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CAPÍTULO III – O PREDOMÍNIO DA PECUÁRIA E A FLORESTA INVISÍVEL

4.5 MUDANÇAS NA PERCEPÇÃO COM O USO DA FLORESTA

A visão da floresta mudou quando descoberta pela ciência. “Nas matas pretas o fato de o pinheiro formar o andar superior como elemento exclusivo determinando, muitas vezes uma cobertura tão densa que, observada de cima, parece constituir uma associação pura” (REITZ e KLEIN, 1966). A espécie que representava até 40% das árvores presentes no ecossistema florestal que caracterizou o Sul do Brasil: “provavelmente o pinheiro aparecia acompanhando as espécies emergentes da Floresta Estacional, como imbúia e angicos, atingindo alturas de 30 a 40 metros”. “Atualmente não existe nenhum remanescente que retrate essa situação, apenas relatos de pessoas que descrevem saudosamente a exuberância dessas florestas” (CASTELLA e BRITEZ, 2004).

Depois do ciclo da madeira, principalmente quando isolada, a copa em formato de guarda-chuva invertido “voltadas para o céu” passou a ser vista de forma “majestosa”. A araucária agora é símbolo de uma floresta que poucos conheceram antes da exploração da madeira. A mudança na fisionomia ocorre como resultado da intervenção humana direta (MAACK, 1968) e alterou-se o conceito que se faz sobre a floresta.

Conhecida por Floresta de Araucária, depois por Floresta com Araucária, na medida que os cientistas iam “penetrando no interior dos bosques e analisando a composição das matas dos pinhais” (REITZ & KLEIN, 1966) outra base epistemológica era estabelecida. Nas matas com araucária, descobria-se “não serem as mesmas tão uniformes como parece à primeira vista. As matas com pinheiros são formadas por diversos estratos de vegetação, que varia sensivelmente de acordo com as diferentes condições edáficas e microclimáticas locais.

Igualmente, a composição é muito heterogênea nas diferentes áreas do planalto” (REITZ e KLEIN, 1966).

A floresta com araucária é subdividida em três formações pelo RADAMBRASIL (VELOSO e GÓES-FILHO, 1982): em Floresta Ombrófila Mista Aluvial quando relacionada ao substrato onde ocorre a presença de solos aluviais; Montana com altitudes de 400 a 1000 metros ou alto-montana, com altitudes maiores de 1000 metros. Além dos contatos (ecótonos) com outras formações (Mista, Densa, Estacional e Savanas), o IBGE (1991) adicionou a submontana, com altitudes que variam de 50 a 400 metros.

Em outra classificação, é subdividida em função de sua história de formação, Leite (1994) divide a área ocupada pela floresta Ombrófila Mista em formações da superfíce de dissecação e formações da superfície de acumulação. A partir dos 800 metros de altitude ocorre a formação altomontana, e nesta ocorre o “refúgio ecológico” com formações de menor porte (ou arbustivas) com taquaras, chamados no Paraná de faxinais ou catanduvais. Na cota mais baixa de 500 a 800 metros há contatos com as Florestas Estacionais e Ombrófila Densa e esotéricos Refúgio Ecológico Montano, “com dimensões nem sempre mapeáveis”. As superfícies de acumulação é formada por solos aluviais recentes, orgânicos, gleis e cambissolos húmicos do centro-sul do Paraná.

No encontro das florestas Estacionais, Castelha & Brietz (2004: 20-21) obteve depoimentos “que salientavam a ocorrência de pinheiros em maior densidade em solos mais pobres, provavelmente em função de não poder competir com as espécies da floresta Estacional nos solos mais férteis”. Principalmente onde a geada não ocorre, pois esta “exerce papel seletivo na ocorrência de determinadas espécies da Floresta com Araucária, influenciando também, no seu funcionamento, como exemplo, a queda de folhas”113

Do ponto de vista da utilização da floresta, outras características são utilizadas para distinguir uma formação das demais. Segundo os inventários florestais realizados pelo Projeto RADAMBRASIL, em Santa Catarina, as florestas com pinheiros apresentam o maior volume em madeiras por hectare do Brasil, o que claramente demonstrou o enorme potencial que existia nessa floresta. Nas áreas dos pinhais do planalto foi encontrada na década de 1980 em remanescentes, uma média de 516 m3 de madeira por hectare, das quais 428 m3 recairam

113 “Uma outra diferenciação apresenta a floresta latifoliada tropical, essa porém não mais ligada aos tipos de

solo, mas, sim, ao fato de achar-se diretamente exposta à influência de um clima muito mais úmido – o marítimo. É o subtipo que designamos de tropical úmido da encosta e que, por se achar numa dependência muito acentuada do relevo, nos foi possível cartografar aproximadamente.”“Tal subtipo é denominado, por vários autores, de Mata Atlântica.”“Ocupando quase exclusivamente as escarpas voltadas para o mar, este tipo estendia-se, no passado, desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul quase sem interrupções.” ( Romariz, Dora de Amarante. A Vegetação.)

sobre os pinheiros com diâmetros acima de 25 cm, seguindo-se a imbuia com aproximadamente 60 m3 (SOHN, 1982). Comparando-se esse potencial com uma média de 215 m3 por hectare, encontrada na Amazônia, afirma-se que não houve na América do Sul igual potencial madeireiro (Os levantamentos dendrométricos realizados por R. M. Klein e U. Eukuche nos pinhais dos Andes da Patagônia, Argentina, tiveram médias bem inferiores). Um levantamento que privilegiava a revelação do potencial produtivo de madeira, principal atributo de interesse sócio-técnico da época.

