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CAPÍTULO II VIOLÊNCIAS NA GEOGRAFIA ESCOLAR

4. Comportamento de desrespeito pelas regras escolares, como chegar atrasado, manter deliberadamente um comportamento disruptivo e sair das aulas antes de

4.3. School bullying School bullying

4.3. School bullyingSchool bullying

As origens do maltrato entre alunos e da vitimização nas escolas estão associadas à própria origem da instituição escolar, tendo o estudo científico do fenómeno começado em finais dos anos 1970, impulsionado pelo trabalho de Dan Olweus (1976). Mas é sobretudo a partir dos anos 1989/90, com uma conjuntura mais voltada para os direitos e vivências das crianças, que a violência ou maltrato entre iguais, fenómeno originalmente designado, como vimos, por bullying, adquire maior visibilidade social. Para o efeito, foram determinantes os media e, principalmente, os estudos provenientes dos países anglo-saxónicos (Besag, 1987; Borg, 1999), na sequência dos trabalhos pioneiros de Olweus. Esta modalidade de violência

que ocorre no espaço escolar, seja de natureza verbal ou física, com sofrimento para as vítimas, é definida da seguinte forma por Smith e Sharp (1998) que esclarecem:

«Diremos que uma criança ou uma pessoa jovem é vítima de bullying quando uma outra criança ou jovem ou grupo de jovens zombam dela ou a insultam. Trata-se também de bullying quando uma criança é ameaçada, batida, empurrada, fechada num espaço, quando recebe mensagens injuriosas ou ofensivas. Estas situações podem durar e é difícil para a criança ou jovem em questão defender-se» (Smith e Sharp, 1998:2).

Os mesmos autores identificam relações de poder e diversidade contextual no maltrato:

«O bullying pode ocorrer em muitos contextos, incluindo o local de trabalho e o próprio lar, constituindo um problema particular nos grupos sociais com relações de poder muito definidas e fraca supervisão, tais como as forças armadas, as prisões e também as escolas» (Smith e Sharp, 1998:2).

Usualmente encarado como fenómeno inevitável na vida escolar, por fazer parte da iniciação à vida adulta, mormente para os rapazes, o bullying vai decrescendo com o avançar da escolaridade e com a idade (Olweus, 1993, 2000:15; Smith e Madsen, 1999; Smith e Sharp, 1998:15; Whitney e Smith, 1993). A pesquisa confirma que os jovens agressivos com os seus pares (os bullies) correm o risco de se envolverem mais tarde em situações de criminalidade ou consumo abusivo de álcool. Segundo apurou Olweus (2000:34-35), num estudo de follow-up aos jovens adultos, os «antigos bullies revelam o quádruplo do nível de criminalidade grave e com recidivas, relativamente aos outros jovens». No Reino Unido, Robins (1986), Lane (1989) e Rutter (1989) fazem estudos similares, também alargados a outros universos de referência.27

A imagem (Figura I) que faz parte de uma série de 52 estampas de Jacques Stella, de 1657, ilustra como é possível encontrar nas obras literárias referências a comportamentos agressivos e violentos entre as crianças e jovens, percebidos com naturalidade e de carácter lúdico, fazendo parte da sua socialização, como um jogo. O pequeno texto em verso sublinha que no século XVII a vítima de violência esperava retribuir a ofensa pagando com a mesma moeda, vingando-se: O forte sofrimento deste sofredor/ mas ele espera na sua desgraça/

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O school bullying torna-se objecto de estudo científico a partir dos finais dos anos oitenta e década de noventa com os trabalhos de Besag (1989); O´Moore e Hillery (1989); Roland e Munthe (1989); Tattum e Lane (1989); Vieira da Fonseca et al. (1989); Yates e Smith (1989); Slee e Rigby (1993); Whitney e Smith (1993); Zindi (1994); Yohji (1996); Borg (1999); Eslea e Mukhtar (2000); Glover et al. (2000).

tirar partido dessa ofensa; É esperar que as pancadas que ele sente/aquele que vai em sua defesa/possa dar um por cento.28

Figura I: «La Poire», Jeux et plaisirs de l´enfance (Jacques Stella, 1657)

Numa pesquisa realizada com crianças dos 8 aos 9 anos de idade, pais e professores, Shwartz et al. (1998) observam uma forte associação entre a vitimização precoce e o aparecimento (imediato ou a prazo) de um comportamento agressivo ou disruptivo, dificuldades de concentração e uma conduta dependente/imatura. Concluíram que alguns sub-grupos se encontravam em risco de, mais tarde, virem a ter problemas comportamentais. A forma mais frequente deste tipo de violência é “chamar nomes” a alguém, além da agressão física e ameaças repetidas, sendo os rapazes as vítimas mais frequentes de agressão física, enquanto as raparigas são geralmente vítimas de bullying indirecto, por via de boatos, isolamento ou exclusão forçada do grupo de pares, não lhe sendo dirigida a palavra.

Autores como Farrington (1986), Kauffman (1997), Lindström (2001), O´Moore, Kirkham e Smith (1997), Lipsey e Derzon (1997) e Gottfredson (2001) mostram que a frequência do bullying é mais elevada nas escolas com uma população escolar afectada por dificuldades socioeconómicas. Também confirmam que os professores são duas vezes mais

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agredidos nas escolas urbanas dos Estados Unidos, onde se acentuam os problemas com armas de fogo (NCVS, 1992-1996, cf. Canada, 2000).29 Denise Gottfredson (2001: 64)

assinala que a «Pobreza e desigualdade de salário, insucesso escolar, composição étnica, mobilidade e densidade da população, e forte proporção de famílias monoparentais são correlacionados com as taxas de delinquência num sector.»

