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CAPÍTULO I – EM TORNO DO CONCEITO DE VIOLÊNCIA

4. Violência e delinquência juvenil

O individualismo contemporâneo produz formas de violência que afectam as relações sociais, originando as chamadas «violências urbanas» que, não raras vezes, estão associadas a agrupamentos de jovens (bandos ou gangs), movidos por uma identidade micro-social que torna particularmente difíceis as negociações para pôr fim às violências (Grémy, 1996:11, citado por Wieviorka, 1998:37). Numa relação dialéctica, esses jovens procuram legitimidade para o seu modo de ser, falar e vestir, nos seus tempos livres ou nos espaços escolares, podendo daí resultar (sub)culturas juvenis pelo uso que fazem os seus elementos de uma série de signos e sinais que provêm de uma identidade colectiva (Rodríguez, 2002:20). Esses agrupamentos potenciam “micro-sociedades” juvenis, com significativos graus de autonomia em relação às instituições e suas formas de organização (Feixa, 1998:84), cujas características são evidenciadas na seguinte reflexão de Gilles Lipovetsky:

«Os jovens até há pouco relativamente preservados dos efeitos do individualismo através de uma educação e de um enquadramento estáveis e autoritários, sofrem em cheio a desestabilização narcísica; são eles que hoje representam a figura última do indivíduo desinserido, estilhaçado, desestabilizado por excesso de protecção (...) e, por isso, candidato ideal ao suicídio» (Lipovetsky, 1989:198).

As expressões «delinquência» e «delinquência juvenil»18 pressupõem a ocorrência de

comportamentos que violam a lei de uma dada sociedade, podendo ter consequências legais se as circunstâncias observadas assim o determinarem (Farrington, 1987; Quay, 1987). No quadro jurídico português, os actos delinquentes19 são considerados «crimes contra as

pessoas» e «crimes contra a propriedade», entre outras tipificações contempladas no Código Penal, no qual se baseiam as estatísticas da polícia. A sociologia criminal questiona não só as categorias definidas na lei, como também as condições sociais, económicas e políticas dos indivíduos e contribui, ainda, para clarificar as estatísticas, a partir da distinção entre três tipos de criminalidade que são:

a) A criminalidade real é constituída pelas infracções que ocorrem numa dada população. Bessette (1989:496, citado por Carra e Sicot, 2001:63) observa que

18 Sobre a delinquência juvenil, são de reter os trabalhos de Farrington, 1987, 2001; Quay, 1987; Gersão,

1988; Chaillou, 1995; Gendrot, 1995; Cook, 1995; Pais, 1996; Lourenço et al. 1998; Pais e Cabral (Org.), 1998; Carvalho, 2000; Garcia et al. 2000; Carra, 2001.

19São também empregues as expressões «crianças e jovens em risco» ou «síndroma da criança maltratada». O

Estado português propõe duas vias para combater e prevenir a delinquência juvenil: a da Justiça, consagrada na Lei Tutelar Educativa; e a de intervenção para o acompanhamento dos menores em risco no quadro da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, leis aprovadas pela Assembleia da República, em Julho de 1999 (Carvalho, 2000:45).

nem todas as infracções são identificadas ou denunciadas, e que nem sempre as queixas participadas correspondem a infracções;

b) A criminalidade aparente é constituída pelo conjunto das infracções do conhecimento da polícia e do tribunal;

c) A criminalidade legal é o culminar dos processos de registos anteriores e representa as infracções legalmente sancionadas, podendo verificar-se um desfasamento entre a

criminalidade real e a criminalidade legal, empregando-se por vezes a expressão “cifras negras” para designar a zona obscura entre a violência real dos factos e a legal denunciada às autoridades.

De acordo com Debarbieux (2000), a delinquência juvenil parece decorrer de factores sócio-económicos conducentes a uma cultura «anti-escola» ou «anti-institucional», em especial nas variáveis sociais mais duras e urbanas das cidades cosmopolitas. Para este autor, a violência e a delinquência têm sempre uma história em construção, lenta e como consequência provável da exclusão social que se realiza nas interacções de “micro- exclusões” evitáveis. Esclarece ainda que se dá primeiro a acumulação de micro-violências e de «violências simbólicas», que colocam os grupos de indivíduos num jogo entre «Eles/Nós», «Amigos/Inimigos». Depois, emergem «núcleos duros» de jovens, com identidades específicas, que se tornam atraentes e modelos para outros jovens mais vulneráveis e predispostos a desenvolverem uma carreira delinquente. Propõe, então, que se actue de modo concertado em equipa de partenariado para uma maior aproximação da comunidade e dos familiares dos jovens em risco (Debarbieux, 2000:123).

O espaço urbano, acentua Sophie Gendrot (1995:7), é simultaneamente apetecível e perigoso, sobretudo para os jovens adolescentes envolvidos num processo de exploração, questionamento, conquista de autonomia e construção da sua identidade, ficando por esta via mais predispostos a uma maior probabilidade de situações violentas, comparativamente a outros espaços sociais e geográficos. Afastados das relações de interdependência dos seus familiares, passam a privilegiar os padrões de referência de jovens da mesma faixa etária, entrando ocasionalmente em conflito com a autoridade dos adultos, as normas e os valores.

Consequentemente, o grupo de pares, com padrão delinquente ou não, passa a assumir particular importância, desde o modo de vestir até à forma de agir, sendo esses jovens pressionados pelos membros do grupo a comportarem-se de modo a colocá-los em situação

de desvio às normas sociais e posteriores efeitos legais. Lipovetsky (1989:192) acredita que esse processo de personalização generaliza o culto da juventude, mas endurece os mais novos que tendem a afirmar a sua autonomia material e psicológica cada vez mais cedo, usando a violência em certas circunstâncias para concretizar os seus propósitos.

Certos estudos (Chaillou, 1995:36) reconhecem a influência das variáveis idade, sexo, e a família na sua vertente monoparental, podendo tornar a criança mais vulnerável. É também no seio familiar que as crianças e os jovens sofrem várias hostilidades, como punições e agressões, ou testemunham a violência conjugal, fornecendo-lhes modelos de comportamento inter-geracionais passíveis de serem reproduzidos noutros contextos ou situações. Embora não exista uma ligação directa entre a violência experimentada pelos jovens na sua família, Mucchielli (2002) admite existir uma influência dos conflitos intra- familiares na conduta agressiva dos mais novos.

Para Marie-José Lauwe (1986 :102), as representações sociais que adquirem as crianças, a sua visão progressiva do mundo e a imagem que fazem de si próprias procedem de um acumular de interacções, dependentes das características do meio em que elas se desenvolvem, e das relações que mantêm com as pessoas que as rodeiam. Nesse processo, também influem os media, durante muito qualificados de «escola paralela», ao proporcionarem às crianças uma massa considerável de informações e de imagens. A autora considera, por isso, unilaterais certos reparos à influência negativa dos media sobre as crianças, ou do uso que elas fazem dos seus conteúdos. Prefere, antes, alertar para a relação que se estabelece entre este público específico e as personagens virtuais, algumas delas com traços agressivos ou de extrema violência, eleitas como modelos de comportamento ideal, passíveis de reprodução na vida real pelos mais influenciáveis.

Pires Leonardo e Gonçalves Pereira (1998) sistematizam alguns «factores de risco» e respectivos «factores de protecção» nas crianças e jovens:

Quadro 5: Factores de risco e factores de protecção da delinquência juvenil