• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II VIOLÊNCIAS NA GEOGRAFIA ESCOLAR

2. Formas de nomear a violência na geografia escolar

2. Formas de nomear a violência na geografia escolar

A diversidade terminológica da violência e o seu uso recorrente (um termo passe-

partout)4 colocam alguns problemas na definição do fenómeno, como se uma das questões

4

Nicole Vettenburg (2000:224) emprega o termo passe-partout – que a tradução portuguesa não alterou – para realçar o perigo que esta concepção encerra, designadamente na sua utilização com um propósito estratégico, que pode contribuir para uma “espiral do crime”, a que se refere Kutchinsky (1979), quando alude à presença de certas forças na sociedade que interagem para dar a impressão de que a insegurança está

essenciais residisse nas palavras que se empregam para construir o objecto em si. Se o vocábulo «indisciplina» contém uma semântica que remete para o campo escolar, ainda que a sua natureza tenha vindo a mudar nos últimos anos, o termo «violência» tem de se fazer acompanhar de um atributo – violência escolar – ou de um locativo – violência na escola, violência no meio escolar. A expressão “violência escolar” (“school violence”) foi cunhado nos anos 60, segundo Elizabeth Midlarsky e Helen M. Klain (2005:37-57) e Debarbieux (2006).

Desde então, os autores (Pain e Barrier, 2001) verificaram alguma variação terminológica e cultural da semântica da violência escolar em países como a Alemanha, Inglaterra e França, ajudando a uma melhor compreensão da sua historicidade. Na Alemanha, onde o sentido da violência (Gewalt) remete para a autoridade e o poder, Gewalt

in der Schule (violência na escola) obtém uma dimensão social e política que questiona a

delinquência, o racismo e a democracia. Neste prisma, a pesquisa sobre violência escolar nesse país é uma procura de resposta «contra» essas mesmas formas de violência (Pain e Barrier, 2001:360-361).

Na língua inglesa é habitualmente empregue o termo «bullying», derivado de bully, para designar todas as formas de brutalidade ou ofensa que prejudicam as pessoas numa relação de abuso de poder e constrangimento, físico ou moral, podendo ocorrer em casa, no trabalho ou em locais como a escola, com todo o género de «vitimização» (Olweus, 1993; Smith e Sharp, 1994, 2000). Dan Olweus (2000:10)5 distingue ainda o «bullying directo»,

que se manifesta num ataque relativamente manifesto sobre a vítima, por isso mesmo mais visível, do «bullying indirecto», que se expressa sob a forma de isolamento social e de exclusão intencional de um grupo, tornando-o dessa forma menos perceptível, embora com consequências gravosas para as vítimas. O autor clarifica as circunstâncias em que deve ser empregue a referida designação:

«o termo bullying não deve ser usado quando se trata de dois alunos de igual poder ou força (física ou psicológica) que tenham uma luta ou alteração ocasional; para se utilizar o termo bullying deve existir um desequilíbrio de forças (uma relação de poder assimétrico)» (Olweus, 2000:9-10).

a crescer.

5

Na literatura escandinava, os vocábulos “mobbing” (Noruega e Dinamarca) ou “mobbning” (Suécia e Finlândia) remetem para os comportamentos agressivos ou violentos expressos na dimensão do grupo. Contêm a imagem do empurrar, da multidão, da confusão, podendo ser traduzidos por “promover um tumulto”, “atacar” e “rodear”. Apesar desta distinção terminológica, os vocábulos bullying e mobbing têm sido, por vezes, utilizados com o mesmo significado (Freire, 2001:52) para nomear a situação em que a pessoa é atacada, ameaçada ou violentada, quer seja por uma pessoa isolada, quer seja por um grupo de jovens.

Referindo-se à realidade europeia, Catherine Blaya (2006) considera que a banalização do termo bullying o afastou do conceito de origem, tendo resultado em várias definições, por isso aconselha alguma prudência na leitura dos resultados dos estudos desenvolvidos sobre esta modalidade de violência entre alunos a que está associado um misto de brutalidades. Recorda que aquele conceito não abarca a violência dos adultos contra os alunos nem as violências anti-institucionais que se traduzem num aumento de depredações dos espaços ou das agressões (na maioria verbais) aos docentes, representantes da instituição ou outros. Trata-se neste caso de violência interna, também nomeada violência institucional ou

violência simbólica (Bourdieu, 1970) que está associada às práticas lectivas, à imposição dos

programas escolares e ao poder6 do pessoal docente e não docente sobre os alunos. A

violência institucional acciona a história dos castigos corporais, intrínsecos à disciplina da “escola tradicional” que ainda está presente na memória de muitos adultos que viveram essa disciplinação.

Em França, onde as questões da violência são pensadas enquanto problemas da sociedade e não das instituições (Pain, 2004), a força subjacente ao fenómeno convoca de imediato o direito de cariz “político-judicial”. O que se encontra no bullying anglo-saxónico está presente nas “lutas de intimidação”, “brutalidades”, “provocações”, “maltrato” e “ameaças” que são qualificadas pelo Código Penal Francês sob a forma de contra- ordenações de delito criminal (Pain, 2004:5).7 Existem ainda as violências verbais (ameaças,

6 O poder simbólico consiste no exercido arbitrário do poder, indo desde a atribuição de uma nota para avaliar

alguém, à autoridade do professor, inerente ao exercício da sua profissão (Bourdieu, 1970).

