• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II VIOLÊNCIAS NA GEOGRAFIA ESCOLAR

3. O multi-etnicismo critica quer o pluralismo cultural, pelo exagero atribuído à etnicidade, quer o assimilacionismo por subestimar a importância das

7.4. Prevenção e luta contra as violências escolares

7.4. Prevenção e luta contra as violências escolares

Das orientações da investigação com enfoque nas “causas” da violência escolar (as variáveis contexto cultural e familiar, o género, etc.), emergem tendências explicativas que reivindicam análises sociológicas e psicossociais, “dispositivos de observação e vigilância”, “dispositivos de luta contra a violência” e “dispositivos de intervenção”. As diferentes medidas de intervenção empregues variam segundo as políticas de cada país, o quadro judicial, a sua cultura, a instituição escolar e o seu regulamento interno no qual se inscrevem os direitos e deveres dos alunos, docentes e pessoal não docente, encarregados de educação, e da gravidade do acto que vai desde o enquadramento personalizado do aluno à sua expulsão.

Nos EUA, por exemplo, os serviços secretos e o Department of Education elaboraram, em 2002, um guia que chama a atenção para o clima emocional vivido nas escolas. As sugestões desse guia insistem na importância de saber ouvir atentamente, não tolerar a lei do silêncio, contribuir para acabar com a intimidação física, envolver os alunos numa cultura de paz e de respeito, desenvolver o sentimento de confiança dos alunos nos adultos, recordando que um clima securitário se desenvolve primeiro à escala local.

No plano das organizações internacionais, a UNESCO iniciou nos anos 50 sucessivas acções para a promoção de uma educação baseada em princípios de educação para a paz, a não-violência, a tolerância e a não-discriminação. A Declaração das Nações Unidas (Directrizes de Riad) oferece um conjunto de princípios e «medidas progressistas» para actuar no sentido de dar resposta à delinquência juvenil. No seguimento dessas medidas, passou-se a defender que se devem «evitar medidas disciplinares severas, particularmente

os castigos corporais» (T. Estrela e Amado, 2000: 259). Porém, quando se diz «evitar»

pressupõe-se que, em alguns casos, possa haver recurso a esta modalidade disciplinar, ainda que largamente proibida, à excepção de certos locais na Suíça e nas escolas privadas de Inglaterra, como faz notar Walker (1990). A interdição dos castigos corporais nas escolas públicas decorre de uma decisão da Câmara Europeia dos Direitos do Homem de 1987.

O movimento da Clarificação dos Valores começou pela difusão da obra de Raths, Harmin e Simon (1966)59 e da influência dos trabalhos de Kohlberg, que teve o «mérito de

sacudir um certo amorfismo axiológico que se verifica em grande parte das escolas contemporâneas» (Teresa Estrela, 1994:24). Esta teoria reconhece que muitas pessoas apresentam dificuldades de autodeterminação porque “as decisões são complicadas”, “as pressões são variadas” e “as mudanças são constantes”, levando à “confusão”, “apatia” ou “inconsistência” das formas de actuar (Raths, Harmin e Simon, 1966:4-5).

Em 2001 aquela organização internacional publica uma colectânea de “Boas práticas de resolução não violenta dos conflitos em meio escolar” tendo como objectivo informar os professores, formadores, educadores e familiares dos jovens alunos, fornecendo-lhes ferramentas pedagógicas concretas para prevenir e reduzir a violência com que se deparam no seu quotidiano profissional. Nos EUA, a prevenção vai desde o Safe schools para promover uma liberdade supervisionada, com o controlo judiciário dos jovens em situação de risco, à mediação pelos pares. Na Suécia, a política de uma escola segura assenta em três formas de intervenção: uma rede central contra a bullying, um plano de acção municipal contra o bullying e a criação de orientações da escola (Lindström e Campart, 1998).

Em Inglaterra, a prevenção caracteriza-se por actividades de tutoria, com a criação dos

school clubs para o encontro dos professores e alunos depois das aulas e a participação activa

dos pais na sala de aula (supporting the teacher). A Alemanha, por sua vez, elege uma abordagem individual e o Estado Federal valoriza a formação contínua dos professores para a gestão dos conflitos e mediação. No Canadá, em concreto no Quebeque, a prevenção insiste nas relações de confiança com a família, a implementação de partenariados com a comunidade envolvente, a abordagem pedagógica baseada no diálogo, o seguimento dos casos de alunos em situação de risco, a criação de regras de conduta no estabelecimento e campanhas de sensibilização.

