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CAPÍTULO I OS VIDEOGAMES NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA NOS VIDEOGAMES

6. Os “Jogos Históricos” enquanto gêneros e lúdicos e objetivos de jogo

6.2 Jogos de Performance

Nosso principal foco nesse trabalho diante da série em recorte são os Jogos de

Performance, por que diferentemente dos outros gêneros que focam em lidar com coletivos,

seja em gerenciamento de civilizações, cidades, ou em simulações de esportes de grupo, ou mesmo em jogos que focam no controle individual de avatares (como os simuladores de avião), os Jogos de Performance concentram-se no específico controle de um ou mais avatares individualizados, com distinções e personalidades estéticas que o diferenciam e contextualizam suas ações em um curso narrativo, ainda que jogos de outras famílias possam compartilhar alguns de seus elementos.

Esses jogos incluem uma grande variedade de gêneros em distintas proposições como jogos restritamente voltados ao combate (corpo-a-corpo ou atirando) passando por fases , jogos de “luta” em um ringue, jogos voltados à superação de obstáculos através de corrida e saltos (plataforma), RPG’s120 que levam em conta o desenvolvimento estatístico e narrativo dos

personagens ou jogos cujo objetivo é a solução de enigmas e adversidades através da exploração de diálogos e da interatividade com o cenário (graphic novels ou os chamados Point and Click). Do ponto de vista das regras do jogo, podemos observar que os Jogos de Performance priorizam e dão ênfase ao enfrentamento, confronto ou embate direto de um personagem com alguma espécie de obstáculo: desde combates com um ou mais inimigos a obstáculos de cenário e quebra-cabeças mentais (puzzles).

Os “jogos históricos” aparecem aqui, mais do que nos Jogos de Gerenciamento, utilizando a História como o fio narrativo condutor do jogo e impõem ao jogador a imersão e interação com este espaço. O ângulo do olhar historicizante tem pouca variabilidade entre os múltiplos gêneros que aqui encontramos, voltando-se ao narrador (onipresente ou não, consciente ou não) estabelecer-se enquanto uma câmera que segue os passos do avatar controlado pelo jogador através da sua interação com o espaço.

As principais diferenças entre os gêneros aparecem nas diferentes formas de ultrapassar

120 Os RPG’s, sigla para Role Playing Games, ou “Jogo de Interpretação de Papéis” é um termo comum para duas

modalidades de jogos: os RPG’s de “mesa”, regidos por sistemas de regras específicos e conduzidos por um Mestre-Narrador e participantes, que interpretam personagens em determinados cenários; e os RPG’s de jogos eletrônicos, que se apropriam da estrutura de regras codificada matematicamente em dados estatísticos e aleatoriedade que é o usual aos de “mesa” e os aplica ao ambiente computadorizado, que assume o papel de “Mestre-Narrador” e restringe a “interpretação de papéis” às ações possíveis dentro do game.

os obstáculos ao avanço do jogado, e dessa forma, também estabelecemos três grandes grupos de games baseados em sua jogabilidade e regras:

1) Um primeiro grupo põe ênfase no gameplay que requer coordenação motora como aspecto fundamental de sua jogabilidade. No jargão comum, são jogos de “Ação”, isso é, a primazia se dá no envolvimento ativo de comandos do jogador em enfrentamento à resposta da máquina. Há uma série de gêneros distintos que podem ser englobados, desde “Plataformas” (como Super Mario ou Chuck Rock), jogos de tiro em primeira pessoa (Counter Strike e Call

of Duty: Modern Warfare), de luta (Street Fighter), espionagem (Metal Gear Solid), etc. Assassin's Creed segue primordialmente esse primeiro grupo: e dada sua complexidade, funde

em sua experiência os gênero de exploração e aventura; plataforma; combate a curta distância

e stealth.

2) Um outro grupo foca menos na coordenação motora e sim na exploração, solução de enigmas e na administração de recursos pessoais. A maior parte dos “RPG’s de Videogame” se define por isso: mais do que a superação de obstáculos imediatamente nocivos ao jogador, é importante administrar uma série de elementos como equipamentos, dados estatísticos, e explorar localidades a fim de descobrir soluções. Exemplos incluem as séries Final Fantasy,

Elder’s Scroll, Fable. Sobretudo a partir de Assassin’s Creed II, os jogos da série passam a

incorporar armas e equipamentos diferentes que servem para situações distintas e alteram a capacidade estatística de infligir ou se proteger de dano. Além disso, o acúmulo de recursos através da aquisição de “imóveis” e a exploração das cidades passam a incorporar pequenos

puzzles.

3) Um último grupo pode ser distinguido, no qual a solução de enigmas, a storyline e a interação narrativa são o grande enfoque – onde o game se assemelha muito a uma storytell jogável: descobrir “o que fazer”, conversar com personagens e superar puzzles que avançam a história são suas principais preocupações. São os jogos chamados Point & Click, os filmes interativos e jogáveis, as graphic novels e outros subgêneros. Limitadamente, Assassin’s Creed III trabalha com esse gênero colocando uma série de quests que envolvem conversar com os

habitantes da Homestead, e Assassin’s Creed Unity e Syndicate com as quests de solução de

crimes em Paris e Londres. Os jogos históricos dificilmente vêm a essa seara, com algumas poucas inclusões mais conhecidas, como a série Monkey Island, que se passa em um Caribe oitocentista “modernizado”.

