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CAPÍTULO I OS VIDEOGAMES NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA NOS VIDEOGAMES

3. Uma breve História dos Videogames

Ainda há pouco consenso entre os poucos historiadores da mídia sobre uma periodização mais complexa acerca dos videogames. Entretanto, é a partir dos anos 1970 que pudemos observar a criação de uma primeira indústria e "cultura do Videogame", localizada em bares e arcades, que rendiam já nessa época, milhões de dólares anuais para suas companhias. O mais bem sucedido gabinete, com o jogo Pong (Atari, 1972), teve mais de dez mil unidades vendidas nos anos subsequentes ao seu lançamento e por algum tempo trazia lucros nunca dantes vistos em máquinas operadas em moedas até aquele momento67.

Podemos, de maneira breve, ensaiar uma periodização da história dos jogos eletrônicos com a intenção de nos contextualizarmos. Nos anos 1970, surgem os primeiros videogames lançados comercialmente e houve o início da constituição de uma indústria. A partir de meados da década de 1980, ocorreu uma consolidação dos videogames domésticos como a plataforma hegemônica de jogos eletrônicos. Já na passagem dos anos 1980 para os 1990, observamos um deslocamento definitivo para o ambiente familiar, na figura dos Videogames domésticos e portáteis produzidos pelas empresas japonesas Nintendo, Sega e Sony.68 Finalmente, sobretudo

a partir da virada do milênio, há uma enorme expansão da indústria, tanto na diversificação de plataformas e de seus produtos como uma acentuação nos custos de sua produção (dada a aceleração tecnológica), paralelos ao desenvolvimento cada vez maior de games por produtoras

67 KENT, S. L. The Ultimate History of Video Games: From Pong to Pokemon, The Story Behind the Craze That Touched Our Lives and Changed the World. New York: Three Rivers Press, 2001.

pequenas, "independentes" e programadores e usuários "comuns". Nessa última fase, observa- se também uma expansão do público consumidor através de jogos de menor custo e maior acessibilidade, inclusive no que diz respeito ao domínio das técnicas para o jogar.

Nesse sentido, os anos 1970 observaram uma popularização dos jogos eletrônicos e a criação de uma primeira "cultura do videogame", localizada em espaços públicos, onde encontravam-se os Arcades mais vendidos. É possível dizer que um primeiro momento da indústria do videogame acontece entre o lançamento de Pong, a ascensão e "era de ouro" dos Arcades (que começam a perder popularidade em idos dos anos 1980) e as duas primeiras gerações de videogames domésticos, os primeiros videogames portáteis e primeiros jogos para computadores pessoais.

Inseridos nos mesmos espaços que as máquinas de Pinball, os gabinetes de videogame, também chamados de Arcades foram produzidos e vendidos também para operar a partir da inserção de moedas, sendo o primeiro deles o Galaxy Game (concebido a partir de Space War!), desenvolvido a partir do computador DEC PDP-11/20 da Universidade de Standford por Bill Pitts e Hugh Tucks em 1971. No mesmo ano, Nollan Bushnell e Ted Dabney vendem os direitos à Nutting Associates que lança o primeiro Arcade comercialmente: Computer Space (também elaborado a partir de SpaceWar!). Em 1972, Bushnell e Dabney fundam a Atari, e Pong se torna o primeiro grande sucesso comercial da empresa (19.000 máquinas vendidas), sendo este o primeiro grande impulso dado ao desenvolvimento de uma "indústria do videogame". Enquanto isso, o primeiro "Console", isso é, a primeira plataforma de jogos eletrônicos para televisão, é criado em 1966 por Ralph Baer, e lançado comercialmente somente em 1972, depois de sete versões experimentais, sob o nome de Magnavox Odissey, que vende 100.000 unidades em seu primeiro ano, e até o fim de sua existência, mais de dois milhões.

As diversas periodizações levam em conta um suposto "crash" que teria acontecido com a indústria no começo da década de 1980. O "crash" teria sido causado pelas diversas estratégias equivocadas da Atari, como centralização dos direitos autorais e a inundação de jogos caros e ruins enquanto mantinha o monopólio dos consoles - o que levou a ruptura empresariais e criação de novas companhias.

