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CAPÍTULO I OS VIDEOGAMES NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA NOS VIDEOGAMES

5. Os “Jogos Históricos” enquanto gênero narrativo

5.1 As formas de representação histórica

Representar a História, em qualquer veículo, é olhar a um Outro a ser representado que

106 URICCHIO, William. Simulation, History and Computer Games. In:. RAESSENS, Joost; GOLDSTEIN,

Jeffrey H. (Eds). Handbook of Computer Game Studies. Cambridge, MA: MIT PRESS, 2005.

107 SALVATI, Andre J.; BULLINGER, Jonathan M. Selective Authenticity and the Playable Past. In: KAPPELL,

Mathew Wilhelm; ELLIOT, Andrew B.R. (orgs). Playing with the Past. Digital Games and the Simulation of

se distingue daquele que o representa. Este deve ser um fundamento básico para qualquer estudo sobre a representação. Ao nos debruçarmos sobre os “jogos históricos” como nosso recorte de pesquisa, observamos um número de especificidades no meio dessas representações, particularidades estas sobre as quais nos deteremos nos próximos capítulos ao analisar as formas através das quais elas aparecem na série Assassin’s Creed e quais são seus significados.

Por ora, descrevemos brevemente três grandes famílias de jogos eletrônicos e quais as principais formas de representação da História através da estruturação de suas regras lúdicas. Estas questões se articulam entre a representação do Outro histórico-cultural (Cap. 2) dentro de uma narrativa (Cap. 3) e de um espaço navegável e interativo (Cap. 4). Esses elementos são imbricadamente essenciais para entender os Videogames. Como um último exercício neste capítulo, antes de descrevermos como Assassin’s Creed se encaixa no que já foi descrito, nos debruçamos também brevemente sobre as três principais formas de representação que articulam a representação audiovisual, a narrativa e o espaço lúdico.

É possível verificarmos três principais modos de apropriação e representação feita da História para a confecção do jogos eletrônicos: I) jogos que pretendem reconstituir narrativamente a História “tal como foi” através de um narrador que segue personagens; II) jogos que se apropriam de elementos da História, mas não pretendem serem “históricos”; III) jogos que sintetizam estruturas de espaços e processos históricos; Há também um quarto modo, que não trabalharemos aqui, que é o resgate da nostalgia “retrô” da própria história dos videogames, se utilizando propositalmente da estética de jogos antigos para a composição de games modernos108.

I) Os primeiros pretendem criar um ambiente de imersão histórica que reconstituiria o passado mantendo-se o “mais fiel possível”, sendo Assassin’s Creed seu principal expoente, mas definitivamente não o único. Estes jogos simulam um tempo passado que não mais existe e tentam inserir os jogadores como agentes individuais na história, acompanhando o cenário e os eventos narrados, e exigindo deles a ilusão de descrença para que se sintam pertencentes àquele mundo. Estes jogos vêm ganhando cada vez mais notoriedade e força dentro da indústria diante do crescente desenvolvimento da tecnologia de criação de gráficos naturalistas e tridimensionais que simulam a realidade. A operação narrativa ilusória lembra muito a da linguagem cinematográfica cujo objetivo de composição é fazer o espectador abstrair de sua

108 Cf. WHALEN, Zach; TAYLOR, Laurie N. (orgs) Playing the Past. History and Nostalgia in Video Games.

posição de si e se entregar ao narrado em tela. Situam-se sobretudo na família de Jogos de

Performance. Exemplos: Assassin’s Creed e Red Dead Redemption (Rockstar, 2010).

Figura 1.2: Red Dead Redemption e o Texas de 1910

Fonte: http://geracaojogos.com.br/artigos/especial-os-10-melhores-jogos-de-ps3/

II) Outro principal modo são os jogos que com elementos que reinterpretam, se inspiram ou fazem “pastiche” da história junto com representações que não necessariamente remetem ao passado. Estes são jogos que se apropriam de certos elementos históricos para composição do cenário por uma questão estética ou narrativa: God of War, por exemplo, se passa em uma “Dark Side of Greek Mythology”109– os cenários, personagens e “monstros” são inspirados na

mitologia grega, mas tornados brutais e grotescos; Monkey Island se passa em um Caribe oitocentista recheado de piratas, mas cheio de autorreferências à Indústria Cultural, como montanhas-russas e máquinas de latinhas de grog. Esses jogos não têm a preocupação de serem “históricos”, pois usam elementos que representam a História como símbolos estéticos em sua montagem, seja em um tom cômico, ou para inspirar um passado em suas fantasias. Bem como o primeiro grupo que tenta compor uma ilusão da descrença, muitos destes seguem o mesmo procedimento, ainda que diante dessa perspectiva de pastiche histórico, não seja necessariamente este o objetivo. Exemplos: God of War (SCEA, 2005), The Secret of Monkey

Island (Lucasfilm, 1989) e Rock of Ages (Atlus, 2011)

Figura 1.3: A mitologia grega reimaginada – topo do Monte Olimpo em God Of War III

Fonte: http://www.pushsquare.com/news/2015/07/

III) Os jogos do terceiro grupo estão preocupados com a simulação de grandes coletivos, com a estrutura social funcionante e o desenvolvimento histórico em curso – jogos de estratégia fundamentalmente se estabelecem dentro disso. Estes jogos, diferentemente dos anteriores, ignoram a ilusão da descrença, já que ainda pretendem uma verossimilitude com o passado, mas desta vez procurando representar esteticamente a arquitetura, as vestimentas de “unidades” e simular formações sociais e regimes políticos. A preocupação central não é o de fazer crer no ambiente histórico “tal como foi”, e sim simular o recorte estrutural, a passagem do tempo e o

processo histórico. Se os primeiros são amplamente centrados no sujeito da história, estes mais

preocupados com a organização social e sua estrutura. Exemplos: Civilization V (Firaxis Games, 2010), Age of Empires (Ensemble Studios, 1997) e Rise of Nations (Microsoft, 2003).

Figura 1.4: Civilization V (Firaxis Games, 2010) – o desenvolvimento das nações

Fonte: http://civilization-v-gods-kings.softonic.com.br/