7

Na tradução para o Francês o termo “bullying” (Olweus, 1983), Pain (1998, 2001:52) emprega “malmenances”, por aproximação a “malmenage” e a “maltraitance”, os “maus-tratos institucionais” e o “abuso simbólico” da autoridade da instituição escolar ou da sociedade. Em França, é usado todo um arsenal terminológico para tipificar comportamentos como brimades, harcèlements, maltraitances, etc. (Pain e Barrier, 2001: 355-380), assédio e brutalidades (Blaya, 2006). No Canadá (Quebeque), emprega-se intimidação e, na Bélgica francófona, brimade.

palavrões, gritos, injúrias, conversa e agitação constantes) ou incivilidades,8 termo bastante

usual na terminologia francesa que propõe também a expressão «chahut anomique», por oposição ao «chahut traditionnel» (Testanière, 1967-1968) para designar a algazarra/chinfrim/turbulência. Enquanto a algazarra do passado, mais localizada no final dos trimestres, se relacionava com o prestígio social das áreas disciplinares e o estatuto do docente, a algazarra «anómica» ulterior é marcada pelo desvio às normas sob a forma de insultos aos educadores, ausências ilegais, furtos, vandalismo, a representar a negação da instituição.

Mais tarde, Boumard e Marchand (1993) também analisam a temática do «chahut», enquanto forma de perturbação do “clima escolar” em crise e das condições em que interagem os diferentes actores no quotidiano dos estabelecimentos de ensino. Os dois autores inscrevem o seu trabalho na sólida tradição da análise institucional, na etnometodologia, e no interaccionismo simbólico, distinguindo o «chahut» lúdico, sem gravidade aparente, do sádico que pode afectar negativamente os sujeitos. Por sua vez, Lapassade (1993) qualifica de endémico o novo tipo de desvio escolar característico do fenómeno periférico da exclusão social.

A investigação nacional emprega os termos «indisciplina»,9 «violência»,

«agressividade» ou «delinquência juvenil». Costa e Vale (1998/999: 11) acrescentam os vocábulos vandalismo, “bullying”, perturbações do comportamento (“conduct disorders”), passagens ao acto (“acting out”), comportamento de oposição (“oppositional behaviour”), perturbação da atenção com hiperactividade (“attention deficit disorder with hyperactivity” ou ADD-H), “comportamento delinquente”, défice de competências ou factores de desenvolvimento.

No seguimento da proposta de Almeida (1999:178), a expressão school bullying da terminologia inglesa é traduzida para a Língua portuguesa com o sentido de “abusar de colegas”, “vitimizar”, “vitimização”, “intimidar” e “violência na escola”. Adquire

8 No princípio do século XXI, o termo “incivilidades” reaparece nos discursos sobre a realidade francesa.

Segundo o Dictionnaire historique de la langue française, o vocábulo «incivilidade» datará do século XV, tendo sido depois substituído pelas designações «falta de cortesia», «falta de delicadeza». «Incivilidade» vem do latim tardio incivilitas ou do adjectivo incivil que significam «brutalidade e violência», «falta de educação», «falta de civismo».

9

O conceito indisciplina é empregue nos trabalhos realizados pelo núcleo da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (T. Estrela, 1986; 1995; Amado, 1989, 1994,1998; Estrela e Amado, 2000; Baginha, 1997; Espírito Santo, 1994; Freire, 1990, 2001; Caldeira, 2000). A indisciplina é a forma de violência mais estudada em território nacional (Leonardo, 2004:34), assim como o bullying.

igualmente a acepção de “insolente”, “fanfarrão”, “maltrato entre iguais,”10 “violência entre

pares” (Pereira, 2001, a partir de Smith e Sharp, 1994), estendendo-se à generalidade de abusos de poder que ocorrem na escola (Freire, 2001, 2002; Marchand, 2001). Carvalhosa, Matos e Lima (2001:523) dizem preferir o termo original «bullying» por reconhecerem dificuldades na transposição exacta para a Língua portuguesa do seu significado original, apontando expressões alternativas como «provocação/vitimização» ou «intimidação», «agressividade/violência».

Como demonstram os autores portugueses (Amado, 1998, 2000, 2001; Freire, 1991, 2001), evidencia-se uma progressiva incidência do vocábulo «violência», comparativamente à anterior preferência pela expressão «indisciplina». Na obra intitulada Indisciplina e

Violência na Escola, João Amado e Isabel Freire (2002) dão sinais claros desses contornos

de mudança epistemológica. Em primeiro lugar, pelo nome escolhido para o estudo que introduz o vocábulo «violência», o que não se verificava nas investigações anteriores destes autores, sendo então empregue o termo «indisciplina». Em segundo lugar, pelo uso do vocábulo violência ao nível dos «conflitos da relação professor-aluno», para designar o fenómeno em “geral”, enquanto o fenómeno em “particular” é chamado «agressividade» e «violência».

Revistas as diferentes formas de nomear a violência na geografia escolar e a sua variação semântica e diacrónica, no plano nacional e internacional, passamos, de seguida, a definir a noção mais ou menos consensual de «violência na escola». Apresentamos, depois, as suas subcategorias, a partir da literatura, que resulta da mobilização científica de natureza transnacional, para um melhor entendimento das diferentes realidades que atingem a escola de hoje e dificultam a partilha de saberes entre os seus públicos.