Dos Estados Unidos da América chega-nos um trabalho de natureza didáctica sobre o

bullying, dirigido preferencialmente aos professores. O seu autor, Allan L. Beane (2006),30

começa por enumerar as «características mais importantes do bullying», centrando-se na intervenção e prevenção deste tipo de violência escolar. Fornece conselhos aos docentes para a criação de um clima positivo na sala de aula e sugere uma bateria de tópicos para a identificação das vítimas ou potenciais vítimas, a mobilização das testemunhas, a ajuda aos alunos para aceitarem as suas diferenças, entre outros conselhos apresentados por este autor. Enuncia depois uma série de parâmetros para ensinar como se pode e deve lidar com os

bullies, isto é, os provocadores de agressão/violência que devem ser apanhados em

“flagrante”, para os ajudar na gestão crítica e positiva do seu poder e cessarem esse tipo de comportamentos.

Em Portugal, a pesquisa sobre o bullying evidencia-se no ano de 1989, quando foi constituído pela Gulbenkian um grupo de trabalho sobre o “Bullying nas escolas”, com vista a analisar e propor soluções para esta forma de violência entre crianças e jovens alunos. Neste âmbito, Maria Manuel Vieira Fonseca (1989) estudou a violência na escola no período de 1974 a 1986, com base na análise de peças da imprensa portuguesa. Num trabalho posterior, Costa e Vale (1998) fazem referência à vertente da danificação de bens e ao teor da violência sexual daquele tipo de violência, como se depreende da seguinte afirmação:

«O bullying não se limita à agressividade física aberta, englobando na realidade um contínuo de comportamentos agressivos onde são referidos comportamentos como: chamar nomes, “dizer coisas”; espalhar rumores ou enviar recados desagradáveis ou insultuosos; fechar numa sala; excluir ou isolar socialmente; danificar bens; agredir fisicamente; violentar sexualmente» (Costa e Vale, 1998:14).

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National Crime Victimization Survey.

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Allan L. Beane esteve em Portugal a proferir palestras em torno do fenómeno do bullying para partilhar a sua experiência no papel de pai que perdeu um filho, vítima deste tipo de violência escolar. O seu trabalho original de 1999 está traduzido pela Porto Editora que o incluiu na colecção “Estratégias Educativas”.

Costa e Vale (1998:13-14) e Marchand (2001:541-542) explicam que os comportamentos incluídos no bullying:

• Constituem ataques a estudantes com a intenção deliberada de provocar sofrimento físico ou perturbação emocional (Flood, 1994; Stephenson e Smith, 1987; Reid, 1989; Whitney e Smith, 1993);

• São praticados por um ou mais perpetradores com desigualdade de poder, a benefício do ou dos agressores. Não é “bullying” quando duas crianças ou jovens, aproximadamente com a mesma força, têm uma briga ou discussão ocasionais (Flood, 1994; Whitney e Smith, 1993);

• Ocorrem repetidamente no tempo, mais ou menos duradouro (Reid, 1989);

• São direccionados a uma ou mais vítimas, geralmente mais fracas do que o(s) perpetrador(es) (Reid, 1989; Flood, 1994).

Mais recentemente, o estudo de Sónia Seixas (2005) estabelece uma comparação entre diferentes metodologias usadas na caracterização dos alunos, que se envolvem em situações de bullying. A autora identifica quatro grandes áreas na literatura, designadamente as técnicas de observação directa ou natural dos alunos em cenários do seu quotidiano escolar; instrumentos de auto-preenchimento ou resposta dos próprios alunos; depoimentos preenchidos pelos alunos e pelos professores para identificarem ou caracterizarem os seus pares, que melhor correspondam ao perfil enunciado nesses instrumentos. Seixas confirma a posição dos autores (Baldry e Farrington, 1999; Bjorkqvist, 1994; Crick e Grotpeter, 1995; Kyrgiopoulos, 2005; Leckie, 1997; Craig, 1998; Owens et al., 2000, citados por Seixas, 2005) que defendem diferenças associadas ao género, com os rapazes a exibirem mais condutas de agressão, física e verbal directa, do que as raparigas que recorrem mais frequentemente a comportamentos indirectos de manipulação social.

Oficialmente, constata-se que a designação bullying passa a fazer parte da terminologia empregue na Ficha de Comunicação (Apêndice V), do Gabinete de Segurança do Ministério da Educação para englobar as subcategorias “extorsão, humilhação, ameaça, exclusão”, entre outras situações com que se deparam os pares no espaço escolar. De acordo com as “notas explicativas” do referido documento, o bullying é um:

«Fenómeno de carácter psicológico, próprio do meio escolar, envolvendo unicamente membros do mesmo grupo, em que os autores e as vítimas são na sua quase totalidade alunos. Caracteriza-se como uma acção de intimidação, de domínio pelo medo, em que se pretende causar sofrimento psicológico e eventualmente físico à vítima e continuada no tempo. Acções de bullying como a extorsão e a ameaça são crimes, ou factos qualificados de crime, mas considerando a especificidade do fenómeno, se obedecerem às particularidades base, domínio pelo medo e continuadas no tempo, devem ser inscritas como bullying.

Uma situação isolada não é bullying» (Anexo à NEP Nº. 2/GS, nota explicativa nº XIII,

10).31