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CAPÍTULO 2 Cultura de convergência e práticas de produsagem: novas mídias e

2.4. Princípios de convergência e produsagem: propostas para a educação

Um dos principais teóricos da cultura de convergência, Henry Jenkins adota a concepção de uma ecologia de aprendizagem, segundo a qual a aprendizagem ocorre em todos os lugares, conectando lugares e sujeitos não apenas por meio de tecnologias, mas especialmente pelas práticas culturais e comunidades sociais. Assim sendo, Henry Jenkins segue uma concepção conhecida como “aprendizagem conectada”, além de endossar a

declaração de Princípios Subjacentes à Aprendizagem Conectada proposta pela Fundação

McArthur, em 201229.

Conforme mencionamos no primeiro capítulo de Metodologia, o cMOOC

Connected Courses foi uma iniciativa do DML Research Hub, que é parte da fundação McArthur, e o portal do curso declara expressamente que um dos objetivos do curso é

incorporar os princípios de aprendizagem conectada e web aberta.

Longe de estar atrelada a uma tecnologia ou plataforma em particular, a aprendizagem conectada busca integrar um conjunto inicial de três valores educacionais, três princípios de aprendizagem e três princípios de design.

Os seus três valores são: (1) a equidade que remete ao acesso, à oportunidade educacional disponível a todos; (2) a participação plena, partindo-se do princípio que tanto os ambientes virtuais quanto a comunidade e vida cívica prosperam mediante envolvimento ativo de todos os membros; (3) conexão social, um valor para enfatizar que qualquer aprendizagem é significativa somente se estiver integrada à cultura, a uma identidade compartilhada, às práticas e relações sociais.

Os seus três princípios de aprendizagem são: (1) a motivação, que observa os interesses e paixões como elementos a serem desenvolvidos no percurso de aprendizagem e que podem colaborar com trajetos mais especializados; (2) o princípio de pontos de apoio (no plural), o qual reforça a noção da aprendizagem conectada como um processo coletivo entre pares, muito além do P2P (Peer-to-peer), pois há um fluxo de contribuição, suporte e

feedback entre sujeitos de diferentes idades e níveis de experiência; (3) a orientação

acadêmica, que reconhece a relevância da ligação acadêmica, credenciais, bem como seu valor econômico e político para que os jovens cresçam intectualmente e tenham oportunidades.

Os três princípios de design da Aprendizagem Conectada são alvo de interesse particular desta pesquisa, pois visam utilizar a tecnologia para ampliar a integração entre os diversos interesses e esferas sociais do aluno.

São eles: (1) o propósito compartilhado, segundo o qual o design deve priorizar a possibilidade do aluno criar conexões e formar grupos com outros indivíduos que compartilhem propósitos, pois isso pode fomentar engajamento e criação de projetos; (2) o princípio de foco na produção, determinando que AVAs para aprendizagem Conectada

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A declaração de Princípios Subjacentes à Aprendizagem Conectada, proposta pela Fundação McArthur, está disponível para download em: http://dmlhub.net/publications/connected-learning-agenda-for-research-and- design/.

sejam projetados com vistas à produção dos usuários, propiciando toda estrutura de software, ferramental e acesso às contribuições e condições de produção; (3) por fim, o principio de abertura em rede, pelo qual se estabelece que os AVAs requerem um projeto voltado às redes de conexões entre instituições de ensino, casas, comunidades de interesse e demais setores, pois essas conexões podem robustecer a aprendizagem com seus diferentes nós.

Os princípios da aprendizagem conectada não nasceram na era digital, mas eles são extraordinariamente bem adaptados a ela. A aprendizagem Conectada pretende unir um corpo histórico respeitável de pesquisas sobre como os jovens aprendem melhor com as oportunidades disponibilizadas através das mídias e em rede, de hoje. Aprendizagem Conectada é o mundo real. É social. É tangível. É ativa. É em rede. É pessoal. É eficaz. Através de uma nova visão de aprendizagem que detém a possibilidade para a mudança educacional e produtiva de base ampla.

