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CAPÍTULO I OS VIDEOGAMES NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA NOS VIDEOGAMES

4. O panorama atual e a Indústria Transmidiática

Para Fredéric Martel, sociólogo estudioso daquilo que ele chama de "indústrias da diversão", o conceito de Indústria Cultural deve ser retrabalhado uma vez que a globalização e a internet reorganizaram completamente as trocas em uma guerra mundial de conteúdos pelo controle das imagens e dos sonhos dos habitantes de muitos países dominados que produzem pouco ou não produzem bens e serviços culturais. Nesse sentido, para o autor, surgiu um novo capitalismo cultural “avançado” global, em um sistema autenticamente descentralizado, mas ao mesmo tempo muito concentrado, não monolítico e que se transforma e se adapta a todo momento, constituindo redes de produção compostas de milhares de pequenas e médias empresas e start-ups que são imbricadas e indispensáveis umas às outras. É em sua opinião, um modelo dinâmico que privilegia a criatividade em detrimento da reprodução idêntica, que não pretende apenas impor certos valores culturais e sim multiplicar e ampliar seus mercados. Os Estados Unidos, como um dos principais expoentes, por exemplo produz uma “diversidade padronizada” ao exportarem não apenas seus produtos mas também seu modelo de produção cultural82. Ideologicamente o que se apresenta, então, é uma sociedade globalizada onde as

diferenças são tornadas iguais dentro das mercadorias, e o que importa é a produtividade. Nas reflexões frankfurtianas sobre a Indústria Cultural, a diversão é entendida como prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio em uma cultura em que toda produção é semelhante formalmente. Dessa forma, a produção industrial constitui em sua totalidade um sistema em que cada “setor é coerente em si mesmo e todos os são em conjunto” e que, consequentemente, submete tudo ao poder do capital. A diversão seria “procurada por quem quer escapar ao processo de trabalho mecanizado, para se pôr de novo em condições de enfrentá-lo”. Diversas críticas podem ser feitas a esse modelo de crítica radical, dentre elas a concepção da indústria como um ente sistematicamente organizado. Algumas interpretações propõem pensar em várias indústrias culturais com modelos e projetos diferentes, tal qual sugerido por Mattel:

A realidade é mais nuançada e mais complexa: existe ao mesmo tempo homogeneização e heterogeneização. O que acontece: a ascensão de um entretenimento mainstream global, em ampla medida americano, e a constituição de blocos regionais. Além disso, as culturas nacionais são reforçadas em toda parte, muito embora o "outro" referencial, a "outra" cultura seja cada vez mais os Estados Unidos. Finalmente, tudo se acelera e se

82 MARTEL, F. Mainstream. A guerra global das mídias e das culturas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

mistura: o entretenimento americano muitas vezes é produzido por multinacionais europeias, japonesas e já agora também indianas, ao passo que as culturas locais são cada vez mais coproduzidas por Hollywood83.

O filósofo Slavoj Zizek, por sua vez, defende que a lógica do ciberespaço dentro do capitalismo global assume uma fantasia de um “capitalismo sem atritos” referente tanto à realidade dos obstáculos materiais que sustentam todo processo de troca quanto aos antagonismos sociais e as relações de poder. Ele aponta que na análise de Marx sobre o século XIX, a própria disposição material tornava concreta a relação capitalista de produção, onde o trabalhador era um apêndice subordinado às máquinas possuídas pelo proprietário; já nas condições sociais do capitalismo tardio, a materialidade do ciberespaço gera um espaço abstrato de troca “sem atritos”, nas quais a particularidade da posição social dos participantes é destruída. Ainda segundo o autor, a relação entre o Capital e esta nova forma do Estado-Nação pode ser designada como uma “autocolonização”, na qual esse capitalismo multinacional não mais lida com a oposição entre países do centro e da periferia, já que nessa nova etapa do capitalismo as companhias globais são poderes coloniais que tratam todos os países, inclusive seu original, como territórios a serem colonizados, cuja ideologia é o próprio multiculturalismo84.

