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CAPÍTULO 3 O conectivismo: aprendizagem em rede

3.1. O impacto das TICs na educação e sociedade

3.3.2. Fundamentação e tendências da abordagem conectivista

Por meio do suporte tecnológico, tornou-se mais fácil armazenar conhecimento e posteriormente acessá-lo. Igualmente, a produção de conhecimento novo é mais rápida e fácil, aumentando a quantidade de conteúdos que precisamos gerenciar.

George Siemens observa que, anteriormente, o desenvolvimento informacional era vagaroso e o conhecimento podia ser medido em décadas, o que justificaria uma formação educacional lenta e unidirecional (e.g. um indivíduo podia permanecer ao logo de toda a vida com uma mesma formação). Porém, agora estamos diante de uma economia de conhecimento acelerada e multidirecional, o pesquisador observa que a duração do conhecimento foi reduzida à metade, ou seja, é menor o intervalo entre a concepção de um conhecimento e o momento em que ele se torna ultrapassado ou é revisto (SIEMENS, 2004).

Dentro desse cenário informacional tão instável, a retenção do conhecimento talvez não seja mais um objetivo educacional coerente. Um das propostas da teoria de aprendizagem conectivista é que o acesso e as conexões para construir e obter uma informação podem se tornar mais úteis do que a retenção de um conteúdo, ou na famosa analogia proposta por George Siemens (2005) conhecer os “tubos é mais importante do que o conteúdo do tubo”46.

Nesta tese, nós veremos o funcionamento e processamento mental do conhecimento durante o capítulo 4, mas com base nessas informações, já podemos adiantar que categorizar e localizar um determinado conhecimento podem ser letramentos mais úteis do que memorizar um conteúdo e retê-lo indefinidamente na memória. O panorama atual apóia-se em uma gama de tendências, algumas dessas tendências da aprendizagem seriam:

▪ A aprendizagem informal é um aspecto significativo de nossa experiência de aprendizagem. A educação formal não mais cobre a maioria de nossa aprendizagem. A aprendizagem, agora, ocorre de várias maneiras – através de comunidades de prática, redes pessoais e através da conclusão de tarefas relacionadas ao trabalho.

▪ A aprendizagem é um processo contínuo, durando por toda a vida. Aprendizagem e atividades relacionadas ao trabalho não são mais separadas. Em muitas situações, são as mesmas.

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▪ A tecnologia está alterando (reestruturando) nossos cérebros. As ferramentas que usamos definem e moldam nosso modo de pensar.

▪ A organização e o indivíduo são ambos organismos que aprendem. O aumento da atenção à gestão do conhecimento ressalta a necessidade de uma teoria que tente explicar a ligação entre a aprendizagem individual e organizacional.

▪ Muitos dos processos anteriormente tratados pelas teorias de aprendizagem (especialmente no processamento cognitivo de informações) agora podem ser descarregados para, ou suportados pela tecnologia.

▪ Saber como e saber o que está sendo suplementado pelo saber onde (o conhecimento de onde encontrar o conhecimento que se necessita).

(DOWNES, 2004, s/p).47 A fundamentação da abordagem conectivista parte de uma análise das principais teorias de aprendizagem e sua relação com o contexto hodierno. Em geral, o desenvolvimento de ambientes de ensino aplica frequentemente as três grandes teorias de aprendizagem (behaviorismo, cognitivismo e construtivismo), todavia, George Siemens observa que, nessas teorias, a construção do conhecimento se fundamentava em um processo de retenção do conteúdo, em que a aprendizagem era percebida como um processo de longa duração.

Dessa maneira, o conhecimento era um elemento externo à mente e que deveria ser integrado ao comportamento (behaviorismo); ou internalizado e integrado à memória de longo prazo (cognitivismo); ou ainda uma construção mental lenta a partir de experiências vivenciadas (construtivismo). Conforme observado pelo autor, essas teorias não contemplam a aprendizagem que acontece externamente e é manipulada e armazenada por meio de suporte tecnológico (SIEMENS, 2004).

Além de uma perspectiva externa do conhecimento, a teoria conectivista integra princípios derivados da teoria do caos, teoria de redes, teoria da complexidade e teoria da auto-organização.