Figura 1.8: Monkey Island II: Lechuck’s Revenge

Fonte: http://lparchive.org/Monkey-Island-2/Update%2037/

Enquanto os Jogos de Gerenciamento estruturam a História através de uma perspectiva processual e estrutural, é facilmente verificável que os Jogos de Performance mudam a óptica para uma perspectiva individual. A teoria da História que fundamenta estes jogos é a da história- acontecimento, dos grandes eventos, das conjunturas de tempo limitado, vividas e vivenciadas pelos personagens da narrativa, que são agentes em seu interior. O que orienta e dá sentido para estas narrativas históricas é a imersão no passado e a ação interativa sobre ele. Ademais, a centralidade gira em torno do indivíduo controlado pelo jogador, cujas mudanças e continuidades históricas do mundo ao seu redor recaem sobre ele. Trata-se, pois, da primazia do sujeito e do evento individual sobre o processo histórico de raízes sociais e de média e longa duração.

A narrativa que se centra no sujeito possui seus fundamentos em outras artes dramáticas muito anteriores aos games, enquanto podemos retomar as origens deste tipo de jogabilidade até o início da indústria com Pac-Man. São estes jogos que figuram os maiores sucessos dentro da indústria dos videogames em termos econômicos e culturais. Personagens como Super

Mario, Pac-Man, Sonic the Hedgehog, Kratos (God of War), Link (The Legend of Zelda)

tantos outros personagens de narrativas literárias ou cinematográficas já foram incorporados a games deste tipo. Assassin’s Creed é fundamentalmente um jogo de personagem: o jogador

controla os personagens assassinos em sua experiência pela narrativa do passado.

De certo, os jogos históricos se articulam dentro desse processo, como é o caso, por exemplo de Chuck Rock (1991) (Fig. 1.9). Um jogo de plataforma bidimensional com o tema “pré-história”, com comandos e objetivos muito próximos dos demais clássicos do período, e cujo contexto narrativo aparenta mais uma espécie de “pano de fundo” do que uma narrativa complexa característica dos jogos eletrônicos posteriores. A expansão da narrativa, como mencionado, se articula à tridimensionalização sobretudo a partir de metade da década de 1990, como no caso de Time Commando (1996). Este pode ser considerado uma espécie de precursor da representação histórica em relação a Assassin’s Creed por ser o primeiro jogo que tenta

reconstituir em um ambiente tridimensionalmente navegável diversos tempos históricos.

Figura 1.9. Chuck Rock (Sega Master System, 1991)

Figura 1.10: Time Commando – Fase 1: Pré-História

Fonte: http://paulthetall.com/time-commando-mac/

Entretanto, é necessário problematizarmos a relação entre narrativa e estes jogos antes que sigamos adiante em nossa análise, reposicionando a perspectiva de que os Jogos de

Performance teriam uma relação direta com sua matriz narrativa, sobretudo ocidental, onde o

narrador acompanha o protagonista. Para Beatriz Sarlo, os videogames provam a possibilidade de existência de um “sistema de personagens sem narrativa”. Em seu ensaio, a filósofa argentina, ao visitar espaços de arcade nos anos 1990, define uma modalidade que chama de “videogames clássicos” que teriam por característica a própria rejeição da narrativa. Em sua argumentação, nestes jogos "não há uma história, e sim unidades regulares, ao final das quais o jogador fica sabendo se ganhou ou perdeu" e o "suspense depende das contas que a máquina e o jogador fazem depois de cada troca de tela, a cada acionamento de botão ou movimento de alavanca"121. Estes dois elementos vão manter certa coerência até hoje mas se transformar na

121 O que Sarlo conceitua em seu ensaio como "videogames clássicos" são somente um segmento - significativo -

mas não amplo dos games que existiam então, e não deve ser arriscado imputar que as Máquinas Clássicas de Pacman e demais "videogames de personagem" que ela convoca são limitados apenas a determinados gêneros de jogos, aqueles que posteriormente foram convencionados a chamar de videogames de aventura ou plataforma. Entretanto, o que há de original no pensamento da autora é a reflexão sobre o caráter de novidade destes jogos: se games de futebol e outros esportes trazem jogadores interessados naquilo que os lembra, estes deixariam bem claro a "lógica da variação e repetição que é a lei do jogo. E também assinalam que o segredo está num limite nítido entre ciclos de peripécias e vazio de sentido narrativo" Cf. SARLO, Beatriz. Cenas da Vida Pós-Moderna:

medida em que toda a produção de games começa a passar por um processo de narrativização sobretudo no final dos anos 1990. O sistema de personagens sem história passam por uma dupla mutação: os personagens passam a quase universalmente possuírem uma história e personalidades próprias e destacadas e a história, isto é, a narrativa, passa a integrar mais substancialmente o modo operacional.

O percurso dentro da indústria dos games que culmina no contexto de produção de

Assassin’s Creed passa sobretudo pelas transformações deste processo, cujas tensões se

verificam nas disputas conceituais em torno da legitimação dos games enquanto arte e mídia narrativa.