Em certa oposição crítica a Heidegger e à Escola de Frankfurt, o sociólogo Pierre Levy vai pensar a Cibercultura como um "conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço"85. Para ele, uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma

sociedade encontra-se condicionada por suas técnicas que são imaginadas, fabricadas e reinterpretadas durante seu uso pelos homens, como também é o próprio uso intensivo de ferramentas que constitui a humanidade enquanto tal, sendo impossível de separar o humano de seu ambiente material. Ao dar valor ao caráter de suporte de “inteligência coletiva” na produção técnica contemporânea, ele também atenta à sua ultra aceleração - quanto mais rápida é a alteração técnica, mais nos pareceria distante da compreensão86. Esta “inteligência coletiva”

seria o esforço de múltiplos profissionais especialistas, cada um contribuindo para uma

83 Ibidem. p. 420.

84 ŽIŽEK, S. Multiculturalism, or, the Cultural Logic of Multinational Capitalism. New Left Review, pp. 28-51,

sep.-oct. 1997.

85 LÉVY, P. Cibercultura. Rio de Janeiro: Editora 34, 2010. p. 16 86 Idem. p. 21-29

determinada questão técnica: desde a produção dos modelos poligonais, a arte conceitual, a câmera, os mecanismos de programação de regra e da jogabilidade, etc. E, no sentido das reflexões de Levy, poderíamos afirmar de acordo com sua análise, que como produção ultra especializada, os videogames nos encantariam justamente por, enquanto mão de obra não especializada, nos foge o domínio da técnica: é possível amadoristicamente escrever, desenhar, pintar, filmar, mas criar um jogo eletrônico exige um esforço coletivo ultraespecializado da técnica de construção destes vários fatores em união.

O videogame é outro produto já produzido dentro de uma indústria que pensa a reprodução voltada para o consumo de massa, por isso podemos nos apropriar das reflexões de Walter Benjamin acerca o cinema87. Essa reprodução técnica que foi se aprimorando nos

últimos séculos e se tornando cada vez mais acelerada e sofisticada até ganhar nos dias de hoje uma espécie de autonomia aos recursos proprietários e exclusivos da indústria, na medida em que sua reprodução técnica digital independe de recursos, bastando um único indivíduo que domine o relativamente simples instrumental necessário para transpor um game, filme, livro ou música ao ambiente online e a partir de então, este produto está praticamente livre para ser reproduzido e disseminado para quantos interessados houver. Isso sem dúvidas não quer dizer que as próprias indústrias não tenham se apropriado desse novo paradigma: no caso dos videogames, por exemplo, houve um esforço constante nos últimos anos de deslocar todo o sistema de mídias físicas, que implica recursos humanos e materiais, bem como espaços destinados ao consumo (lojas) abdicados, para o espaço virtual centralizado de venda.

Nesse sentido, os games fazem parte dos produtos da Indústria Cultural que são voltadas ao consumo indistinto. Há um claro recorte de classe em quem pode obter o equipamento necessário, e outro corte em produtos só acessíveis aos mais abastados ou dispostos a comprometerem seu orçamento diante do seu fascínio pelo objeto (como edições de colecionador). Conteúdos particulares que destacam e permitem acessos privilegiados à certa parte do conteúdo impõe mesmo dentro do jogos uma hierarquia socioeconômica que parece ser cada vez mais a regra.

Isso se torna bastante evidente na questão das “expansões”88. Até a virada da primeira

87 BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Primeira versão. Obras escolhidas – magia e técnica, arte e política. São Paulo: Editora Brasiliense, 2010.

88 Além dos games produzidos e vendidos separadamente, a indústria também produz “expansões”, que são adições

ao jogo original com novas fases, objetos, etc. que podem ou não serem pagos. DLCs (Downloadable Contents) são expansões que podem ser “baixadas” na internet. A série Assassin’s Creed possui em vários de seus jogos

década do século XXI, bastava ao consumidor comprar a plataforma a e o jogo, e expansões caso quisesse obter algo a mais da experiência original. Posteriormente, o mecanismo das expansões foi incrementado, pois os jogos receberam cada vez mais adições que deveriam ser compradas e os o próprio acesso ao game original passou a ser comprometido. Isso tornou-se regra para alguns gêneros de jogos (sobretudo os online) e passou a ser o próprio modelo de negócio de jogos para celulares. Atualmente, há certo descontentamento em alguns círculos

gamers, e abaixo podemos ver uma imagem produzida na internet cuja percepção faz uma sátira

em reação a esse projeto em curso e deixa bem clara a questão:

Figura 1.1: Montagem encontrada na internet ironizando as expansões e DLCs

Fonte: https://internationalhouseofgeek.files.wordpress.com

A ampliação de mecanismos de lucratividade em torno dos jogos eletrônicos, entretanto, tem sua principal expressão naquilo que o teórico Henry Jenkins veio a conceituar como Indústria e Narrativa transmídia. Jenkins propôs esta formulação em articulação com o conceito de “cultura da convergência” para se distanciar do que ele chama de “falácia da caixa preta”, uma projeção de futuro da tecnologia, onde todos os conteúdos culturais estariam unificados em um único suporte material. Ao contrário, em sua asserção, ninguém mais quer um celular, um computador, um videogame ou uma televisão com funções únicas.

Nesta nova lógica, haveria uma profusão de suportes materiais e uma convergência dos conteúdos: games começaram a serem feitos para serem jogados não apenas em aparelhos

esses novos conteúdos adquiridos na internet.

concebidos exclusivamente para isso, ao passo que os aparelhos que originalmente tinham como única função o jogo, cada vez mais passaram a integrar a possibilidade de acessar filmes, internet, e outros conteúdos. Jenkins, então, afirma: “graças à proliferação de canais e à portabilidade das novas tecnologias de informática e telecomunicações, estamos entrando numa era em que haverá mídias em todos os lugares” – esse crescimento quase canceroso explica adolescentes mexendo na web em cinco ou seis janelas, escutando mp3, enquanto conversam e jogam no celular, tudo ao mesmo tempo89 - e aparentemente, o impacto psíquico disso ainda

não foi devidamente avaliado.

No centro da “cultura da convergência” estaria o “impulso transmídia”, narrativas que desenrolariam através de múltiplas plataformas de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo, uma vez que suportes e conteúdos diferentes atraem nichos de mercado diferentes ampliando a possibilidade de mercado consumidor. Nesse sentido

Assassin’s Creed (mas também Matrix e tantos outros) é entretenimento dessa convergência,

integrando múltiplos conteúdos para criar uma narrativa tão ampla que não pode ser contida em único suporte. Para tanto, criam-se não só games, mas também quadrinhos, animações, brinquedos, livros e mesmo imensas peças de publicidade – em um interesse explícito em integrar entretenimento e marketing, criar fortes ligações emocionais e usá-las para aumentar as vendas 90.

A indústria midiática está adotando a cultura da convergência por várias razões: estratégias baseadas na convergência exploram as vantagens dos conglomerados; a convergência cria múltiplas formas de vender conteúdos aos consumidores; a convergência consolida a fidelidade do consumidor, numa época em que a fragmentação do mercado e o aumento da troca de arquivos ameaçam os modos antigos de fazer negócios. Em alguns casos, a convergência está sendo estimulada pelas corporações como um modo de moldar o comportamento do consumidor. Em outros casos, a convergência está sendo estimulada pelos consumidores, que exigem que as empresas de mídia sejam mais sensíveis a seus gostos e interesses91.

Com estes fatores em mente, devemos levar em conta que nos últimos anos a indústria do videogame foi estimada entre 65 e mais de 70 bilhões de dólares mundialmente92. O sucesso

89 JENKINS, H. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009. 90 Ibidem. p. 138-139

91 Ibidem. p. 140.

92 Diversas fontes da imprensa discutem os números da indústria videogame, para uma perspectiva mais abrangente

da indústria cultural como um todo no ano de 2011, há um estudo que compila diversas fontes, e pode indicar, se não a veracidade das informações, sua tendência de crescimento. Cf. MASNICK, M.; HO, M. The Sky is Rising.

da indústria de jogos eletrônicos não se limita ao campo financeiro, já que diversos outros produtos incorporaram a "linguagem videogame", como por exemplo os aplicativos para celulares que transformam os espaços urbanos em games. Nesse sentido, além da importância econômica mais explícita, é observável uma expansão da lógica do entretenimento, do lúdico e do virtual para múltiplas esferas da vida cotidiana, inclusive das relações educacionais e do trabalho. Também é notável como a comunidade e a indústria gamer passaram a reivindicar um estatuto artístico93.

