• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I OS VIDEOGAMES NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA NOS VIDEOGAMES

2. Os Videogames na História e na Indústria Cultural

Apesar de não ser o foco desta pesquisa, alguns apontamentos são interessantes na tentativa de compreender a ainda breve história dos videogames e sua inserção em uma história social mais ampla dentro das últimas décadas. Nascido dentro da corrida militar tecnológica e do desenvolvimento de computadores, os Videogames rapidamente ocuparam parte do tempo livre dentro da lógica do trabalho e adentraram a estrutura da indústria produtora de cultura.62

É certo que os múltiplos jogos eletrônicos têm enraizamentos distintos em outros jogos, esportes e modalidades lúdicas bem anteriores ao seu nascimento. A disparidade de jogos concentra-se em um número menor - mas ainda amplo - de suportes físicos que funcionam como plataformas mediadoras para a interação entre jogador e jogo.

Em uma pequena, mas instigante, obra o historiador Nicolau Sevcenko vai fazer um panorama sobre a vida cultural no século XX, e ao que nos interessa, construir uma aproximação entre o nascimento do cinema e o desenvolvimento de brinquedos dos parques de diversões no compartilhamento entre ambos de um caráter vertiginoso, popularesco e feito para o consumo de massa63. Um paralelo com nosso objeto pode ser feito pensando os games como

um prolongamento dos esforços tecnológicos da indústria do entretenimento em torno do audiovisual cinematográfico e da sensação lúdica do parque de diversão. Os videogames articulam ambas experiências de forma particular, expressando, por um lado, uma narrativa audiovisual vinda do cinema, e, por outro, uma imersão lúdica em espaços pensados para serem explorados sensorialmente, como o parque de diversões.

Assim, os games situam-se sobretudo em um sistema cultural onde tudo está interligado: a Indústria Cultural alçou uma escala global e uma convergência de formatos e conteúdos, disseminando-se pelo planeta e articulando produções de inúmeras indústrias – a audiovisual, lúdica, editorial, têxtil, dentre outras. Na virada da primeira década século XXI, milhões de consumidores passaram a se conectar e partilhar de espaços comuns na internet, seja fóruns de discussão, sítios de compartilhamento de conteúdo como o Youtube ou o Facebook, e jogos

online. Consumir um game muitas vezes não se encerra na experiência particular do jogador

com o produto, mas transporta-se para o consumo de outras mercadorias de mídias distintas: livros, quadrinhos, camisetas, brinquedos, filmes, e até mesmo o contato com outros jogadores

62 ZANOLLA, Silvia Rosa Silva. Videogame: Educação e Cultura. Campinas: Alínea, 2010.

em discussões em comunidades virtuais sobre o game em questão, assim como na partilha de significados e significantes em sua referência.

Os códigos narrativos e lúdicos ocuparam a própria experiência da vida contemporânea e mais pesquisas são necessárias para compreender o quanto a imaginação audiovisual, o comportamento lúdico-behaviorista passaram a integrar esferas que ultrapassam o limitado espaço dos produtos. A experiência no XXI passa a diretamente a ser produzida a partir dessa vivência compartilhada e narrada com muita força sobretudo pelos polos produtores de cultura feita para contingentes gigantescos de população humana. Se antes a memória, a narrativa e a tradição pretendiam dar conta de uma comunidade local, que transitou às construções das identidades nacionais, essas irradiações pretendem construir a ideia de uma comunidade global, obviamente construída a partir dos valores simbólicos e culturais de setores que detém os meios hegemônicos para essa produção.

Em outras palavras, além das disputas do campo econômico ou político, o que apreendemos são imperialismos culturais em disputa de mercados e mentes localizados em produtos aparentados como “ingênuos”. Um mesmo jogador pode ter acesso a um mangá japonês, um game coreano, um filme canadense, uma série de TV americana, cada qual com sua própria ideologia. Isso não significa necessariamente a expansão de uma compreensão multicultural ou crítica do mundo do mundo, e sim uma disputa simbólica que ao mesmo tempo transmite certos valores contrastantes e se articula em uma unidade que não se importa com o discurso ou o viés ideológico. Ou seja o produto pode ser progressista, conservador ou reacionário, pois a lógica desta indústria é a apropriação voltada para o lucro, algo que pode ser sintetizado em uma máxima: consuma esquerda ou direita, mas consuma. Esse sistema onde tudo se interliga impede com uma força esmagadora que enorme parte dos seres humanos não se conecte ao menos a um tipo de produção midiática dessas indústrias, que cada vez mais se articulam. Os intercâmbios narrativos entre as produções cinematográficas e de videogames são as mais evidentes, mas não são a únicas. Esse é um processo ainda em andamento, cujo futuro parece ter uma direção muito clara, ao menos para os próximos anos: uma das ferramentas do

Playstation 4 é a possibilidade de conectar-se diretamente ao Facebook e compartilhar telas e

vídeos capturados de seus jogos instantaneamente na rede. Filmes, livros, quadrinhos e demais produtos são cada vez mais concebidos de maneira articulada, diretamente ou indiretamente.