A representação da araucária, como fenômeno criado, pode ser remetido ao conceito de referência circular (LATOUR, 2001), ao longo de uma cadeia reversível de transformação, com a qual perde-se localidade, particularidade, materialidade e multiplicidade para se obter mais compatibilidade, padronização texto, cálculo, circulação e universalidade relativa (LATOUR, 2001). A figura a seguir ilustra como caminha-se de uma redução da referência para ampliar o valor e sentido do signo.

Figura 14 - Universalização da Referência. Fonte: Adaptado de Latour (2001).

No exemplo da rede da madeira, ocorre uma redução do número de espécies florestais úteis dentre todas as espécies vegetais, animais e serviços ambientais oferecidos pela floresta, a partir da qual é possível alcançar escala produtiva e formar clusters econômicos que viabilizam a exploração da floresta, embora limitada em sua diversidade, torna-a apta para ampliar globalmente o comércio da madeira, e a importância da floresta, atraindo investimentos, consumidores, transportadores, madeireiros e proprietários rurais para uma rede que tornava possível o uso destas espécies.

Como se evidenciou, quando a floresta de araucária foi representada apenas pelo pinheirio-brasileiro ou brasilian-pine, também conhecido por pinheiro-do-paraná (parana- pine), passou a influenciar o preço internacional da madeira nos anos 1950 (SILVEIRA,

2004). Todo o mundo de coisas localizadas e aspectos particulares são reduzidos para ampliar seu valor - as sombram, grimpas, sapecada de pinhão, toras, casca, nó de pinho, gralha azul, onças, bocainas, serrios, bugres, guamirim, machados, fogo de chão, táboa do galpão, o cheiro da madeira, o dinheiro na serraria, o caminhão na estrada – tranformam-se em regiões ecológicas, tipos de solos, biodiversidade, produtos, costumes, notas fiscais, mapas geográficos. Por último, as unidades da paisagem, mosaicos de fragmentos e, ameaças de extinção, ligam as florestas locais às redes mundiais de conservação ambiental.

Fábricas de papel, reposição florestal, incentivos fiscais, falta de madeira, sementes, viveiros, substitutos (pinus) ligam o ator mundo da madeira, da silvicultura e commodities de base florestal. As espécies da sombra (ombrofilia florestal) e seus estratos biodiversificados transmutados em índices de diversidade, dinâmica da população e marcadores moleculares de alelos transmutam a floresta para o mundo da ciência. De uma floresta “escura, silenciosa e grave” de Lallemant, entramos na ombrofilia estratificada de Reitz & Klein (1966), saímos no “ciclo da madeira” da “araucária devastada” (MAACK, 1968) e terminamos na ecologia da paisagem de um mosaico de fragmentos (TURNER, 1998).

Da mesma forma, a partir de associação de características pedológicas e climáticas se desenhavam novas regiões ecológicas. No Paraná Gubert (1993) dividiu o estado em 8 regiões da araucária. Históricos de perturbação, redução da área ocupada, diversidade de espécies e espécies companheiras fazem parte dos novos desenhos da floresta.

A floresta muda socialmente de duas formas. Uma forma material é representada, por exemplo, pelas mudanças físicas realizadas através da extração de árvores e dos danos causados nas operações. Seguindo estes passos, que modificaram a floresta objetivamente (cortando e desmatando), também é possível encontrar aqueles que mudaram o que pensamos sobre a floresta de forma subjetiva (embora se afirme como ciência objetiva): com inventários botânicos (KLEIN, 1960), dendrológicos (MAACK, 1968), fotointerpretações (DILLEWIJN, 1966 apud IBGE, 1984), mapas edafoclimáticos (GILBERT, 1993), estudos fitossociológicos (GALVÃO, 1989) e geoprocessamento (SOS MATA ATLÂNTICA, ISA & INPE, 1995).

Enquanto o significado de floresta é transubstanciado (LATOUR, 2002), as redes socio-técnicas passam por contínuas translações (LATOUR, 2000) que permitem a expansão territorial e valorização simbólica de novas florestas. Araucária denomina uma Floresta, compostas por inúmeras espécies, e não apenas a araucária, bem como, passa a ser representada pelas redes desenvolvidas em torno de seu uso e conservação. Para o uso, refere- se a paisagem turística, ao corte da madeira e muito brandamente do pinhão, que parece constituir outro ser independente desligado da rede da madeira do pinho.

CAPÍTULO V – ESGOTAMENTO DA MADEIRA E DEGRADAÇÃO