(JENKIS, 2012, Disponível em: http://henryjenkins.org/2012/03/

connected_learning_a_new_parad.html 30)

Em seu trabalho de pesquisa, Mimi Ito (uma das principais autoras da declaração dos Princípios Subjacentes de Aprendizagem Conectada31) sintetiza sua concepção de aprendizagem conectada em quatro princípios captados a partir das novas mídias:

1) Explorar o poder da aprendizagem por pares (p2p);

2) Ir ao encontro dos alunos, onde eles estão reunidos – o que vai muito além do Facebook, em comunidades especiais, tais como fóruns de jogos ou comunidades entusiastas;

3) Construir espaços geradores de conexões, onde sejam fomentadas relações persistentes;

4) Trazer o trabalho dos estudantes para o resto do mundo, por reconhecimento e feedback.32

(ITO, 2014. Disponível em: http://campustechnology.com/Articles/2014/ 04/08/4-Emerging- Principles-of-Connected-Learning.aspx?admgarea =news&Page=2)

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Tradução nossa: The principles of connected learning weren't born in the digital age, but they are extraordinarily well-suited to it. Connected learning seeks to tie together the respected historical body of research on how youth best learn with the opportunities made available through today's networked and digital media. Connected learning is real-world. It's social. It's hands-on. It's active. It's networked. It's personal. It's effective. Through a new vision of learning, it holds out the possibility for productive and broad-based educational change.

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O arquivo encontra-se disponível para download em: http://dmlhub.net/publications/connected-learning- agenda-for-research-and-design/.

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Tradução nossa: 1) Tapping the power of peer to peer learning; 2) Meeting learners where they are — which goes well beyond Facebook, into specialty communities, such as gaming forums or enthusiast communities; 3) Building connected maker spaces where fostering persistent relationships; and (4) Bringing students' work to the wider world for recognition and feedback.

Axel Bruns, que se destaca nos estudos de produsagem, propõe um conjunto de capacidades que devem ser desenvolvidas e têm como prioridade habilitar os sujeitos à produsagem e produção de conteúdo capitaneada por usuário (user led). Em artigo de 2007, Axel Bruns denomina essas capacidades como C4C, a saber: (1) criatividade, (2) colaboratividade, (3) criticidade e (4) capacidades comunicativas.

Um exame das capacidades C4C demonstra que são inspiradas nas práticas de produsagem, buscando uma depuração de princípios que regem as práticas nesses ambientes:

Apesar dos diferentes objetivos e objetos das atividades capitaneadas por usuário (desde projetos de software até gestão do conhecimento para a criação colaborativa), é possível discernir, não obstante, um conjunto cada vez mais sofisticado de princípios comuns que regem muitos desses ambientes. Tais princípios fornecem tanto o ponto de partida para críticas educacionais de criação de conteúdo capitaneada por usuário quanto um quadro para reconfigurações futuras dessas próprias práticas educativas, que perseguem uma abordagem mais autêntica e realista para permitir aos alunos que desenvolvam as capacidades que serão exigidas deles, enquanto participantes de ambientes liderados por usuários. [...] No processo de investigar e descrever os princípios subjacentes a esses ambientes, no entanto, também se torna cada vez mais evidente que já não é suficiente descrever os participantes desses esforços de colaboração simplesmente como "utilizadores"; em vez disso, eles agem em um papel híbrido do usuário, bem como produtor, ou mais diretamente, como produsuários. (BRUNS, 2007, p.1.) Grifo nosso33.

A capacidade criatividade do C4C não é limitada à inspiração ou ao ato criativo, pois abarca um espectro amplo de qualidades necessárias para criação efetiva nesses ambientes. A criatividade do C4C não se resume à engenhosidade, ela é a capacidade e preparação para colaborar e ser cocriador, coprodutor dentro de um grupo de autoridade compartilhada, distante de ser um produtor criativo autossuficiente ou cooperativo. O autor parte da premissa que a criação colaborativa exige uma capacidade criadora distinta da individual.

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Tradução nossa: In spite of the different objectives and objects of user-led activities (from software design through knowledge management to creative collaboration), it is nonetheless possible to discern an increasingly sophisticated set of common principles which govern many such environments. Such principles provide both the point of departure for educational critiques of user-led content creation, and a framework for future reconfigurations of educational practices themselves as they pursue a more authentic, realistic approach to enabling learners to develop the capacities which they will require as participants in user-led environments. [...] In the process of investigating and describing the underlying principles of such environments, however, it also becomes increasingly obvious that it is no longer sufficient to describe participants in these collaborative endeavours simply as ‘users’; instead, they act in a hybrid role of user as well as producer, or for short, as produsers.

A capacidade de colaboratividade refere-se à ponderação do colaborador para avaliar sua atividade na produção coletiva. Como a produsagem não tem obrigatoriedade, apesar de haver um compromisso emocional, é o colaborador quem julga quando, onde e em quais situações a colaboração deve se inserir. Não obstante esse senso, a capacidade de colaboração é intrínseca a conhecimentos técnicos específicos: exige dominar as ferramentas colaborativas em voga e possuir habilidades tecnológicas em constante aperfeiçoamento, atualizadas, permanentemente úteis ao coletivo.