O segundo momento da história dos Videogames se inicia em 1985, quando Nintendo, Sega e outras empresas japonesas tomam a dianteira da criação de hardware da indústria e sedimentam a popularidade e hegemonia dos Videogames Domésticos, causando um deslocamento majoritário do local de jogatina do espaço público para o privado, principalmente

para os espaços já dantes ocupados pelo televisor no espaço familiar. Assim, os Arcades perdem sua popularidade, cedendo lugar para os computadores pessoais e videogames domésticos. Videogames portáteis se tornam plataformas de nichos de jogos específicos, para um público muitas vezes distinto do grosso da indústria. Foi um período de importantes inovações, tanto na técnicas quanto no conteúdo, que estabeleceram os padrões para os futuros suportes e gêneros69. E no final da década a indústria viveu um momento de completa euforia 70.

Por outro lado, o mercado de jogos eletrônicos para computadores pessoais teve rumos diferentes. Nos anos 1980, a Apple também enfrentou crise parecida, mas a ascensão da Microsoft, IBM, e outras empresas, manteve uma estabilidade dessa plataforma cujas funções ultrapassavam, mas incluíam, os games. As experiências em rede dos computadores permitiu, por exemplo, o desenvolvimento do multiplayer (múltiplos jogadores) que não necessitavam estar no mesmo ambiente, como era o caso dos Arcades e do videogame doméstico. Aranha desenvolve sobre isso abaixo:

Enfim, a experiência da atualização dos Jogos Eletrônicos no PC trouxe uma gama de recursos novos para os Jogos Eletrônicos, mas não somente isso. Todo este potencial comunicativo, era percebido também por aqueles desenvolvedores de computadores, provocando a indústria de PCs no sentido de expandir para todo o dispositivo aquele modo de participação verificado nos jogos, aquela experiência mediada por linguagem que articulava imagens e sons através da participação ativa do usuário. Estas inquietações conduziriam à elaboração do conceito de interface como base de ligação do usuário à máquina. Enquanto os consoles passariam a experimentar novas configurações no uso dos jogos que ampliassem as formas de uso. Desenvolve-se a partir disto o conceito de multi-player, sistema no qual múltiplos usuários participam de um mesmo jogo, dando origem à prática coletiva e simultânea em um mesmo jogo71

A Nintendo dominou o mercado na decênio posterior (de 1985 a 1996, aproximadamente) e controlava uma parcela proeminente da mídia especializada - com sua própria revista Nintendo Power e outras, que precisavam trabalhar em cima de seus jogos para sua própria sobrevivência – que ajudou a consolidar a narrativa que ultravaloriza sua intervenção na história dos Videogames com o NES e Super Mario Bros. Essa versão se tornou até hoje uma espécie de “história oficial” da indústria. Uma outra característica neste período é

69 MALLIET, S; MEYER, G. de. The History of Video Game. In: RAESSENS, Jost; GOLDSTEIN, Jeffrey (org.). Handbook of Computer Game Studies. Cambridge: MIT Press, 2005. p. 25

70 ARANHA, G. O processo de consolidação dos jogos eletrônico como instrumento de comunicação e de

construção do conhecimento. Revista Ciência e cognição, ano 1, v. 3, nov. 2004. p. 34.

a de que vários consoles surgiram e desapareceram diante da instabilidade na indústria, ademais os jogos passaram a se distanciar do processo de ação e reação que testava o reflexo dos usuários e a aproximação com os computadores trouxe novidades à interface e à maneira pela qual jogadores passaram a lidar com estas máquinas.

Há um deslocamento fundamental principalmente a partir de meados dos anos 1980 e principalmente durante os anos 1990 quando estes passam a ser incorporados ao ambiente doméstico em computadores pessoais e consoles (Videogames domésticos). O próprio ambiente familiar sofre modificações: lentamente, muitos filhos começaram a passar mais o dia em casa, ocupando o espaço onde já havia uma televisão ou um computador - isso traz importantes questões a serem pesquisadas para a história da família e da mulher. Compreendido como uma cultura jovem e masculina, ignora-se por exemplo o grande segmento feminino - a "menina gamer" e sua posição social dentro desse universo que lhe é inúmeras vezes opressor. 72 Para

Brenda Laurel, criadora da Purple Moon - desenvolvedora dedicada a fazer games para garotas - as produtoras e mercados não atendiam à demanda de jogadoras femininas que já no começo dos anos 1990 se organizavam em grupos para jogar Doom entre outros games a fim de resistir às investidas de um público masculino que as estereotipava e oprimia dentro do espaço dos jogos. Para Laurel e outras mulheres envolvidas com jogos, já houve uma mudança significativa e as condições de gênero melhoraram de alguma forma desde os anos 1990, quando computadores eram coisas estritamente de meninos 73. Essa resistência certamente levou

a uma demanda de representação que está de acordo com o que o jornalista Tom Chatfield afirma ao levantar dados que demonstram como a base de consumidores de jogos eletrônicos cresceu em quantidade e diversidade74.