Esse movimento coloca certos games, e não outros, como exemplos de forma de arte. Os jogos tido como exemplo de arte têm espaços virtuais considerados belíssimos representados "artisticamente", dificilmente reivindicando seu estatuto pelo seu gameplay ou possibilidades de participação – o grande foco é a sua beleza estética ou a força de suas representações e narrativas94. Isso não está desconectado da valorização das "artes clássicas" nem tampouco da

ampliação das representações visuais no mundo moderno - naquilo que de Certeau veio a chamar de "crescimento canceroso da visão", isto é, a profusão em massa de imagens e símbolos após a revolução industrial e principalmente a partir do advento do cinema, da televisão e do crescimento da publicidade no século XX.95

Para muitos teóricos da estética, há uma distinção entre obra de arte e entretenimento que consiste, em termos gerais, em defender que a obra de arte, dentro da perspectiva das vanguardas modernistas no século XX, é uma manifestação que pode causar choque e transformação social, ao passo que o entretenimento seria uma mercadoria que visaria à alienação das massas através do divertimento. Conforme Fredric Jameson, a obra de arte modernista em seu potencial transformador no começo do século passado passou por um processo de apropriação, institucionalização e conformação através da sua incorporação como objeto legítimo dentro da academia e das galerias de arte96. Portanto, achamos estéril entrar na

discussão, muitas vezes dicotômica, entre as duas definições e no lugar de definir os jogos eletrônicos como um ou outro, nos colocarmos a compreender o movimento dentro da indústria

TECHDIRT. Disponível em: <http://www.techdirt.com/skyisrising>. Acesso em 30 abr. 2012.

93 Como um exemplo, após afirmar que os “videogames nunca poderiam ser arte”, o crítico de cinema Roger Ebert

instaurou um grande debate com seus leitores, que só se encerrou quando ele recuou e afirmou que talvez ele “não entendesse”. Cf. EBERT, Roger. Okay, kids, play on my lawn. ROGER EBERT JOURNAL. jul. 2010. Disponível em: <http://www.rogerebert.com/rogers-journal/okay-kids-play-on-my-lawn>. Acesso: mar. 2013.

94 BOBANY, A. Video game arte. Teresópolis: Novas Idéias, 2008.

95 CERTEAU APUD SEVCENKO, N. A corrida para o século XXI. No loop da montanha-russa. São Paulo:

Cia. das Letras, 2001.

de se legitimar enquanto arte.

Nesse sentido retomamos as reflexões da Teoria Crítica: o videogame passa a se apresentar como arte, apesar de ser um negócio. A qualidade artística dos games aparece como legitimadora e passa a se justificar sobretudo pela sua bem sucedida aventura econômica. Assim como na reflexão sobre Indústria Cultural em seu momento anterior, quanto mais economicamente rentáveis, mais "se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto a necessidade social de seus produtos"97. Essa postura alinha-se com os investimentos massivos da indústria

em jogos cada vez mais complexos, interativos e que buscam uma legitimidade social como uma nova forma de arte, aproximando-se das narrativas cinematográficas.

Essa mesma lógica de incorporação à legitimidade nos é compreendida na inserção do videogame a uma continuidade de esforço do trabalho intelectual, mecânico e produtivo em uma lógica voltada ao entretenimento. Sintoma disso são os diversos projetos de “gamificação” tanto da educação quanto do trabalho que vêm sendo feitos. Uma das principais expoentes dessa perspectiva, é a ideóloga e membro do “Instituto do Futuro”, Jane McGonigal, para quem a superação da “realidade saturada” e do “trabalho chato” seria a incorporação de elementos lúdicos dos games que os tornariam divertido e mais produtivo98. Essa perspectiva adota a ideia

de que o trabalho seria pouco recompensador psicologicamente e para resolver isto, seria interessante trazer os mecanismos lúdicos dos games para seu interior, como pontuação sobre objetivos e metas, recompensas mais imediatas e prazerosas, e um ambiente de diversão que faria o trabalhador pensar não em um fardo a ser carregado, mas como em um game, algo que o traria sentido e entretenimento enquanto realiza suas tarefas.