■ Navegação no caos: o conectivismo aplica elementos da teoria do caos para se referir à construção de conhecimento dentro de uma ecologia de informação produzida com

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Tradução nossa: Informal learning is a significant aspect of our learning experience. Formal education no longer comprises the majority of our learning. Learning now occurs in a variety of ways – through communities of practice, personal networks, and through completion of work-related tasks. Learning is a continual process, lasting for a lifetime. Learning and work related activities are no longer separate. In many situations, they are the same. Technology is altering (rewiring) our brains. The tools we use define and shape our thinking. The organization and the individual are both learning organisms. Increased attention to knowledge management highlights the need for a theory that attempts to explain the link between individual and organizational learning. Many of the processes previously handled by learning theories (especially in cognitive information processing) can now be off-loaded to, or supported by, technology. Know-how and know-what is being supplemented with know-where (the understanding of where to find knowledge needed).

rapidez, em grande quantidade, desordenada e incontrolável. Assim, podemos caracterizar a aprendizagem como “um processo que ocorre em ambientes nebulosos, cujos elementos centrais são variáveis - não inteiramente sob o controle do indivíduo” (SIEMENS, 2005, s/p)48.

Esse cenário informacional, aparentemente caótico, é uma nova realidade que rompe com a previsibilidade, mas no qual todos os elementos estão conectados dentro de redes complexas e cada interação ou evento produzem consequências no todo, o que remonta à ideia de um efeito borboleta: dentro de redes complexas e interdependentes, um pequeno evento, talvez aleatório, pode implicar em uma alteração drástica do fluxo e status atual da rede.

O reconhecimento e lógica de padrões são os alicerces de vários processos de aprendizagem e construção do conhecimento. Em um cenário caótico e instável, torna-se essencial a habilidade para detectar padrões entre eventos, reconhecer mudanças e ajustar rapidamente o aprendizado (SIEMENS, 2005).

Ao contrário do construtivismo, que afirma que os alunos tentam promover a compreensão por meio de tarefas de criação de significado, o caos afirma que o significado existe - o desafio do aprendiz é reconhecer os padrões que parecem estar ocultos. Fazer significado e formar conexões entre comunidades especializadas são atividades importantes. (SIEMENS, 2005 , s/p)49

■ Redes: o conceito de rede fornece um modelo para compreender a organização do mundo e da sociedade atual, em que os elementos são interconectados. Conforme a teoria de rede, todos os elementos de uma rede são integrados ao todo, gerando repercussões no todo.

A teoria de redes fornece ainda explicações para compreender a dinâmica dos nós, elucidando quais fatores estimulam a geração de conexões entre tópicos e indivíduos. Nessa visão, os nós de uma rede podem ser professores, alunos, idéias, comunidades, páginas da internet, conteúdos e outros variados elementos. Na rede, a mecânica e comportamento dos nós é impulsionada pela busca de mais e melhores conexões, pois as conexões representam força, sobrevivência ou permanência dentro da rede. Nessa dinâmica, a aprendizagem é

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Tradução nossa: Learning is a process that occurs within nebulous environments of shifting core elements – not entirely under the control of the individual.

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Tradução nossa: Unlike constructivism, which states that learners attempt to foster understanding by meaning making tasks, chaos states that the meaning exists – the learner's challenge is to recognize the patterns which appear to be hidden. Meaning-making and forming connections between specialized communities are important activities.

inerente à conexão e depende de quantos nós, ou com quais nós, é possível conectar o conteúdo.

■ Complexidade: refere-se ao incremento do grau de complexidade nas informações, na quantidade de informação disponível e na maneira como essa informação é organizada, além da organização geral da sociedade. Segundo Ronald Barnett (2004), diversos pesquisadores e nomenclaturas tencionam abranger ou conceituar o que seria uma era complexa do mundo moderno, tal como o conceito de modernidade líquida (BAUMAN, 2000).

De acordo com Ronald Barnett, estamos ambientados em um mundo de “supercomplexidade” (BARNETT, 2004, p. 249), e por meio desse termo, o autor se refere à aparente insolubilidade e incompatibilidade dos problemas com os quais nos deparamos. Na modernidade líquida ou era super complexa, as questões são permeadas por conflitos nos quais as práticas, valores e ideologias são reciprocamente incompatíveis.

Como exemplo desta supercomplexidade nas questões hodiernas, podemos citar o cenário desta tese. A educação foi impactada por um novo ethos colaborativo, por aprendizagem informal, por novos letramentos e novas tecnologias. Um consenso acadêmico determina a necessidade de integrar esse aparato tecnológico ao ensino-aprendizagem, bem como os novos letramentos da cultura digital e de participação.