Concomitante a estas questões, os jogos para computador e para videogames domésticos começam a se aproximar em gênero, público e produção, com a ascensão da internet e a popularização dos jogos tridimensionais75. Isso representou uma significativa mudança no

paradigma de representação dos jogos eletrônicos, muitas vezes desprezada com uma

72 Para um relato mais contemporâneo quanto à situação, há um manifesto "Não seja esse player. Manifesto da

Garota Gamer". Cf. UMSERVIDORPORVEZ. Não seja esse player. Manifesto da Garota Gamer. Disponível em: <http://umservidorporvez.tumblr.com/post/44896681261/nao-seja-esse-player-manifesto-da-garota-gamer>. Acessado em: jul. 2013.

73 DONOVAN, T. Replay: The History of Video Games. Lewes: Yellow Ant, 2010.

74 CHATFIELD, T. Fun Inc. Why Gaming will dominate the twenty-first century. New York: Pegasus Book,

2010. p. 61

75 MALLIET, S.; MEYER, G. de. The History of Video Game. In: RAESSENS, Jost.; GOLDSTEIN, Jeffrey

naturalidade que deve ser problematizada: a tridimensionalidade do espaço. A arte ocidental têm se voltado, sobretudo desde o Renascimento, à ilusão da perspectiva, em outros termos, a profundidade do espaço que pretende se assemelhar à realidade. O advento da fotografia e do cinema dão a esse espaço uma nova dimensão: primeiro do fotorrealismo e posteriormente sua passagem temporal. Os ambientes computacionais, e o videogame como seu principal expoente, dão materialidade a um espaço que é temporal mas também voltado à intervenção de alguém que interage. Esses experimentos com o espaço, entretanto, não são acompanhados pela representação do tempo e da narrativa, que se mantém em larga escala unidimensionais, com algumas exceções. O tempo-espaço se hegemoniza em uma narrativa linear e cronológica como a representação realista do mundo por excelência.

Depois da metade da década de 1990, os games começam a se apropriar da linguagem cinematográfica e da representação visual naturalista da realidade. Nos anos de 1997 e 1998 pelo menos três jogos se tornam paradigmáticos e clamados como "melhores games de todos os tempos": Final Fantasy VII (Squaresoft, 1997), The Legend of Zelda: Ocarina of Time (Nintendo, 1998) e Metal Gear Solid (Konami, 1998). O primeiro trazia quase ineditamente animações em CGI76 com cenas de ação e visualmente “realistas” para o momento tecnológico;

o segundo transformou um jogo cartunesco em 2D em uma saga épica em três dimensões com personagens também representados de forma naturalista; o terceiro bebia diretamente em filmes de espionagem do cinema.

A aceleração da inovação tecnológica trouxe saltos técnicos aos videogames na mesma proporção que aos computadores, impactando diretamente a sua produção e a forma pela qual eram jogados. Previamente, nos anos 1970 e 1980, o sistema de cartuchos, os computadores pessoais e resoluções de tela fortemente influenciaram toda a indústria do videogame77,

enquanto nos anos 1990, as capacidades processuais cresceram exponencialmente, e na virada do milênio, a popularização de certos gêneros de jogos multi-player e da internet levou no Brasil, por exemplo, à profusão de Lan-houses por todo o país.

A partir dos anos 2000, sem deixarem de ser a principal plataforma de jogos, os consoles

76 Computer Graphics Imagery – termo utilizado para cenas feitas “por computador”. Contudo, nos videogames o

termo assume um sentido específico, já que todo o processamento é gerado por computador. Trata-se, pois, de cenas fílmicas – de maior qualidade técnica e verossimilhança - desprendidas dos gráficos, da jogabilidade e do resto do game.

77 MALLIET, S.; MEYER, G. de. The History of Video Game. In: RAESSENS, Jost.; GOLDSTEIN, Jeffrey

domésticos começam a se transformar em máquinas de entretenimento e oferecerem mais opções do que o simples jogar, como assistir filmes e navegar pela internet, aproximando-se em público e jogos criados aos computadores pessoais ainda que o foco legitimador para seu público mais fiel seja ainda os games78.

