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CAPÍTULO III – O PREDOMÍNIO DA PECUÁRIA E A FLORESTA INVISÍVEL

4.4 MUDANÇAS ESPAÇO-TEMPORAIS OCASIONADAS PELA MODERNIZAÇÃO DO

MODERNIZAÇÃO DO TRANSPORTE

O transporte da madeira é o principal diferencial em relação à pecuária. O uso de caminhões e a abertura de estradas influenciam a escolha de sítios de exploração, alterando o valor das terras em função do acesso, diferentemente da pecuária, visto que o gado alcança áreas impossíveis para veículos automotores. É difícil estimar a distância linear alcançada por todas as estradas que foram abertas em 3 décadas se fossem somadas, pois se formou uma rede viária que abrangeu toda a paisagem. Diversas localidades foram ligadas somente com o advento da indústria da madeira, e nas áreas florestais as estradas e carreadores não distavam 50 metros uns dos outros.

O baixo nível de consumo de madeira e a dificuldade de transporte fizeram com que em 1937 somente 11 serrarias estivessem distribuídas em Lages, Correia Pinto e Bocaina do Sul e São José do Cerrito. Enquanto graças ao acesso mais facilitado para o litoral, apenas em Bom Retiro já eram 28 serrarias no mesmo ano (SILVEIRA, 2005). Os principais madeireiros afluíam de Florianópolis, e a região localizada 100 km mais próxima do centro comercial do estado foi a primeira a ser explorada.

No início grande número de serrarias se localizaram próximo das áreas florestais. Uma vez acertado o corte a partir da compra da terra ou apenas do pinhal em “idade de corte”. Este termo aparece mais frequentemente depois do encerramento do ciclo da madeira, visto que se refere a idades de manejo prescritas por projetos de manejo florestal de espécies em segundo

ciclo de corte ou de florestas plantadas. No início do ciclo da madeira, as florestas eram virgens do ponto de vista da indústria da madeira, e as árvores não apresentavam idades adequadas, mas diâmetros compatíveis com a exigência da indústria e conseqüente viabilidade comercial do povoamento.

Um bom local para estabelecer a serraria deveria contar com fonte de energia hidráulica, e mesmo que outra fonte de energia fosse utilizada, a água era um mecanismo eficiente de retirada dos resíduos (serragem), além de ser necessária para o abastecimento da pequena vila que se formava em torno da empresa. O deslocamento das toras no pátio exigia um certo desnível do terreno, por isto, a proximidade de um rio ou riacho eram essenciais. Ademais, a localização na parte mais baixa da bacia hidrográfica garantia um sentido favorável para remoção da madeira.

Depois que muitos trechos de estradas foram abertos manualmente, o uso de máquinas para movimentação de terra, rochas e vegetação, permitiram uma evolução na capacidade dos caminhões utilizados. A abertura de estradas por vezes permitiu a troca de carroças puxadas por parelhas de cavalos recém inseridas por caminhões, acelerando a exploração de áreas antes consideradas remotas. Com a redução do custo do transporte rodoviário (e mesmo que aumentasse, o status do caminhão aumentava junto do preço da madeira), havia também a melhoria da oferta de mão-de-obra e serviços (comerciais e bancários, de entretenimento e socialização), favorecendo o crescimento de serrarias localizadas nos centros urbanos.

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Exploração da

Araucária Principal atividade, maior fonte de ICMS do Estado Urbanização e industrialização Diversificação da base florestal Esgotamento

das Reservas Proibição do Corte

Quadro 3 - Trajetória da Indústria da Madeira de Araucária.

Quando foi viável o transporte direto de toras inteiras deixou-se o desdobro da madeira em serrarias improvisadas no interior da região, passando a operação para empresas maiores e mais bem instaladas nos centros urbanos. A oferta de energia elétrica durante a década de 60

teria sido uma condição fundamental para isto, quando não limitava o crescimento das empresas pela falta desta (SILVEIRA, 2004)

Diversos estudos (GONÇALVES, REZNIK e FIGUEIREDO, 2000; REZNIK, 2002) demonstram que havia também um esforço em tornar “brasileiros” todos os que vivam em “terras do Brasil”, quando políticas culturais iniciadas no Estado Novo, do desenvolvimentismo nacionalista e governos militares, e fora da esfera estatal, marcaram o período da rápida inversão demográfica da população brasileira, entre os anos 1960 e 1980, quando a maior rede televisiva da época esforçou-se na elaboração de uma imagem de um Brasil urbano, moderno, nacional.