Em França, a prevenção da violência busca estabelecer a ligação dos jovens ao funcionamento colectivo das instituições, individualizar o ensino e diversificar os percursos de formação, definir um projecto colectivo do estabelecimento de ensino, reforçar o partenariado, assegurar a formação inicial e contínua dos profissionais do ensino, integrando a gestão da violência, e a implementação de células de ajuda psicológica aos familiares dos alunos. Os trabalhos comparativos realizados em território inglês ou francês, no âmbito do

59O trabalho de Raths, Harmin e Simon (1966), revisitado em 1978, retoma algumas das orientações das

Observatório Europeu da Violência Escolar, e em particular os que foram conduzidos por Catherine Blaya (2001), também valorizam a eficácia de políticas que privilegiam a formação e socialização profissional dos docentes e o seu recrutamento. Reconhecem uma maior eficácia contra a violência nas escolas do contexto inglês, onde ocorre uma vitimização menos intensa e menos repetida e um clima escolar percebido como mais positivo pelos alunos e adultos.

A consciência social activa nos sujeitos, e sobretudo nos encarregados de educação, a necessidade de mais policiamento junto dos estabelecimentos escolares, na presença de figurações que se vão (re)construindo em torno da violência escolar, não mais tolerada pela opinião pública. Frequentemente associada à insegurança no interior e na periferia da escola, parece justificar um maior reforço do seu policiamento. Em Portugal, essa vigilância regular compete sobretudo aos agentes da “Escola Segura”, para prevenir actividades dos sujeitos que coloquem em perigo os membros do estabelecimento, assim como os seus bens materiais. Para desencorajar os comportamentos ilegítimos e ilegais na escola, tem sido implementada uma vasta rede de sistemas de vigilância electrónica em várias escolas do país.

O etnógrafo Devine (2001, citado por Debarbieux, 2006:38) admite a existência de um «mercado industrial da violência escolar» que, por vezes, não tem nada de moral, na medida em que se dá o recurso progressivo a detectores de metal, cartões electrónicos e câmaras, ou seja, um sistema de vigilância interna do perímetro escolar, sobretudo nos grandes certos urbanos dos EUA, e que em Portugal também se tem generalizado. Este autor menciona o programa informático «Mosaic-2000», comercializado por Gavin de Becker, que tem como função classificar os alunos segundo um perfil estereotipado, a partir de certos traços como o género de música ou o vestuário preferidos, para identificar aqueles que reúnem certas características que os definam como potencialmente violentos.

No relatório do Conselho da Europa de 1982, destacam-se recomendações da Assembleia parlamentar para a mudança dos programas, atitudes e métodos escolares. A recomendação Nº 963/1983/1 Secção E incide nos meios culturais e educativos para reduzir a violência e promover um comportamento construtivo e não violento, evitando o recurso a sanções violentas. Na recomendação Nº R (85) 7 é reconhecido o papel-chave do clima democrático em contexto educativo, onde a liberdade de expressão deve estar garantida para os alunos e docentes. É também recomendado a) o ensino de aptidões intelectuais e sociais

que assegurem a promoção dos Direitos do Homem, para aceitar as diferenças; b) estabelecer relações construtivas; c) resolver os conflitos sem violência; d) assumir as responsabilidades; e) participar nas decisões (Walker, 1990: 4).60 O Conselho Quaker61 para os assuntos

europeus, no seguimento daquelas recomendações, decidiu estudar a violência e a agressividade nas escolas dos Estados membros, no sentido de identificar o modo como esses fenómenos se manifestam e os meios existentes para a sua redução. Tendo como objectivo a diminuição da violência física, psicológica e verbal, o estudo visou:

• Avaliar os modos não violentos de resolução dos conflitos e de cooperação, nas escolas primárias e secundárias dos Estados membros;

• Inventariar as ferramentas disponíveis para a resolução dos problemas interpessoais;

• Fornecer uma descrição de pesquisas em curso nos Estados membros que visem a criação de materiais ou programas promotores da cooperação não violenta.

São igualmente propostas acções de prevenção e educação para a não-violência62 na

escola, quer no contexto da sala de aula, quer no refeitório, espaços de recreio, campos de jogos ou centro de recursos. É exemplo dessa actuação a proposta de Brendtro e Long (1995: 55-56) que aponta três áreas de actuação, com especial enfoque nos alunos:

1. A prevenção primária, dirigida a crianças desde tenra idade, diz respeito ao