Contudo, somos confrontados por uma incompatibilidade ideológica inerente e recíproca entre os dois pólos da questão: a dinâmica das práticas de produsagem e colaboratividade são refratárias, ou mesmo incompatíveis, com estruturas tradicionais e basilares da educação (como autoridade!). A questão impõe entraves institucionais, políticos, técnicos e pedagógicos, vinculados a valores e relações de poder muito valorizados no ensino, o que torna complexa sua apropriação para iniciativas oficiais de ensino-aprendizagem.

■ Auto-organização: Em um ambiente menos estruturado, a habilidade de auto- organização diz respeito ao modo como as estruturas e coletividades se desenvolvem no aparente caos informacional e também se refere às habilidades de usuário nesses contextos. Conforme a teoria conectivista, o conceito de auto-organização define a “formação espontânea de estruturas bem organizadas, padrões, comportamentos, a partir de condições iniciais randômicas” (ROCHA, 1998, p.3)50.

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Tradução nossa: “the spontaneous formation of well organized structures, patterns, or behaviors, from

A internet se tornou um terreno fértil para a emergência de comunidades auto- organizadas de aprendizagem informal, em que redes se auto-organizam dentro de ambientes informacionais complexos, nos quais os participantes são simultaneamente coaprendizes, pares, facilitadores e produtores de conhecimento ou fluxos informacionais (SAADATMAND, 2017). Alguns conhecimentos não são transferidos entre os nós da rede, na verdade, certos conhecimentos emergem das redes, isto é, desenvolvem-se “espontaneamente como resultado de fenômenos de input (ou seja, experiência) e da natureza auto-organizadora de redes apropriadamente projetadas” (DOWNES, 2012, 277)51.

Ademais, a auto-organização abrange habilidades de filtragem e tomada de decisão. Tradicionalmente, no modelo de ensino estruturado, o conteúdo é filtrado previamente pelo educador, em contrapartida, no contexto de ensino aberto, a filtragem depende da participação dos alunos. Stephen Downes salienta que a filtragem não pode ser um processo randômico, pois é fundamentada em processos curatoriais, mecanismos que determinam decisões sobre o que é quisto ou preterido (DOWNES, 2012).

As escolhas e processos individuais afetam os nós de toda a rede, porquanto a “auto-organização em um nível pessoal é um microprocesso dos construtos maiores de auto- organização do conhecimento” (SIEMENS, 2004, s/p52). Efetivamente, a auto-organização, filtragem e tomada de decisão dos indivíduos são o que viabilizam a existência de comunidades informais, por que:

Sistemas auto-organizados ocorrem quando fatores locais no nível de tomada de decisão formam sistemas globais. Nós olhamos para eles, e assumimos que deve haver uma hierarquia - que a abelha rainha ou a formiga rainha está tomando as decisões. Mas o que está acontecendo é que cada membro toma decisões de forma independente e as informações são compartilhadas. Isso também acontece na física, quando há uma mudança de forma, digamos, de líquido ou sólido. As "decisões" são tomadas no nível molecular e, uma vez que uma molécula muda, ela se espalha rapidamente para todas as outras moléculas. Em com unidades on-line, os indivíduos podem sentir que não têm muita influência, mas uma pessoa que toma uma decisão pode influenciar um grupo muito maior. (DOWNES, 2012, p. 499).53

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Tradução nossa: spontaneously as a result of input phenomena (i.e., experience) and the self organizing nature of appropriately designed networks.

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Tradução nossa: Self-organization on a personal level is a micro-process of the larger self-organizing knowledge constructs.

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Tradução nossa: Self-organizing systems occur when local factors at the decision-making level form global systems. We look at them, and assume there must be a hierarchy - that the queen bee or the queen ant is making the decisions. But what is happening is that each member makes decisions independently, and information is shared. This also happens in physics, when there is a form shift, say, from liquid or solid. The 'decisions' are made at the molecular level, and once one molecule shifts, it quickly spreads to all the other molecules. In online communities, individuals may feel they don't have that much influence, but one person making a decision may influence a much larger group.

Por conseguinte, uma abordagem de aprendizagem conectivista demanda alunos com habilidades de auto-organização e auto-motivação, pois como veremos no caso do objeto de estudo desta tese, os indivíduos precisam gerenciar uma quantidade maior de recursos em um formato aberto.