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CAPÍTULO I OS VIDEOGAMES NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA NOS VIDEOGAMES

6. Os “Jogos Históricos” enquanto gêneros e lúdicos e objetivos de jogo

6.1 Jogos de Construção e Gerenciamento Social

De certo a grande concentração de “jogos históricos” são os que se situam nos Jogos de

Construção e Gerenciamento Social. Estes games se concentram na construção, planejamento,

disposição e gerenciamento de estruturas e relações sociais, em pequena e/ou grande escala. Esse grupo atravessa jogos de desenvolvimento de longevas civilizações, a espaços urbanos ou rurais, instituições ou parques temáticos e até a manutenção da vida social e afetiva de avatares humanos e de outras espécies. Originam-se nos de jogos de tabuleiro de guerra e estratégia que

acabam se expandido por uma miríade de estruturas de regras. Apesar de não ser exclusividade do tema histórico, este figura na maior parte dos jogos do gênero por um princípio fundamental: o desenvolvimento de uma civilização ou de uma cidade. Muitos destes jogos vêm acompanhados de glossários e modos de “campanha” e “cenário” que emulam situações históricas “concretas”. Diferentemente do que veremos nos Jogos de Performance, a narrativa é um acompanhante de alguns destes modos dos jogos, não exercendo uma função estruturante no game.

Três grupos podem ser considerados em função de sua escala e de seus objetivos: em um primeiro a ênfase está na mobilidade de unidades e na construção das infraestruturas e estruturas econômico-sociais de uma "civilização" ou de uma cidade. O gerenciamento das estruturas e infraestruturas econômicas e sociais, assim como a mobilização de unidades e as estratégias militares são manipuladas pelo jogador em "tempo real", isso é, a ação do jogador tem efeito imediato, e a ação dos adversários (seja o computador ou de um adversário humano) são concomitantes ou em "turnos" – entre a ação do jogador a concretização desta, há um tempo estipulado, e a ação de adversários têm lugar antes ou depois. Dependendo do tipo, o jogo requer maior dinamismo ou prioriza o planejamento na observação e controle dos recursos em sua disposição espacial no mapa. Exemplos incluem as séries históricas Age of Empires e

Civilization e outras de fundamental expressão como Warcraft e Starcraft.

Grande parte destes jogos de “civilização” usam este conceito no sentido mais clássico do Estado ocidental – diríamos mais especificamente, no sentido generalizado de um Estado moderno capitalista, organizado racionalmente, cujas ações levam sempre ao crescimento progressivo e evolutivo de seu poder tecnológico, econômico, político e territorial. Para Eucídio Arruda, tal noção de Estado e civilização evoca síntese, expansão e domínio, que são objetivos do jogo, ainda que jogadores possam criar outras relações baseadas em distribuições de poderes diferentes daqueles pretendidos pelo jogo117. Colocamos também a noção de que estes Estados

são concebidos dentro da ideia uma gestão administrativa empresarial que deve ser gerida através do controle de recursos humanos, materiais e seu desenvolvimento e expansão.

Os mais famosos e bem vendidos jogos deste gênero são a série Age of Empires,

Civilization e Rise of Nations, cujos títulos já dizem bastante sobre a teoria histórica que

sustenta sua estrutura: uma ideia de progresso civilizacional imperialista. Dadas as diferenças

de jogabilidade entre cada um deles, a premissa que os sustenta é desenvolver economica, militar e tecnologicamente uma nação desde uma remota “Idade da Pedra”, até alcançar seu “fim da História” (na acepção senso-comum da frase de Fukuyama) no molde capitalista tecnocrata moderno. Em suas variâncias, “modelos de governo” distintos como Comunismo, Liberalismo ou Fascismo podem ser adotados na gestão micro de sua organização de produção, mas ainda se pautam absolutamente numa lógica teleológica da História, na acumulação primitiva de capital (simbólico, representado por reservas naturais, como outro, pedra ou madeira), e a conquista ou defesa de território. Acordos diplomáticos ou troca econômicas são ferramentas nesse processo de desenvolvimento e índices como cultura ou sociedade são dados estatísticos que algumas vezes influenciam de alguma forma uma ou outra mecânica de jogo. Kappel e Eliot apontam como em Civiliation V, trocas econômicas não produzem identidades ou crenças e o “outro primitivo” é representado incapaz de se transformar e progredir, se tornando cada vez menos relevantes.118

Figura 1.6: Age of Empires 3: British Musketeer Rush vs. Germans on Great Plains

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=NBVS7Ek0ic8

118 KAPPELL, Mathew Wilhelm.; ELLIOT, Andrew B.R. (orgs). Playing with the Past. Digital Games and the Simulation of History. New York: Bloomsbury, 2013.