O aumento do custo do desenvolvimento de jogos, devido ao desenvolvimento tecnológico e exigência do público consumidor, começou a se tornar uma preocupação crescente que impôs novas estratégias de business para os fabricantes de games. Uma delas foi a criação de nichos de jogos específicos para um público considerado "casual", o que nos aponta mudanças nos estilos de consumo e do público-alvo desta indústria multibilionária. Estes "casuais" são jogos tecnicamente mais simples e de jogabilidade mais acessível, limitando-se ao uso de habilidades que requerem menor treino em games curtos e que normalmente reproduzem aspectos da vida cotidiana. Nesse sentido, a Nintendo, por exemplo, passa a se focar no Nintendo Wii, criando jogos "casuais" mais baratos e para um público usualmente não jogador, já a outras produtoras, buscando o mesmo público-alvo, optou por oferecer pacotes de conteúdo complementar disponíveis na internet mediante pagamento do jogador.

O processo de remodelamento dos negócios das produtoras de jogos eletrônicas também contou com um movimento de produtoras “independentes”, o qual começou a pressionar verticalmente a indústria de jogos. O movimento, lento e gradual, logrou influenciar os produtores de jogos milionários, em uma aparente descentralização das produções de alto custo79. Temos então, um cenário que, de acordo com o jornalista Tristan Donovan, enquanto

a Nintendo ganhou a adesão de milhões de pessoas previamente alienadas pela complexidade dos videogames, outras tantas iniciativas buscavam expandir a escala imaginativa criando títulos de alto orçamento e épicos oferecendo um entretenimento eletrônico que tinha a ambição de ser arte mais do que diversão concentrada80.

O desenvolvimento da miniaturização tecnológica permitiu a popularização de telefones celulares, que passaram também a serem plataformas de jogos, bem como tablets, laptops e outros gadgets tomando tanto o espaço da casa quanto o da rua e resultando em uma cultura cada vez mais conectada à tecnologia digital e virtual, alterando, inclusive, fundamentos da

78 JENKINS, H. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009.

79 DONOVAN, T. Replay: The History of Video Games. Lewes: Yellow Ant, 2010. p. 368. 80 Ibidem, p. 341.

relação e percepção do corpo humano81.

Entretanto, apesar destas transformações substanciais na forma qualitativa e quantitativa dos jogos (expandindo, por exemplo, os gêneros e os suportes) é importante perceber um mesmo padrão circular que continua se repetindo desde o estabelecimento dos Consoles como a plataforma material central na indústria, sobretudo a partir do começo dos anos 1990. Este ciclo opera no desenvolvimento tecnológico que substitui a cada cerca de seis ou sete anos estes suportes materiais por novos Consoles com equipamento mais sofisticado e capacidade de armazenamento interno ou externo maior, capaz de gerar “gráficos” mais realistas e bem elaborados. Esta centralidade nos consoles demarca saltos “geracionais”, isto é, jogos e suportes são feitos orientados pela sua produção.

Este ciclo inicia-se com a disputa entre o Nintendo Enterntainment System (NES) e o

Sega Master System, dando lugar eventualmente para a disputa entre o Super Nintendo Entertainment System e o Sega Mega Drive/Genesis. A indústria japonesa mantém-se como a

principal produtora dos suportes materiais até a virada do século; o Sony Playstation, lançado para o mercado em 1994, competia com o Nintendo 64 e o Sega Saturn. Na mudança de geração para o Playstation 2 em 2000, a companhia Sega largou o mercado, a Microsoft lançou seu

XBOX, e a Nintendo desenvolveu seu Nintendo Gamecube, além da primeira sequência bem

sucedida para seu portátil Game Boy, o Game Boy Advanced. No outro salto “geracional”, em idos de 2006, muda-se novamente os competidores no mercado: Sony Playstation 3, Microsoft

Xbox 360, Nintendo Wii e os novos portáteis Nintendo DS e Sony PSP. Novamente, em 2013,

novos Consoles orientam: o Sony Playstation 4, Microsoft Xbox One, Nintendo Wii.

A cada salto de “geração”, os “gráficos”, franquias e modos de jogabilidade se transformam qualitativamente, e outros suportes “secundários” passam a existir, aproveitando- se muitas vezes da tecnologia utilizada pelas gerações anteriores. Os jogos de computador são, salvo exceções, a ponta de lança deste desenvolvimento tecnológico, apontando as novas capacidades antes dos Consoles serem substituídos, e entretanto, estes são ainda o que determinam quando e como a orientação deverá ser prosseguida até o final do ciclo.

81 SANTAELLA, L. Culturas e artes do pós-humano. Da cultura das mídias à cibercultura. São Paulo: Paulus,