plantas são mais facilmente reconhecidas como coisas vivas, como Latour diria sobre todas as coisas

aparentemente “inertes”. Tal como literalmente se apresenta o caráter invasor do pinus, que se multiplica e se alastra mesmo quando não desejado. Desta dicotomia podemos questionar se o pinus também não constitui apenas um “produto da tecnologia mediadora” da qual nos fala Latour.

reflorestamentos, se apresentam como uma cultura agrícola onde a produção das árvores é maior (GEISEL, 2006), mais controlável e reproduzível que a floresta tropical. Mas também tenta enquadrar os benefícios ambientais dos povoamentos arbóreos como os obtidos em uma floresta natural. Desta forma, a idéia de reflorestamento como um cultivo tal como é realizado por outras culturas agrícolas, busca-se escapar pressão social que a agricultura de forma geral não tem sofrido. Todavia, como uma nova floresta, também incorpora os benefícios ambientais como os obtidos em uma floresta natural.