Entretanto, apesar de sedutor, tal ideia abandona a crítica à exploração do trabalho, ao produtivismo e tantos outros problemas do capitalismo moderno em uma lógica tecnocrata e behaviorista disfarçada de melhoria da vida pela diversão. Ao advogar um paralelo com games que já exigem um hercúleo esforço por jogadores, que estão se dedicando por uma atividade exclusivamente lúdica, a “gamificação” do mundo do trabalho pretende solucionar suas mazelas não contestando suas estruturas, mas sim apelando ao prazer possível de ser obtido – em vez de chicotadas, pirulitos. Várias empresas, sobretudo ligadas à tecnologia que rendem

97 ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 1985. Tradução: Guido Antonio de Almeida. p. 100.

bilhões de dólares anualmente, como o Google, já passaram a empregar técnicos especialistas em um ambiente com videogames, televisão, massagistas, tornando-se o “trabalho dos sonhos” para muitos, mesmo que seja uma exceção para poucos, que vêm nos últimos anos explicitando diversas críticas ao modelo. De funcionamento parecido, a indústria dos games já emprega centenas de beta-testers não pagos, jogadores que trabalham testando e encontrando problemas nas produções diante da possibilidade de serem os primeiros a jogarem os novos games e como uma espécie de honraria99.

Tal perspectiva articula-se à crítica que Adorno faz às posições de Johan Huizinga acerca da unidade entre as diferentes formas de jogar, que variariam somente em grau, não em diferença qualitativa, onde o que importa é a adesão ao jogo, não seus fundamentos ideológicos, comportamentais, etc. Neste sentido, o pensador de Frankfurt aponta como a própria forma do jogo pode conter mecanismos de alienação e dominação dos corpos (o que não é o mesmo que dizer que o jogo é essencialmente alienante, numa acepção mais vulgar) e assim, Homo ludens teria falhado em perceber a acomodação do trabalho físico desagradável em um prazer secundário que habituaria as pessoas às "demandas da práxis".100

Dessa forma, se aderirmos à tese de que o mundo urbano e industrial teria capacitado pessoas para maiores reflexos e capacidade de reação, essa virtualização do real pensada em um treinamento behaviorista que recompensa o esforço e a produtividade talvez seja a própria consagração do conceito da alta performance, da interação dirigida em uma capacidade reativa rápida, o próprio sonho do capitalismo para seus seres sociais. E tudo isso disfarçado de um “capitalismo colorido”, multicultural, lúdico, que se importa mais com o bem-estar de seus trabalhadores que estariam se divertindo, não mais explorados pelos mecanismos da estrutura. Muitos games, e aqui certamente incluímos a série Assassin’s Creed, operam com

jogabilidades e estruturas de regras que pontuam e premiam a alta performance, efetuada pelos jogadores e representada pelos avatares. Isso é, os videogames reforçam a ideologia meritocrática do esforço e recompensa, tendo como prêmios, novas fases, novos objetos in-

game, passagens cinematográficas e “troféus”101, expandindo o próprio jogar a, muitas vezes,

99 DYER-WITHERFORD, N. ; DE PEUTER, G. Games of Empire: Global Capitalism and Video Games.

Minnesota: University of Minnesota Press, 2009.

100 ADORNO, T. Aesthetic Theory. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1977.

101 Os “troféus” ou “conquistas” são uma invenção da indústria dos games desde meados da década de 2000. Eles

simbolizam feitos internos dentro do jogo que são premiados com uma espécie de condecoração que pode ser colocada online para outros jogadores verem. Esses feitos ultrapassam, muitas vezes, os objetivos “normais” de cada game se tornando desafios particulares, e uma série de websites podem ser encontrados na internet ensinando

se tornar indistinguível do trabalhar. De fato, muitos jogadores de fato trabalham dentro de