Definida como o “corolário das capacidades de colaboração” (BRUNS, 2007, p.834), a criticidade refere-se à percepção crítica para identificar elementos-chave: potenciais colaboradores; habilidades criativas; condições adequadas a uma colaboração eficiente; senso crítico para produzir e receber feedback de maneira construtiva e positiva; criticidade para avaliar a credibilidade e qualidade (em nível profundo) das fontes de conteúdo e informação da qual a produsagem se apropria; em suma, o desenvolvimento de uma postura crítica abrangente acerca de si, do outro, do processo e de toda informação disponível atualmente.

Embora intrínsecas às demais capacidades do C4C, as capacidades comunicativas priorizam diversos aspectos, entre os quais podemos destacar aquilo que conhecemos como comunicação assertiva: um diálogo objetivo, bem-sucedido e com foco definido, é essencial à criação colaborativa, porquanto a produção pode ser prejudicada ou atravancada por distúrbios comunicativos comuns à coletividade (agressividade, perda de foco, subjetividade, prolixidade, ruídos comunicativos etc.). Ademais, manter-se atualizado com letramentos específicos, que envolvem o uso de certas tecnologias, ou saber a linguagem apropriada aos canais de comunicação adequados, são atitudes essenciais para essa capacidade C4C.

Numa breve análise inicial do conjunto de habilidade concebido por Axel Bruns, percebemos que ele não busca fazer uma derivação de todos os princípios de produsagem, mas sim depurar um rol de competências fundamentais para que a pessoa se integre às práticas de trabalho baseado em comunidade. Essas competências podem funcionar como denominador comum. Acerca de entraves institucionais ao desenvolvimento do conjunto C4C, o autor aponta a incompatibilidade entre dinâmicas hierárquicas (típicas da escola) e heterárquicas (da produsagem) como um dos principais problemas a se contornar:

Por outro lado, e a fim de desenvolver essas capacidades de uma forma orgânica, é necessário que as universidades explorem maneiras de modelar os processos de produsagem em seus ambientes de ensino e

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aprendizagem (e além). As dicotomias professor tradicional e rígido / aluno, pessoal / aluno, universidade / cliente são contraproducentes no processo criativo cocolaborativo de produsagem, que - como mencionado acima - prospera em uma organização dos participantes fluída e heterárquica (e não hierárquica). (BRUNS, 2007, p.5)35

Jay Lemke, cujo conceito de travessia auxilia parte deste estudo, também se interessa pela questão educacional contemporânea. Embora não focalize diretamente os aspectos da produsagem já mencionados, o autor oferece propostas que reúnem características fundamentais para o uso da internet, convergência de mídias e funcionamento das práticas de produsagem na educação.

Em artigo de 2009, o autor avaliou as discrepâncias entre o processo de aprendizagem dentro de comunidades de fãs e os ambientes do ensino tradicional. Apesar de Jay Lemke não abordar princípios de produsagem, é possível identificar uma valorização das práticas citadas por Axel Bruns, como inerentes à produsagem. Quando contrapõe tais práticas ao ensino tradicional, Jay Lemke valoriza a heterogeneidade, o desenvolvimento identitário, a liberdade, a não imposição de conteúdos, a paixão pelo que é aprendido, a autonomia e colaboração entre pares.

Num artigo de 1998, Jay Lemke já apontava que para encompassar a aprendizagem da internet, necessitaríamos pensar em um um novo paradigma de aprendizagem, oposto ao paradigma de aprendizagem tradicional (LEMKE, [2010], p. 473). O paradigma de aprendizagem interativa refletiria a aprendizagem na internet: sem um currículo obrigatório definido por uma instituição, sem ordenação de um cronograma fixo e os sujeitos determinariam o que precisam aprender.

O autor também assinala que as pesquisas sobre aprendizagem pressupõem um ambiente muito estruturado, dotado de configurações controladas que miram somente certos objetivos. Essa premissa se opõe à aprendizagem informal, na qual os objetivos são particulares, emergentes, variados e reconfiguráveis.

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Tradução nossa: On the other hand, and in order to develop such capacities in an organic fashion, it is necessary that universities themselves explore ways to model the processes of produsage in their learning and teaching environments (and beyond). Traditional and rigid teacher/learner, staff/student, university/client dichotomies are counter-productive in the co-creative, collaborative process of produsage, which – as noted above – thrives on a fluid and heterarchical (rather than hierarchical) organisation of participants.