O padrão de qualidade de estradas era diferente, e contentavam-se com caminhos tortuosos, lamacentos ou poeirentos (SILVEIRA, 2005). Evidentemente, a qualidade das estradas estava condicionada a lógica da pecuária, para a qual, a exploração extrativista realizada na região não contribuiria para realizar maiores investimentos. As estradas eram um gasto temporário, principalmente sob a ótica de empresas de fora da região, que fatalmente não seriam as mesmas a operar novamente se a floresta voltasse a produzir novamente depois de um longo ciclo de recuperação. A lógica era retirar o máximo de madeira, pelo menor custo. A necessidade de investimentos fixos em estradas, pela perspectiva dos proprietários rurais também não era das maiores, visto a tradição pecuária, do gado que não exige estradas, e da transferência de famílias inteiras para as cidades em busca de maior qualidade de vida, que só estradas não proporcionariam, bem como, usufruir do dinheiro recebido pela venda de árvores.

Se mesmo as estradas não eram de qualidade, também não seria no contexto de extrativismo ganancioso que seriam feitas obras para durar mais que a rápida e intrépida exploração da araucária. Ou o madeireiro voltaria para a terra de sua origem, para onde muitas vezes enviava o capital acumulado em Lages, ou então como o proprietário da terra também enriquecido, voltaria à pecuária, deixando as estradas de lado.

Fortaleceria também outras formas de produção agrícola, como a fruticultura, mas estas necessitam condições especiais, não podiam ser localizadas em qualquer solo, e portanto, não estimulariam a criação de uma rede de estradas duráveis abrangente, mas de acessos específicos e limitados geograficamente.

A principal justificativa para o transporte ferroviário de cargas não perecíveis, como a madeira, é o baixo custo. No entanto, o desenvolvimento da atividade florestal não careceu de trens, e mesmo quando estes estavam disponíveis as rodovias foram preferidas. Ferrovias e hidrovias chegam a custar, respectivamente, 20 vezes e 5 vezes menos que rodovias. No

entanto, rodovias são muito mais versáteis e flexíveis, e embora exijam os mesmo níveis de investimento fixo, são menos dependentes de produtos com grande escala de transporte nos dois sentidos da linha.

A área mais industrializada localizava-se no Bairro Coral e Popular, entre o antigo traçado da BR2 (atual Avenida Luiz de Camões e Dom Pedro II) e a linha ferroviária em construção. Na década de 60 a área industrial foi transferida para uma nova área ao lado da nova BR116, mesmo que ali não houvesse fornecimento de água nem habitabilidade para funcionários. Revelando, que o mais significativo para a atividade era o transporte rodoviário, visto que na década de 70 o início da operação ferroviária, ficara afastado da nova área industrial. O transporte rodoviário não era mais barato que o ferroviário, mas o de maior importância social. Pois nele os empresários locais, além possuírem suas próprias frotas, tinham uma forma de empoderamento, com a venda de caminhões, mecânica e abastecimento. O caminhão era uma forma de qualquer trabalhador tornar-se um micro-empresário.

Enquanto a ligação ferroviária de Lages não era fundamental e, à medida que em nível nacional o abandono das ferrovias e cabotagem avançava, o crescimento das estradas de rodagem dava ânimo a uma nova forma de apropriação de poder, de trabalho e de renda. O modal rodoviário tornava possível que uma classe emergente com a exploração da madeira ganhasse maior expressão econômica. Serrarias puderam transportar sua madeira, o caminhão tornou-se um meio de vida para muitos autônomos.

O alargamento do deslocamento por ônibus e caminhões possibilitou que o investimento e o lucro do transporte fossem descentralizados. Não eram necessários investimentos tão vultuosos como as ferrovias, e por outro lado, milhares de unidades de transporte davam popularidade ao modal rodoviário111. Com a abertura de estrada de rodagem de Lages à Curitiba e Porto Alegre foi possível que um novo grupo social, mais atuante na exploração da madeira, fizesse parte do movimento econômico nacional através da colocação de madeira em polos consumidores do sudeste e mesmo para construção de Brasília.

A exploração florestal viabilizou a implantação de uma grande infra-estrutura de transportes da madeira. A abertura de estradas é relatada por agricultores como um evento de grande significado para a época, pois aumentou a qualidade de vida no interior do extenso município. Embora politicamente, a construção de estradas para circulação de veículos não obecia uma demanda social reprimida, mas a existência de uma classe que mesmo reduzida,

111 Tornaram-se comuns proprietários de táxis que realizavam viagens interurbanas, a exemplo do Sr. Índio

estava no governo e possuía os veículos que transitariam pela estrada112. A exemplo do não asfaltamento da BR 282 no trecho entre Lages e Campos Novos, considerado no final do século “o grande gargalo para o desenvolvimento da região serrana...” historicamente preterida por outras obras.

O uso de veículos motorizados e a abertura de estradas resultaram na percepção de diferenças do solo antes desconsideradas. Descobria-se que determinados tipos de solo eram mais escorregadios quando molhados, outros mais estáveis e em determinadas regiões, havia mais oferta de materiais úteis para cobertura (cascalho) que outras....