Na imagem acima, podemos ver uma colônia britânica em Age of Empires III. Iluminada no centro da imagem estão as “Barracas” (quartéis), construção que permite desenvolver a força militar, à direita trabalhadores produzindo o “capital-madeira” e à esquerda, no edifício maior, o Town Center, construção presente em quase todos os jogos deste gênero, na qual os recursos, as tecnologias e o centro de poder são centralizados. O modelo destes jogos, apesar de seguir o do Estado Moderno e Nacional, estrutura-se a partir da lógica de Cidades-Estado cujos centros são responsáveis pelo desenvolvimento das várias cidades-colônias e suas expansões. Novamente, com certa variabilidade entre os jogos individuais, por exemplo, novos jogos, como Rise of Nations operam com o conceito de “Fronteira”, colorindo o espaço, que mesmo não ocupado, pertence a determinada nação.

Estes jogos enfim, trabalham de perto conceitos como o de “processo” e “causalidade” históricos e um certo número de autores debate o quanto eles podem ser instrumentos para inspirar educativamente nos jogadores a ideia de mutabilidade da História, a partir da perspectiva de que ela não necessariamente seguiria seu curso diante da variabilidade dos resultados dos jogos119. Assim, para estes autores, o Império Asteca vencer os colonizadores

espanhóis demonstraria a casualidade histórica e que ela não seria predeterminada, e sim fruto dos seus arranjos contemporâneos e de eventualidades.

Em um segundo gênero, o foco é a organização espacial das estruturas e da população interna de uma cidade ou espaço privado. Esse concentra-se menos na mobilização de unidades e no levantamento de "recursos", e mais na construção, loteamento e a organização espacial das estruturas e das populações que lá habitarão ou simplesmente frequentarão e gastarão "dinheiro". Provavelmente o jogo mais proeminente deste gênero seja Sim City ou Roller

Coaster Tycoon, mas, apesar de pouco explorados pela bibliografia, alguns destes jogos

simulam a administração de uma cidade histórica, como as civitas romanas na série Caesar ou em Glory of the Roman Empire. Outros jogos da mesma produtora trazem polis gregas em Zeus ou cidades egípcias em Pharaoh.

Ainda pautados na administração de um Estado onisciente, voltam-se ao planejamento urbano e lidam com uma administração que tem o acesso a melhores condições urbanas e acesso à cultura como plataformas para ascensão social. Em Caesar III, por exemplo, para sua cidade

119 APPERLEY, Tom. Modding the Historian’s Code: Historical Verissimilitude and the Counterfactual

Imagination. In: KAPPELL, Mathew Wilhelm; ELLIOT, Andrew B.R. (orgs). Playing with the Past. Digital Games and the Simulation of History. New York: Bloomsbury, 2013.

desenvolver villas mais ricas, é necessário que a região tenha acesso à água, estar na rota de vários suprimentos de alimentos e commodities, além da proximidade a “centros culturais” como arenas e teatros. A inabilidade em solucionar a pobreza material através do bom gerenciamento pode levar a incêndios e revoltas sociais.

Figura 1.7: Caesar III: a neighborhood

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=_QElAeIqSHA

Um último grande gênero destes jogos de gerenciamento é o nível de escala da interação social entre indivíduos e a manutenção da vida, entretanto, há uma escassez de jogos históricos dentro deste. São jogos que simulam a vida social de um ou mais indivíduos e focam-se na construção de relacionamentos, trabalho e o cotidiano ou que simulam o cuidado a indivíduos e animais de estimação, que estão praticamente à mercê das intervenções do jogador. O exemplo mais conhecido e notável deste tipo é The Sims ou o “bichinho” virtual Tamagotchi. Entretanto, não há casos conhecidos de jogos históricos do gênero.