O começo do século XXI se apresenta como um espaço social onde o comportamento humano teve de se adaptar a transformações radicais da experiência social em que milhões de

pessoas globalmente passam razoável tempo de suas vidas em frente à internet ou a um videogame. Seu desenvolvimento histórico origina em um período de "ascensão da cultura da imagem e consumo", concomitante à desregulamentação de mercados, retração do Estado e como parte intrínseca da Revolução Microeletrônica e digital e é indissociável à aceleração tecnológica, ao desenvolvimento dos computadores, as transformações dos espaços públicos e familiares, ao advento da televisão, do cinema à acentuação da "cultura do espetáculo"64.

Os filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer já afirmavam que "o entretenimento e os elementos da indústria cultural já existiam muito tempo antes dela"65 e o mesmo é válido

para os jogos eletrônicos, tanto para sua própria existência quanto para os elementos que o precedem. Pensamos aqui as reflexões de Adorno, Horkheimer e outros intelectuais da tradição da "Escola de Frankfurt" como um projeto de radicalização crítica que deve ser contextualizado e problematizado mas que indubitavelmente traz luz a questões que são anacrônicas a seu olhar (limitado pelo tempo de vida dos autores, que jamais viram um game, por exemplo) e que, ainda assim, mantém permanências e semelhanças históricas a nosso objeto. Os videogames possuem múltiplos enraizamentos históricos - sobretudo modalidades lúdicas e formas narrativas que lhe são anteriores - e dão continuidade a uma série de tradições prévias, como outras modalidades lúdicas, narrativas e a própria Indústria Cultural.

Pensando essa continuidade, não é de se estranhar os primeiros jogos eletrônicos foram baseados em pingue-pongue e tênis, bem como de adaptações de jogo-da-velha, jogos de cartas, quebra-cabeças, tabuleiros e diversos esportes. Além destes, não deve ser equivocado pensar como as inúmeras brincadeiras infantis de aventuras, “polícia e ladrão”, pega-pega”, “cabo-de- guerra” são apropriadas e inspiradas na composição de jogos como, Grand Theft Auto, Frog,

Call of Duty ou The Legend of Zelda desde suas versões mais antigas até suas versões mais

sofisticadas tecnologicamente66. Nesse sentido, seria preciso uma investigação mais profunda

sobre por que modos a interpretação de papéis, de jogos como Dungeons and Dragons ou de peças teatrais, contribuiu na construção do assumir o papel de controlar um avatar dentro dos games de personagem.

64 SEVCENKO, N. A corrida para o século XXI. No loop da montanha-russa. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. 65 ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 1985. Trad. Guido Antonio de Almeida.

66 De fato, Shigeru Miyamoto, criador da série Legend of Zelda e também Super Mario já descreveu em entrevistas

como se aventurar pelo bosque enquanto criança teria o inspirado na criação de seus jogos. DAVID, S. Game Over: Press Start to Continue: The Maturing of Mario. Wilton, Connecticut: GamePress, 1999.

Suas raízes podem ser também encontradas nas mesas e máquinas de jogos e entretenimento em geral; nos computadores e nas tecnologias envolvidas no desenvolvimento de seu hardware e software; nas pesquisas em torno da realidade virtual; além das tradições estéticas e artísticas de composição visual. Inseridos em um mundo de intenso e rápido desenvolvimento industrial, tecnológico em um espaço majoritariamente urbano - da cidade - um espaço social de multidões, um centro de convivência, de modelação de comportamentos e tensões, os games se instalaram em um espaço em que pessoas estão acostumadas a já passarem horas em casa em frente à televisão ou ao computador e ao mesmo tempo possuírem os reflexos rápidos da era industrial, necessários à sobrevivência aos múltiplos sons, luzes e movimentos do espaço fabril, do trânsito e da cidade como um todo.